segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DEFICIÊNCIA VISUAL: REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA



professora e aluno com baixa visão
 
      índice
  • I - A Deficiência Visual: Conceitos e Definições
    Revendo conceitos e definições
    Avaliação clínica
    Avaliação funcional
    Proposta para formação de equipe e atuação pedagógica
    Tipos de programas
  • II - O Atendimento Educacional Especializado
    Formas de atendimento educacional
    Estrutura e organização das Salas de Recursos
    Papel do professor especializado no ensino fundamental
    Atribuição do professor da Sala de Recursos
    [...]
  • IV Desenvolvimento e Aprendizagem: Diferentes Enfoques
    Abordagem comportamentalista ou ambientalista
    Abordagem sócio-interacionista
    Pensamento construtivista de Jean Piaget
    Perspectiva sócio-histórica - Luria e L. V. Vygotsky
    Convergência da proposta sócio-interacionista para a prática pedagógica de educação especial
  • V - A Construção do Conhecimento
    A construção da inteligência sensório-motora
    O conceito do objeto permanente e a construção do real
    Função simbólica (semiótica)
    Relação espaço-temporal-causal
    Pensamento pré-operatório
    Pensamento lógico-operatório
    O brinquedo e o jogo como fatores do desenvolvimento moral, da autonomia e das relações sociais

Capítulo I - A DEFICIÊNCIA VISUAL: CONCEITOS E DEFINIÇÕES
A política nacional de Educação Especial tem preconizado a Educação com qualidade como direito de todos, buscando assegurar o acesso e permanência dos portadores de necessidades especiais no sistema geral de ensino. Entretanto, a prática da integração dos portadores de deficiência visual no Brasil está muito distante do idealizado, talvez por razões sócio-econômicas e culturais, e, principalmente, pela falta de serviços e recursos da área médica, oftalmológica e educacional que possibilitem o atendimento de qualidade. Para tanto, há necessidade de revisão dos conceitos e definições, a partir das necessidades do cidadão portador de deficiência, da escola, da família e da comunidade.
Revendo conceitos e definições:
A Educação Especial no Estado de São Paulo tem adotado, desde longa data, as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto à definição e classificação da deficiência visual para fins de elegibilidade ao ensino especial.
A legislação ainda vigente em nosso estado - Resolução SE n° 247/86, que dispõe sobre a Educação Especial de 1º e 2º graus, adota a antiga classificação da OMS (Genebra, 1981) que tinha como parâmetro apenas dados de avaliação clínica quantitativa da acuidade visual fornecida pelo oftalmologista, dentro dos seguintes critérios:
Portadores de cegueira: Acuidade visual inferior a 0,05 (referência tabela de Snellen), em ambos os olhos, após a máxima correção óptica possível. Campo visual inferior a 20°.
Portadores de visão subnormal: Acuidade visual de 0.05 a 0,3, em ambos os olhos, com a melhor correção óptica possível.
Do ponto de vista educacional, têm-se considerado portadores de deficiência visual, após avaliação funcional da visão os:
  • Portadores de cegueira: Ausência total de visão até a perda da projeção de luz, O processo de aprendizagem se dará através da integração dos sentidos: tátil - cinestésico - auditivo - olfativo - gustativo, utilizando o Sistema Braille como meio principal de leitura e escrita.
  • Portadores de visão subnormal: Desde condições de indicar projeção de luz até o grau em que a redução da acuidade visual interfere ou limita seu desempenho. O processo educativo se desenvolverá por meios visuais ainda que seja necessária a utilização de recursos específicos.
Deve-se considerar que o nível de experiência, desempenho e eficiência visual é particular de cada aluno, independente da idade, patologia e acuidade visual. Grande parte dos alunos considerados clinicamente 8 cegos, com acuidade inferior a 0,05, pode ter capacidade visual para atividades de leitura e escrita por meios visuais.
Mesmo que educacionalmente não sejam considerados cegos, esses alunos necessitam participar de um Programa de Orientação e Mobilidade e utilizar recursos especiais para locomoção, como a bengala. No ano de 1992, em Bangkok - Tailândia, a Organização Mundial de Saúde e o Conselho Internacional para Educação de Pessoas com Deficiência Visual (I.C.E.V.I) reuniram-se para discutir o atendimento das crianças com baixa visão no mundo. Elaboraram uma nova definição incluindo a avaliação educacional e a clínica e recomendaram uma avaliação clínico-funcional tendo em vista que o desempenho visual é mais um processo funcional do que simples expressão numérica de acuidade visual. Diante disto, foi proposta a seguinte definição:
Visão subnormalComprometimento do funcionamento visual em ambos os olhos, mesmo após tratamento e/ou correção de erros refracionais comuns.
  • Acuidade visual inferior a 0,3, até percepção de luz.
  • Campo visual inferior a 10° do seu ponto de fixação.
  • Capacidade potencial de utilização da visão para o planejamento e execução de tarefas.
Recomendações - OMS/I.C.E.V.I
Os critérios visuais incluídos nessa definição seguem a Classificação Internacional das Doenças (C.I.D) e não devem ser, portanto, utilizados para elegibilidade de educação ou reabilitação sem incluir dados de avaliação de outras funções visuais igualmente importantes como:
Sensibilidade aos contrastes
Adaptação à iluminação
Desta forma, propõe-se uma avaliação clínico-funcional realizada por oftalmologista e pedagogo especializados em visão subnormal.
Avaliação clínica compreende:
  • Diagnóstico e prognóstico.
  • Avaliação da acuidade visual para perto e longe.
  • Avaliação do campo visual.
  • Avaliação da sensibilidade aos contrastes e visão de cores.
  • Prescrição e orientação de recursos ópticos especiais.

Avaliação funcional
É a observação do desempenho visual do aluno em todas as atividades diárias, desde como se orienta e se locomove, alimenta-se, brinca, até como usa a visão para realizar tarefas escolares ou práticas.
A avaliação funcional da visão revela dados qualitativos de observação informal sobre:
  • O nível de desenvolvimento visual do aluno.
  • O uso funcional da visão residual para as atividades educacionais, de vida diária, orientação. E mobilidade e trabalho.
  • A necessidade de adaptação à luz e aos contrastes.
  • Adaptação de recursos ópticos, não-ópticos e equipamentos de tecnologia avançada.
É importante ressaltar que a Avaliação Funcional da Visão pode ser a única fonte de informação em crianças pré-verbais ou em crianças com deficiências associadas: comprometimento intelectual, físico ou sensorial.
Recomenda-se a avaliação clínico-funcional o mais cedo possível para a detecção das alterações funcionais da visão no primeiro ano de vida a fim de que a criança tenha oportunidade de adquirir experiências, prevenindo-se, desta forma, alterações e defasagens importantes no desenvolvimento global.
A avaliação funcional da visão deve ser realizada por pedagogo especializado na área da deficiência visual, ou, na falta deste, por profissional da área de reabilitação com conhecimento em desenvolvimento infantil. No Brasil, temos disponível a Avaliação Funcional da Visão, da Professora Natalie Barraga (1980), publicada pela American Printing House e traduzida pela Fundação para o Livro do Cego no Brasil, - destinada à avaliação funcional da visão de pré-escolares e escolares e outra, de nossa autoria, publicada preliminarmente pelo Serviço de Educação Especial - CENP/SE. em forma de apostila para Orientação Técnica aos professores das Salas de Recursos.
Nossa Avaliação Funcional da Visão destina-se à observação de crianças de 0 a 6 anos e foi publicada em 1993, no livro O Desenvolvimento Integral do Portador de Deficiência Visual - Laramara - Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual - SP.
A referida avaliação é complementada pela Avaliação Funcional do Desenvolvimento Global que possibilita conhecer o potencial de desenvolvimento, a utilização da visão em todas as atividades do cotidiano e as necessidades de cada criança, desde o nascimento até a idade escolar.
Avaliação Funcional do Desenvolvimento Global observa o potencial de crianças portadoras de cegueira e visão subnormal, contemplando a avaliação das funções: sensório-motoras, de comunicação e linguagem (esquemas pré-verbais e verbais), funções pré-simbólicas, simbólicas e lógica pré-operatória. Observa também o desenvolvimento psicoafetivo na interação e relação com o meio (pessoas/objetos/brinquedos), atividades de vida diária e orientação e mobilidade.
Entende-se, hoje, que a preocupação em relação à criança portadora de deficiência visual não pode ser apenas com o seu desempenho visual, mas com o seu desenvolvimento como um todo, sem segmentos ou compartimentos estanques. Por isso elaboramos uma proposta educacional integral, desde o programa de Intervenção Precoce Pré-Escolar até o Escolar, que prioriza a interação social.

Proposta de formação de equipe e atuação pedagógica
Prática interdisciplinar
A Educação no seu campo geral de atuação e nas suas especificidades (neste caso a deficiência visual) é, na sua totalidade, prática interdisciplinar, pois busca dar conta do sujeito educacional, respondendo aos inúmeros desafios de sua aprendizagem e educação. Desta forma, a Pedagogia Especializada não pode ignorar a contribuição da ciência oftalmológica e necessita priorizar a articulação e integração Saúde-Educação para facilitação do processo ensino- aprendizagem. Na realidade da América Latina, essa prática se torna mais necessária, pois inúmeras crianças portadoras de visão subnormal ainda não têm acesso à orientação oftalmológica especializada e a recursos ópticos e não ópticos que permitam a aprendizagem da leitura e escrita por meios visuais. A Educação Especial pressupõe múltiplos enfoques, uma abordagem pluridisciplinar integrada sem perder de vista os aspectos psicossociais importantes ao desenvolvimento da independência e autonomia do educando.
Prática transdisciplinar
Esta prática não trata apenas de somar ou justapor múltiplos saberes, uma vez que o todo é mais do que a soma das partes. Sugere uma visão integral e o espaço transdisciplinar envolve a construção da inter e intradisciplinaridade. Neste pensamento sistêmico, somos levados a compreender como cada componente da equipe ou grupo afeta o outro. Torna-se fundamental a existência de um inter-relacionamento positivo, dinâmico, de troca e parceria, buscando a qualidade de vida do educando e a melhoria do Ensino Especial. O processo transdisciplinar prioriza o sujeito e a construção do seu conhecimento pelo fazer em grupo, onde as pessoas aprendem a pensar e trabalhar juntas, compartilhando percepções, conceitos, experiências, reconstruindo valores e significados para criarem novos caminhos da prática clínica, pedagógica ou social. Tem-se aqui uma nova visão do Ensino Especial que, além de buscar a facilitação do processo de aprendizagem com qualidade estimula o crescimento e desenvolvimento inter e intra-pessoal dos envolvidos. Nesta linha de pensamento, pais, professores, alunos, dirigentes, demais profissionais e comunidade são chamados a participar como parceiros efetivos de uma rede integrada em contínua interação.

Tipos de programa
Programa de educação precoce ou Intervenção Precoce
0 a 3 anos
É uma intervenção pedagógica que se destina a dar apoio à família, orientando-a quanto a relação, interação e cuidados básicos com a criança portadora de cegueira e visão subnormal.
O Programa de Intervenção Precoce tem por objetivo a valorização do potencial de aprendizagem da criança, discutindo e planejando, junto com a família, estratégias que favoreçam o desenvolvimento global da criança através das atividades diárias e, principalmente, do brinquedo. Pela especificidade do programa e em virtude de grande parte das crianças portadoras de deficiência visual apresentarem deficiências associadas, é importante a formação de equipe interdisciplinar ou transdisciplinar para avaliação do desenvolvimento e orientação do programa. A Intervenção Precoce, na abordagem pedagógica sócio-interacionista, não adota o processo de terapeutização e segmentação das áreas do desenvolvimento, mas busca, pela mediação e transdisciplinaridade, a contínua interação das dimensões psicoafetiva, perceptivo-motora, cognitiva e social.
Haverá nesta concepção uma avaliação sistêmica, ou seja, avaliação integral do desenvolvimento, e o profissional mediador ou facilitador do desenvolvimento interage com a criança e a família, orientando e conduzindo o processo no grupo.
Vários países já vêm adotando, em escolas ou instituições, o sistema de Intervenção Precoce em pequenos grupos, onde pais, professores e crianças trabalham juntos. Torna-se uma experiência muito rica, pois os pais encontram seus pares para identificação das angústias, conflitos e para troca de experiência. Já as crianças aprendem muito mais pela motivação e troca com as outras, além de ficarem mais felizes brincando em grupo. É possível articular um trabalho coletivo que atenda as necessidades individuais e as do grupo desde a Intervenção Precoce até a etapa escolar. A proposta nacional de Educação prevê a integração do portador de deficiência visual desde o berçário, creche e pré-escola. Torna-se importante que as instituições, governamentais ou não, com larga experiência em Programas de Intervenção Pedagógica Precoce, estejam abertas para colaborar.

Programa pré-escolar 4 a 6 anos
O Programa Pedagógico da etapa pré-escolar poderá ser desenvolvido em pequenos grupos na Sala de Recursos e é preferível que o aluno tenha a oportunidade de freqüentar uma classe de pré-escola na sua comunidade, contando com a orientação do professor especializado como integrador. O Programa Pré-Escolar, na visão integral do desenvolvimento, priorizará o processo de aquisição de conceitos, dos esquemas sensório-motores-perceptivos por experiências múltiplas significativas, o desenvolvimento da comunicação e linguagem por meio de vivências contextualizadas, valorizando o brinquedo, a recreação e o lazer. Com os portadores de visão subnormal, na etapa pré-escolar, devemos priorizar múltiplas experiências para o desenvolvimento da eficiência visual como facilitação do processo de leitura-escrita por meios visuais.
Discutiremos posteriormente o processo de alfabetização do portador de cegueira ou de visão subnormal, mas destacamos aqui a necessidade de ambos participarem desde cedo de programas de A.V.D. (Atividades de Vida Diária) e O.M. (Orientação e Mobilidade) integrados à programação pedagógica especial para a real integração na pré-escola.

Programa escolar
Programação Pedagógica Complementar a ser desenvolvida nas Salas de Recursos deverá continuar contemplando o desenvolvimento e a aquisição de conceitos por meio de experiências multissensoriais contextualizadas e proporcionar:
  • Acesso a jogos e atividades que favoreçam o desenvolvimento da linguagem e o raciocínio lógico-matemático.
  • Acesso e domínio do Sistema Braille para o processo de alfabetização (reglete, máquina de datilografia braile).
Suplementação pedagógica do conteúdo curricular desenvolvido na classe comum.
  • Domínio do cubaritmo e sorobã.Datilografia comum ou computador para alfabetização (utilizando DOS-VOX e impressora braile).
  • Programa de A.V.D. - Atividades de Vida Diária e O.M. - Orientação e Mobilidade.
  • Participação em educação física, atividade de prática esportiva e recreativa.
  • Acesso a recursos tecnológicos e de informática.
  • Elaboração conjunta (professor especializado e alunos) de material didático-pedagógico adaptado às necessidades individuais e do grupo.
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Capítulo II - O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Formas de atendimento educacional
a. Sala de Recursos
Proporciona o atendimento de professor especializado a alunos portadores de cegueira e visão subnormal matriculados no sistema comum de ensino ou em classes especiais. Dispõe de recursos específicos e materiais pedagógicos adequados ao processo ensino- aprendizagem, oferecendo apoio suplementar para superação das dificuldades dos alunos e orientação para integração em classe comum, Esse atendimento é prestado prioritariamente a alunos da própria escola; havendo vagas, a alunos de outras unidades escolares.
Estrutura e organização das Salas de Recursos
A Sala de Recursos caracteriza-se por atender um agrupamento variável e assistemático de alunos em virtude das necessidades específicas dos educandos podendo variar o tempo de permanência e o período de atendimento. O professor terá horário flexível e, uma vez que não é regente da classe, seu quadro de horário será organizado em função do programa do aluno. O ideal é que o aluno freqüente a classe comum num período e, no outro, a Sala de Recursos. Cada Sala de Recursos tem a capacidade mínima para atendimento de 6 (seis) alunos e máxima de 12 (doze) alunos portadores de deficiência visual. O aluno será matriculado na classe comum e inscrito na Sala de Recursos, devendo participar de todas as atividades gerais da escola que favoreçam seu desenvolvimento e proporcionem a integração social (educação física, biblioteca, teatro, oficina de leitura e artes).
Papel do professor especializado no ensino fundamental
  • Buscar a interação e comunicação para se criar um vínculo adequado professor-aluno-família evitando a superproteção e o assistencialismo.
  • Valorizar o potencial de desenvolvimento do educando, proporcionando-lhe a oportunidade de desenvolvimento global, estimulando a conquista da autonomia e independência.
  • Aceitar as diferenças do portador de deficiência visual, ajudando-o a conviver com suas limitações, sem compará-lo ao padrão de normalidade, respeitando o seu ritmo de aprendizagem.
  • Facilitar o processo ensino-aprendizagem através de experiências multissensoriais significativas e contextualizadas.
  • Atender às necessidades do aluno dentro do princípio da individualização do ensino, sem perder de vista a formação de grupo, o trabalho coletivo e a integração social.
  • Propiciar ao aluno oportunidade de enriquecimento de experiências através da troca com o outro, não-deficiente, participando de todas as atividades lúdicas e recreativas da escola (oficina de leitura, arte, jogos, passeios e excursões).
  • Buscar metodologias de ensino que melhor atendam à especificidade do aluno, visando inseri-lo o mais cedo possível na classe comum.
  • Refletir, analisar e avaliar a sua prática pedagógica em consonância com a prática pedagógica da classe comum.
  • Mediar a relação e a informação - equipe transdisciplinar família-escola-comunidade
  • Buscar uma relação integrada e articulada com a direção da escola, coordenação e demais professores.
  • Proporcionar orientação e apoio à família através de entrevistas e reuniões para esclarecimentos. sobre o potencial, as necessidades e as limitações do educando, envolvendo-a no processo educacional.
Atribuição do professor de Sala de Recursos
  • Participar do planejamento geral do processo ensino-aprendizagem.
  • Solicitar junto à direção da escola, que fará o devido encaminhamento, recursos e materiais específicos necessários para o bom funcionamento da Sala de Recursos.
  • Efetuar a avaliação funcional da visão e do desenvolvimento integral para a elaboração do programa pedagógico.
  • Adotar a proposta curricular utilizada na classe comum, adaptando-a ao nível de desenvolvimento e necessidade.
  • Priorizar o desenvolvimento global e o acesso ao conteúdo curricular favorecendo a integração social
  • Assessorar e orientar os professores da classe comum proporcionando apoio e suplementação pedagógica ao educando.Adaptar ou enriquecer os conteúdos curriculares tendo em vista: o desenvolvimento dos processos conceituais, favorecendo a integração das funções tátil-cinestésica-auditivaolfativa e visoperceptiva no caso da visão subnormal.
  • Proporcionar ao aluno portador de visão subnormal programa pedagógico para o desenvolvimento da eficiência visual, adaptando o material de leitura e escrita compatível com o nível de capacidade visual.
  • Pesquisar, junto com o aluno de visão subnormal, a adaptação de recursos auxiliares para leitura de perto e longe (lentes especiais, lupas, telessistemas, C.C.T.V - circuito de televisão), luminárias ou necessidade de contraste
  • Adaptar os materiais pedagógicos, incluindo jogos lúdicos, para o processo de leitura e escrita das séries iniciais dos alunos portadores de cegueira e visão subnormal.
  • Introduzir os recursos específicos necessários à aprendizagem do processo de leitura e escrita pelo Sistema Braille (reglete, máquina braile).
  • Ensinar o código braile ao aluno, familiares e professor da classe regular.
  • Introduzir o uso do cubaritmo e/ou sorobã, como auxiliar da matemática.
  • Selecionar os conteúdos curriculares respeitando o ritmo de execução de atividade do aluno, não sub ou superestimando o mesmo.
  • Introduzir o sistema de datilografia comum para alunos portadores de cegueira e visão subnormal a partir da terceira ou quarta série, como processo facilitador da comunicação e integração do aluno no ensino comum.
  • Elaborar, em conjunto com o aluno e família, um programa de atividades básicas de vida diária (A.V.D.) e orientação e mobilidade (O.M.).
  • Assessorar e orientar o professor de educação física quanto à adaptação de técnicas e atividades que favoreçam o desenvolvimento motor global, a resistência física, a força muscular, a coordenação geral dos movimentos e a participação do aluno em práticas esportivas.

b. Formas combinadas
Presta atendimento e/ou orientação a alunos portadores de deficiência visual, matriculados em classes especiais de deficiência mental leve, deficiência auditiva e/ou física. Alunos portadores dessas deficiência severas, com acentuada defasagem de desenvolvimento, podem necessitar de atendimento complementar com orientação de equipe interdisciplinar ou transdisciplinar.
Os educandos portadores de cegueira total e deficiência auditiva profunda (surdos-cegos) necessitam de um programa educacional diferenciado, com equipe capacitada para o atendimento da surdez-cegueira, com técnica e recursos metodológicos específicos.

c. Projetos especiais
Centro de atendimentoFuncionamento similar ao da Sala de Recursos, contando com equipe interdisciplinar (pedagogo especializado, professor de Orientação e Mobilidade, psicólogo, assistente social e outros) disponível na comunidade, que atenda ao aluno, oriente a família, professores e comunidade em geral.
Centro de referência em visão subnormalCriado pela Resolução conjunta SS/SE n° 1 de ação integrada entre as Secretarias da Educação e da Saúde, contando com oftalmologista, pedagogo e ortoptista especializados em visão subnormal, este Centro realiza avaliação clínico-funcional em pré-escolares e escolares, desenvolve programa educacional para o desenvolvimento da eficiência visual e adaptação de recursos ópticos especiais. Orienta a família e a escola para integração do aluno na classe comum ou especial, através da visita do professor especializado à unidade escolar.
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Capítulo IV - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM:
O sistema educacional brasileiro tem sido marcado, através dos tempos, por diferentes concepções teóricas de desenvolvimento e aprendizagem, influenciando a prática pedagógica e a atitude do professor na sala de aula. Tais referenciais teóricos têm origem em diferentes concepções do ser humano, na forma como este se desenvolve, conhece e adapta-se ao meio em que vive. As principais abordagens de desenvolvimento e aprendizagem adotadas em nosso meio escolar são: a comportamentalista e a sócio-interacionista (construtivista e sócio- histórica). A formação pedagógica do professor de Educação Especial fundamenta-se em parte no princípio da primeira corrente, por isso torna-se importante refletir sobre esses referenciais teóricos.
Abordagem comportamentalista (behaviorismo ou ambientalismo)
Para o psicólogo americano B. E Skinner (1967), o ambiente exerce papel fundamental no desenvolvimento humano, sendo responsável pela maturação biológica, uma vez que a experiência sensorial é a fonte do conhecimento (filosofia empirista). Nessa concepção, a aprendizagem é desenvolvimento, entendido como acúmulo de respostas aprendidas. Logo, o desenvolvimento ocorre simultaneamente à aprendizagem. O ser humano, nessa visão, é reativo à ação do meio, buscando maximizar o prazer e minimizar a dor. Por isto, o comportamento é manipulável e controlável por estímulos externos, as mudanças de comportamento são geradas pela utilização de reforço positivo para o comportamento adequado e punição para o indesejável.
A aprendizagem, na visão ambientalista, é entendida como o processo pelo qual o comportamento é modificado como resultado da experiência pela manipulação dos estímulos que antecedem ou sucedem o comportamento. Para tanto é necessária uma análise funcional do comportamento, uma análise criteriosa da forma como os indivíduos atuam, identificando e selecionando estímulos para o planejamento de estratégias. A ênfase maior dessa abordagem é o planejamento e a programação diretiva do ensino, com objetivos instrucionais ou operacionais definidos pelo professor. O professor assume, então, o papel de transmissor e condutor da aprendizagem, em detrimento da investigação do processo pelo qual a criança aprende.
Abordagem sócio-interacionista
O sócio-interacionismo é representado por duas correntes teóricas: o construtivismo de Piaget e a visão sócio-histórica de Vygotsky - que têm apresentado mais semelhanças do que divergências. Para os interacionistas, o indivíduo não nasce pronto nem é determinado pelo meio. Ele constrói seu conhecimento através de sua interação com o meio físico e social, de forma ativa, contínua e recíproca, durante toda a sua vida. As experiências anteriores servem de base para novas construções e elaborações. No interacionismo, o fator humano assume papel fundamental, pois é na interação com outras pessoas - crianças e adultos - que o indivíduo, desde seu nascimento, vai construindo sua visão de mundo: seu modo de sentir, agir e pensar. Surge um novo conceito de sujeito social que não é apenas ativo, mas sobretudo interativo.
Construtivismo
Construtivismo é o nome dado à teoria do conhecimento alicerçada na Biologia com influência na Filosofia que elaborou Jean Piaget (1896- 1980). Piaget não criou métodos, técnicas ou propostas pedagógicas para alfabetização. O objetivo principal desse pensador foi estudar a construção da inteligência, como o ser humano constrói o seu conhecimento: como aprende, organiza estrutura e explica o mundo em que vive. Para isso, partiu da observação do comportamento de plantas e animais para depois, minuciosamente, observar o comportamento de seus filhos a partir do nascimento, surgindo daí a sua teoria sobre o desenvolvimento da inteligência.
Chama-se construtivismo porque a capacidade de conhecer é fruto da troca entre o organismo e o meio. Essas trocas são responsáveis pela construção da própria capacidade de conhecer; sem elas essa capacidade não se constrói. O exemplo mais expressivo dessa concepção é o caso Helen Keller, surda-cega, que até os três anos de idade não tinha conseguido estabelecer trocas significativas com o meio. Apresentava déficit de desenvolvimento acentuado - considerada deficiente mental, não estabelecia troca com o meio, pois não utilizava o sentido tátil - cinestésico - olfativo para assimilar o mundo, organizar suas estruturas mentais e desenvolver, assim, a capacidade de conhecer. Pela mediação, e interação com sua professora Ànne Sullivan, que facilitou o processo de troca constante com pessoas e coisas, Helen Keller pôde construir sua inteligência apesar do duplo déficit sensorial, tornou-se brilhante conferencista e escritora.
A teoria de Piaget aponta três tipos de estruturas no organismo humano: primeiro as estruturas totalmente programadas que o indivíduo traz na sua bagagem genética; a seguir, as estruturas parcialmente programadas - o sistema nervoso, cujo desenvolvimento depende de troca bioquímica entre o organismo e o. meio; por último, as estruturas que não são programadas - as estruturas mentais. Piaget acredita que existem estruturas específicas para o ato de conhecer. As estruturas mentais, sendo orgânicas, não estão programadas; sua construção vai depender da interação entre o organismo e o meio. Essa troca ocorre através de um processo onde o conhecimento é reestruturado de forma sucessiva. Se no início a criança dispõe de reflexos, aos poucos vai construindo seus esquemas de ação, um saber fazer que lhe possibilita seu contato com o mundo. Esses esquemas vão formar a estrutura cognitiva e o conjunto desta formará o sistema cognitivo. Cada vez que há um desequilíbrio no modo de se operar a estrutura cognitiva, operam-se dois mecanismos que agem de forma simultânea: a assimilação e acomodação.
Na assimilação a criança incorpora o novo aos esquemas que já construiu em sua interação com o meio. Aos poucos vai enfrentando desafios mais complexos. Já na acomodação, a criança tem que se modificar, construindo outros esquemas ou alterando os já existentes. Com isso, a criança se modifica para responder às novas solicitações.
Piaget explica que há um equilíbrio entre as ações de assimilação e acomodação e que o papel do conflito é fundamental para que o indivíduo alcance formas de pensar mais amplas. A ação do indivíduo no meio é responsável pela interação e adaptação. A aprendizagem depende da capacidade do sujeito de se acomodar ao objeto do conhecimento e assimilá-lo, isto é, internalizá-lo, torná-lo parte de si mesmo. As estruturas mentais serão, então, construídas pela própria criança, através de suas possibilidades de intervenção sobre o meio e pela qualidade de solicitação deste.
Perspectiva sócio-histórica.
A escola soviética tem no pensamento de Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934) e de seus contemporâneos Luria e Leontiev a concepção de que o desenvolvimento depende de um organismo ativo, cujo pensamento é construído gradativamente num ambiente histórico-social. Para Vygotsky o desenvolvimento é um processo dialético complexo que vai ser caracterizado pelas desigualdades das diferentes funções, marcado por periodicidade e metamorfose - transformações qualitativas. Nessa visão, o conhecimento é construído pelo ambiente social, através da interação com o mundo; a criança adquire processos adaptativos. Isso significa que a cada estágio a criança muda as respostas e as realiza de maneira nova, gerando novos instrumentos de pensamento ou comportamentos intermediados pela ação interpessoal. A teoria de Vygotsky tem como contribuição científica as pesquisas do psconeurologista Luria: "O desenvolvimento de novos órgãos funcionais ocorre através da formação de novos sistemas funcionais, que é a maneira pela qual se dá o desenvolvimento ilimitado da atividade cerebral. O córtex cerebral humano, graças a esse princípio, torna-se um órgão da civilização no qual estão ocultas possibilidades ilimitadas e que não requer novos aparelhos morfológicos, cada vez que a história cria a necessidade de uma nova função." (Luria, 1988).
Temos aqui o conceito de desenvolvimento que considera em parte as estruturas orgânicas elementares determinadas pela maturação, mas que privilegia as experiências sociais como formadoras de novas e mais complexas funções mentais. A abordagem sócio-histórica de Vygotsky concebe o desenvolvimento também como espiral, mas sem uma seqüência fixa e estágios universais. A cada estágio - nova revolução - a criança avança para níveis superiores, adquirindo meios para intervir de forma mais competente. No pensamento dialético - interacionista, o desenvolvimento não é biologicamente determinado, mas sim, socialmente facilitado.
Convergência da proposta sócio interacionista para a prática pedagógica de educação especial
O pensamento da escola soviética, alicerçado na crença de que o organismo humano possui alto grau de plasticidade e capacidade de rearranjo funcional, valorizando a importância de noções compartilhadas, abre as portas para a integração dos portadores de deficiências no sistema comum de ensino.
Segundo Vygotsky, o Sistema Funcional é formado por estruturas elementares (determinantes biológicos) e estruturas superiores (processo de desenvolvimento cultural) construídas pela experiência. Tais estruturas não são idênticas, mas diferem qualitativamente. Assim, o conceito de Sistema Funcional de Vygotsky favorece a aceitação das diferenças individuais e níveis desiguais de desenvolvimento. O desenvolvimento ocorre em dois níveis:
  1. Nível de desenvolvimento real: define as funções que já amadureceram, aquilo que a criança é capaz de realizar por si só.
  2. Nível de desenvolvimento potencial: funções em processo de maturação, o que a criança é capaz de realizar com ajuda ou pistas.
O conceito de zona de desenvolvimento potencial ou proximal vem trazer uma inestimável contribuição para a Educação Especial, principalmente no tocante aos questionamentos das avaliações quantitativas de desenvolvimento que privilegiam apenas o que a criança é capaz de realizar por si só. Dessa forma, passou-se a valorizar a avaliação qualitativa, aceitar as diferenças individuais e níveis diversos de desenvolvimento como ativadores das funções que estão por se completar. Deixou se de rotular, de nivelar, de esperar a criança estar pronta e, principalmente, de limitar ao suposto nível de desenvolvimento para dar oportunidade ao aluno de desenvolver todo o seu potencial.
Para Vygotsky, desenvolvimento e aprendizagem são processos recíprocos: quanto maior a aprendizagem maior o desenvolvimento. O "bom aprendizado é aquele que se adianta ao desenvolvimento" (Vygotsky, 1988). Nessa concepção, a linguagem adquire papel fundamental para o desenvolvimento cognitivo, pois, pensamento e linguagem são processos interdependentes. A linguagem possibilita o aparecimento das imagens mentais, o uso da memória e o planejamento da ação.
A construção do real pela criança e a apropriação da experiência com o outro vai sendo internalizada gradativamente, e da mesma forma as funções mentais superiores: a capacidade de solucionar problemas, a formação de novos conceitos e o desenvolvimento da vontade passam primeiro pela dimensão social para chegar à dimensão individual - intrapsicológica. Na constante comunicação com adultos, a criança apreende formas mais complexas de pensar. A linguagem, dessa forma, reorganiza o pensamento e modifica as funções mentais superiores. Vygotsky valoriza, ainda, os estímulos auxiliares ou artificiais que são criados pelo ser humano e usados como forma ativa de adaptação.
São eles:
  • A imitação.
  • A linguagem – comunicação.
  • Os instrumentos produzidos pela própria criança e o uso do próprio corpo.
  • Os instrumentos culturais.
  • O brinquedo como meio principal do desenvolvimento cultural.
Essa linha de pensamento leva à reflexão da prática pedagógica, pois concebe que as funções psicológicas superiores - consciência, intenção, planejamento e ações deliberadas dependem do processo de aprendizagem. Então o papel do professor de Educação Especial, numa atuação pedagógica consistente, é o de provocar nos alunos avanços que não ocorrem espontaneamente, ajudálos na formação e organização do pensamento. O processo de aprendizagem ocorre quando há situações de aprendizagem que o provoquem, quando o aluno é exposto a atividades múltiplas desafiadoras e, principalmente, pela oportunidade que tiver de participar,de situações de prática social. É inegável a relevância do trabalho em grupo na mediação cultural como formador dos processos interpsicológicos e conceituais. A teoria de Piaget trouxe profunda contribuição para a Educação Especial no Brasil, principalmente no que diz respeito à noção de déficit e à compreensão de níveis diferentes da capacidade humana de conhecer.
A noção de déficit - prejuízo não é encarada pelo prisma sócio-cultural do conceito de superior ou inferior. É vista por Piaget no contexto biológico: patamar inferior (menos evoluído, menos complexo) e patamar superior (mais evoluído, mais complexo). Inferior e superior dizem respeito ao grau de atualização das possibilidades humanas. Correspondem a etapas de construção da capacidade de conhecer do ser humano, que vai do nível mais elementar das trocas bioquímicas entre o organismo e o meio até o nível das trocas simbólicas que são superiores, pois permitem ao ser humano operar mentalmente.
Essa concepção não desconsidera as lesões orgânicas que podem ser também responsáveis pelo déficit cognitivo, mas nos alerta para o fato de que a criança pode estar apresentando déficit ou funcionando em um nível inferior pela falta de troca adequada entre o organismo e o meio. Os déficits nesses casos podem ser superados através da construção das estruturas mentais pela própria criança, mediante a solicitação do meio.
A Psicogênese considera que os processos psicológicos tais como abstração, generalização e reflexão são adquiridos pelo poder fazer, pela oportunidade que a criança tem de resolver problemas e de interrogar a realidade física ou social. Os estudos de Piaget e Inhelder dão outro sentido ao processo ensino- aprendizagem: aprender significa compreender. Compreender não significa simplesmente acumular ou incorporar dados, mas redescobri-los, reinventá-los através da própria atividade do sujeito.
Essa compreensão de como a criança constrói o seu conhecimento de forma ativa e dialética, partindo do sistema funcional da significação para o conceitual, permitindo uma ação reflexiva e de transformação contínua, muda a postura e atuação dos professores na Educação Especial. Passa a ser valorizado o trabalho coletivo em detrimento do atendimento individual é solitário porque, no construtivismo, a troca e a cooperação entre crianças é tão importante para o desenvolvimento cognitivo quanto as trocas com o adulto. À criança chega a agrupar suas operações mentais em um todo coerente pelos conflitos cognitivos gerados pelo intercâmbio de pensamentos e pela cooperação com as demais crianças. Cooperar, então, é coordenar ações mentais e o agrupamento torna-se forma de equilíbrio das ações inter-individuais. Piaget considera, ainda, que em qualquer meio social os indivíduos trocam informações, discutem idéias, chegam ou não a acordos e que esse processo de colaboração e crescimento mútuo intervém durante todo o desenvolvimento humano. Numa perspectiva interativa, Blaye (1989) observou que os conflitos sócio-cognitivos ocasionados pela interação de crianças em níveis diferentes de desenvolvimento e com conhecimentos mais amplos são produtivos, pois facilitam a tomada de consciência diante de respostas diferentes.
É incontestável a importância da dinâmica sócio-interativa não só para o desenvolvimento do educando, mas, essencialmente, para o crescimento pessoal e profissional do professor. O sistema de troca com outros professores, família e demais profissionais envolvidos no processo educacional torna o pensamento mais flexível e há co-elaboração na busca de novas estratégias para a melhoria do ensino especial. Para que se possa compreender a contribuição do construtivismo, analisaremos mais à frente alguns pontos importantes da teoria de Piaget, que nos levam a uma melhor compreensão de como a criança constrói seu conhecimento.
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V - A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
A Construção da Inteligência Sensório-motora.
Segundo Piaget, grande parte do desenvolvimento humano ocorre nos primeiros anos de vida através da coordenação das ações sensório-motoras assim classificadas:
  • Estágio I - Exercício dos reflexos: 0 a 1 mês
  • Estágio II - Reação circular primária: 1 a 4 meses. Primeiros hábitos adquiridos pela atividade sensório-motora, comportamentos repetitivos, causais, referentes ao próprio corpo da criança. Há alguns sinais de imitação pela assimilação e inicia a diferenciação da acomodação.
  • Estágio III - Relação circular secundária: 4 a 8 meses. Comportamentos repetitivos, causais, referentes ao mundo externo. Caracteriza-se pelo aperfeiçoamento do esquema de ação, pela coordenação visão/preensão. A ação já é intencional, mas sem finalidade. A criança imita o que pode ver e ouvir, O objeto só existe no seu campo visual, por isso só faz alcance se pode vê-lo.
  • Estágio IV - Coordenação dos esquemas secundários: 8 a 12 meses. Aparecimento das primeiras condutas inteligentes com distinção dos esquemas meio - fim. Há coordenação intencional dos esquemas e aplicação a novas situações. Começam aqui as noções de objeto, espaço, causalidade e tempo. Há predomínio da acomodação, pois a criança usa seu próprio corpo para modificar a ação e mostrar sua intencionalidade. Surgem os deslocamentos e a criança busca objetos ocultos por anteparos.
  • Estágio V - Reação circular terciária e a descoberta de novos meios por experimentação ativa: 12 a 18 meses. A criança varia intencionalmente seus movimentos para observar resultados, age por ensaio e erro, inventa esquemas novos para resolver situações-problemas através da ação; é o mecanismo da inteligência prática.
  • Estágio VI - Invenção de novos meios por combinação mental: 18 a 24 meses. É caracterizado pela invenção e previsão - a criança prevê antes de experimentar. Inicia a utilização de símbolos representativos da capacidade criadora.

O Conceito do Objeto Permanente e a Construção do Real
A construção dos esquemas sensório-motores permite à criança organizar o real construindo, pelo próprio funcionamento, as grandes categorias da ação que são os esquemas do objeto permanente, do espaço, do tempo e da causalidade. Essas subestruturas iniciais estão centradas no corpo e na ação, próprios de um egocentrismo que se dá na ausência da consciência do eu.
Por volta do período entre o quinto e o sétimo mês (estágio III), a criança sabe que o objeto continua a existir, apesar de ter desaparecido, mas não consegue resolver o problema de procurá-lo. No estágio IV, a criança começa a procurá-lo. No estágio V, o objeto é procurado em função dos seus deslocamentos no espaço, e no VI, entram as combinações de remover obstáculos.
No final da VI etapa, há uma espécie de revolução copernicana chamada de descentração geral, em que a criança acaba por situar-se como um objeto entre os outros, num universo formado por objetos permanentes estruturados no espaço- tempo. A construção da noção de objetos permanentes é solidária com toda a organização espaço-temporal-causal.

Função Simbólica (Semiótica)
Piaget diz que a criança adquire, por volta de um ano e meio, a função semiótica, ou seja, a capacidade de distinguir o significado do significante. Essa função simbólica é a capacidade de diferenciá-los de tal maneira que possa evocar e representar através de imagens. Após um ano e meio, a criança está em condições de representar suas ações, as situações que vive e os fatos de sua experiência, podendo fantasiar, imaginar, prever, antecipar e pensar. Do aparecimento da imagem mental e da função simbólica é que depende o surgimento da linguagem.
A linguagem surge inicialmente dublando as ações, mas já como possibilidade de distinguir o significado do significante, com sua principal característica de expressar as representações das imagens organizadas no tempo-espaço em sistemas lógicos de significações.
Piaget e lnhelder (1990) descrevem a evolução da função simbólica:
  1. Imitação sensório-motora - a criança começa imitando na presença do modelo (dar tchau, beijos).
  2. Imitação diferida - é aquela que inicia na ausência do modelo. O gesto imitativo é o princípio do significante diferenciado e a imitação diferida, o início da representação.
  3. Jogo simbólico (faz-de-conta) - a criança inventa o primeiro jogo simbólico fingindo que vai dormir usando seu ritual costumeiro; pouco depois faz dormir sua boneca para depois utilizar símbolos mais complexos, como fazer de conta que um pedaço de pau é um carro ou cavalo.
  4. O desenho ou imagem gráfica - nos seus primórdios é intermediário entre o jogo e a imagem mental; aparece depois dos 2 anos.
  5. Imagem mental/evocação - da imitação interiorizada, a linguagem nascente permite a evocação verbal de acontecimentos vividos (termina a função simbólica).
Os estudos de Piaget, Melayne e Nicolich apontam níveis seqüenciais de classificação do jogo simbólico (In Guinot - 1989):
  • Nível I - utilização de objetos reais por uso e função.
  • Nível II - auto-simulação - forma primária de simbolização.
  • Nível III - simular outros ou fatos ocorridos, na ausência do modelo; descentração do eu.
  • Nível IV - aplicar diferentes esquemas ao mesmo objeto. Admite vários participantes vivendo o mesmo esquema de ação.
  • Nível V - utilização do objeto como sujeito ativo, podendo substituí-lo. Há o planejamento e premeditação do ato simbólico com aplicação de funcionalidade distinta da convencional.
O professor que trabalha com crianças cegas na etapa pré-escolar, deve estar atento para o fato de que a construção do sistema sensório-perceptivo e de representação simbólica da criança cega se organiza por um caminho diferente daquele da criança vidente. Por isso suas produções simbólicas e figurativas são incomparáveis.
Estudos de Fraiberg apontam que grande parte das crianças cegas mostram dificuldade de representar a si mesmas e o mundo que as cerca. O jogo simbólico com reprodução de cenas domésticas ocorre geralmente depois dos 4 anos.
Acreditamos que é a falta de vivência sensório-motora significativa no tempo e espaço que retardam o sistema de representação simbólica e a aquisição de conceitos dessas crianças.
Investigações realizadas por Vicenta A. Guinot e Maria José Carrasco (ONCE - 1989) revelam que crianças cegas e de visão subnormal severa encontram dificuldade de realizar o jogo simbólico, por isso necessitam na etapa inicial programa de estimulação precoce que tenha os pais como co-participantes. A pesquisa mostra ainda que, em relação ao jogo coletivo e de regras, as crianças portadoras de cegueira e visão subnormal que estão integradas desde cedo mostram padrão similar das crianças videntes, entretanto, ficam em desvantagens em virtude de possuírem menos mobilidade e orientação no espaço que seus pares videntes.

Relações Espaço-temporal-causais
A criança constrói suas primeiras noções de espaço a partir da exploração e vivência do seu próprio corpo: espaço bucal, tátil, visual, auditivo, de postura. Progressivamente, pela ação no espaço prático (ações vividas: próximo, dentro, fora, em cima, embaixo), somada aos deslocamentos com o próprio corpo (engatinhar, andar, subir, entrar, sair, etc.) e à observação do deslocamento dos objetos no espaço, a criança construirá o espaço representativo.
Esses deslocamentos iniciais da criança Piaget chama de fase egocêntrica, pois a criança é incapaz de utilizar outro elemento que não o seu próprio corpo.
Para Piaget, qualquer tipo de conhecimento ou de interpretação do mundo implica em relações espaço- temporal-causais, pois essas se constituem na organização das experiências vividas pela criança.
"Construir relações espaço-temporais significa, para a criança, inserir-se a si mesma e aos objetos e acontecimentos no espaço; construir relações como: ao lado de, em frente de, embaixo de, em cima de, longe, perto, etc.; entender as seqüências temporais como ontem, hoje, amanhã, antes, depois." (Ramozzi Chiarottino, 1988).
Para a descoberta do vínculo causal, Piaget considera dois aspectos relevantes da ação da criança:
a. Experiência física: A ação exercida sobre os objetos (empurrar, puxar, levar, trazer) é fonte da causalidade do conhecimento do mundo físico e tem como causa única a própria ação da criança.
Através da experiência física, manipulando os objetos, a criança aprende as propriedades de peso, volume, densidade, etc. Essa causalidade inicial pode chamar-se mágico- fenomenista porque está centrada na ação da criança - sem consciência do eu, nem de limitação entre o eu e o mundo exterior.
b. Experiência lógico-matemática: A coordenação entre ações, utilização de meio-fim, ações articuladas como encaixe (de um esquema no outro), a correspondência termo-a termo, biunívoca (cada boneca corresponde a um bercinho) são fontes das futuras operações lógico-matemáticas.
À medida que a criança começa a organizar as noções de espaço pelas condutas de localização e procura do objeto no espaço, ela adquire a capacidade de deslocar-se mentalmente e perceber os objetos sob diferentes pontos de vista ângulos. Adquire, desta forma, as noções de direção, ângulo e distância, que serão responsáveis pela construção do espaço representativo.
A construção e representação do espaço dependem das relações topológicas, lógicas, projetivas e euclidianas.
Relações topológicas: São as representações mais elementares do ponto de vista do desenvolvimento mental. Referem-se às noções de ordem, inclusão, separação, vizinhança (dentro de, fora de, ao lado de, vizinho de, entre). Caracteriza a cópia de figuras simples - quadrado e círculo, não incluindo ângulo, perspectiva ou medida.
Relações projetivas: Dependem das coordenações dos diferentes pontos de vista: embaixo-em cima, direita-esquerda.
Relações euclidianas: Dependem das coordenações das figuras que supõem a compreensão das proporções de medida (distância, comprimento e área). Essas aquisições iniciam-se por volta dos 7 - 8 anos de idade.
A causalidade e as operações lógico-matemáticas têm sua origem comum na ação e, mais especificamente, na coordenação das ações. Essas são abstrações, operações simbólicas adquiridas pela internalização dos conhecimentos vividos.

Pensamento Pré-operatório
O pensamento pré-operatório ou intuitivo é assinalado pela formação dos esquemas representativos ou simbólicos que vai dos 2 aos 7 anos. Essa etapa é marcada por ações interiorizadas: são as ações mentais não flexíveis, pois dependem ainda das percepções imediatas. - Chama-se pensamento intuitivo porque a intuição perceptiva imita ainda o contorno da realidade. O pensamento ainda é egocêntrico, está centrado nos aspectos figurativos, sem considerar as transformações. Por exemplo, se colocar a mesma quantidade de palitos em duas fileiras, a que estiver mais espaçada, na hipótese da criança, mesmo que ela se certifique do mesmo número de palitos, será maior, isto porque, nessa idade, a criança não consegue ainda operar mentalmente, ou seja, perceber as transformações, não adquiriu ainda a noção de conservação e reversibilidade.

Pensamento Lógico-Operatório
Constatou-se que pela experiência física a criança constrói abstrações simples, isto é, extrair propriedades como cor, forma, textura. Já o conhecimento lógico-matemático permite à criança acrescentar propriedades aos objetos, ordenando-os, classificando-os, seriando-os, por meio de abstrações mais complexas que são chamadas de reflexivas. Quando a reflexão se dá ao nível das representações, através das imagens mentais, Piaget chama de pensamento reflexivo.
O pensamento operatório concreto inicia-se aos 7 anos de idade, quando a criança interioriza suas ações em novas estruturas de pensamento. A ação mental torna-se reversível, móvel, flexível, ou seja, a criança é capaz de perceber a ação se desenvolver em dois sentidos: como adição e subtração, operações inversas e transformações.
O raciocínio lógico é formado pelas estruturas de classificação, seriação, conservação e operações numéricas.
Classificação: É a operação na qual o sujeito dividirá os objetos em coleções, até integrá-los em uma classe... Classificar e juntar por semelhanças e separar por diferenças. A gênese da classificação está nas assimilações próprias do período sensório-motor. A partir dos três anos a criança começa a classificar por semelhanças e diferenças, justa- pondo em fileiras. São as coleções de figuras, por exemplo: fileiras de quadrados e de círculos. A segunda etapa é a das coleções não figurais, pequenos conjuntos sem forma espacial que podem diferenciar-se em subconjuntos. Na classificação, duas relações se destacam: a pertinência e a inclusão. Pertinência é a semelhança de cada elemento à classe que pertence. O elemento pertence a uma classe porque tem algo em comum, exemplo: goiaba e pêra pertencem à mesma classe - frutas, Inclusão é a relação estabelecida entre a parte e o todo, permitindo-nos perceber que a classe tem mais elementos que a subclasse. Exemplo: flores é classe, há em maior quantidade; primavera é subclasse. A conservação ocorre por volta dos 8 anos; é a classificação operatória.
Seriação: Consiste em ordenar os elementos segundo os critérios de grandeza crescente ou decrescente. Desde um ano e meio, a criança é capaz de seriar quando começa a construir torres com cubos diferentes. Quando as diferenças de tamanho são pequenas, a criança necessita comparar duas a duas, o que podemos observar quando ela vai ordenar os colegas em uma fila por ordem de tamanho. Inicialmente a criança faz seriações empíricas e tateando, ordena seus brinquedos; o método é semi-reversível. Aos 7 anos a seriação é operatória, derivam correspondências seriais, isto é, faz corresponder dentro da mesma classe serial objetos com tamanhos diferentes ou tonalidades diferentes. Colocar nome em ordem alfabética é um exemplo de seriação operatória.
Conservação: Uma conservação supõe que o nível superior alcançado se conserva, isto é, não se perde. Vimos que, a partir dos 7 anos, a criança é capaz de realizar operações de classificação e seriação, síntese do conceito numérico. Essa reversibilidade operatória se traduz particularmente em um fenômeno absolutamente claro que é o da conservação de quantidade, de líquido e de peso.
Entre 4 a 6 anos a criança não pode ainda conceber as transformações. Se colocarmos a mesma quantidade de água em dois copos, um alto e o outro largo, o mais alto terá mais água, pois a criança raciocina ainda em termos de configurações. Quando apresentamos a salsicha e a bola com a mesma quantidade de massa, ou o líquido em recipientes diferentes para a criança de 7-8 anos, ela poderá deduzir que não se acrescentou ou tirou nada; pode raciocinar por reversibilidade de inversão ou reciprocidade das relações, está o pensamento centrado nas transformações. A criança descobre a conservação de substância aos 7-8 anos, de peso por volta dos 9-10 anos e de volume aos 11-12 anos.

Noção de Número
A construção do conceito de número inteiro efetua-se em estreita relação com as classificações, seriações e inclusões de classes.
A criança não formou o conceito numérico pelo simples fato de haver aprendido a contagem verbal. A avaliação numérica permanece por muito tempo ligada à disposição espacial dos elementos, em analogia com as coleções figurais. A equivalência numérica está, então, sujeita à correspondência óptica. Não se pode falarem números operatórios sem a constituição da conservação dos conjuntos numéricos independentes dos arranjos espaciais e figurais. A aquisição do conceito de número se dá por uma construção progressiva de uma simbologia na constatação de experiências de juntar, tirar, comparar, completar, repartir, medir, associada às operações de adição / multiplicação / subtração / divisão. O conceito de número resulta da abstração das qualidades diferenciais de equivalência, síntese de seriação e inclusão de classe, agrupamentos e medidas que tem como ponto de partida a classificação e seriação de objetos concretos para se chegar às representações abstratas.
 
O brinquedo e o jogo como fatores do
desenvolvimento moral, da autonomia e das relações sociais
Devemos considerar que na construção da inteligência da criança o desenvolvimento afetivo e social obedece às mesmas leis; não podemos, portanto, dissociar da dimensão cognitiva, a social e afetiva. Muitos autores, entre eles Bühler e Wallon (1989), têm citado que a criança apresenta o máximo de interações e de interdependência social na primeira infância e que a partir dessas experiências é que vai constituir sua personalidade individualizada e ao mesmo tempo social.
No período sensório-motor, com a organização da percepção e ação é que a criança estabelece seu sistema de relações com o mundo. Através da construção da realidade externa e interna significativa, envolvendo o eu/outro - sujeito/objeto é que a criança parte para os movimentos de descontração.
Desse processo dialético de interação e relação a criança partirá em busca do que lhe dá prazer e poderá transformar o egocentrismo inicial em relações objetivas.
O brincar acontece quando a criança ao interagir com o meio, sente-se produtora da ação. Isto lhe dá muito prazer Em virtude da aquisição dos primeiros esquemas de ação para interagir. Surgem os esquemas lúdicos ou imitativos. A imitação nasce da repetição ativa daquilo que desperta o interesse e o prazer na criança.
A formação do símbolo alicerça-se na construção do real. Brincando, a criança representa suas vivências, evoca as experiências significativas, organiza e estrutura sua realidade externa e interna e toma consciência de si como ser atuante no mundo.
O brincar desenvolve-se de um simples exercício para a representação do vivido pelo jogo simbólico. A brincadeira simbólica começa com ações bem simples- fazer de conta cotidiano: comer, dormir, etc para brincadeiras mais elaboradas como fazer de conta que é médico professora, etc. -
Podemos observar que essas trocas sociais peculiares do nível pré-operatório englobam ações interindividuais e intra-individuais que serão fundamentais para as futuras relações cooperativas.
O jogo, como processo cognitivo e afetivo principia no período de 2 aos 7-8 anos, partindo da imitação lúdica,da assimilação do real, passando pela representação simbólica e evolui na direção dos jogos de construção e de regras que assinalam uma objetivação do símbolo e a a socialização do eu.
Os jogos com regras surgem a partir de 7-8 anos, quando a criança já é capaz de raciocinar sob diferentes pontos de vista, se constituem fontes inestimáveis de desenvolvimento da autonomia, do conceito moral, implícitos o limite e o espírito coletivo solidário.

 
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excerto de
Deficiência Visual - Reflexão sobre a Prática Pedagógica
Autora: Marilda Moraes Garcia Bruno
Colaboradores: Cecília Maria Oka, Elizete Pacheco, João Álvaro de Moraes Felippe, Mara Olympia C. Siaulys, Maria Christina M. Nassif, Tânia Regina Martins Resende, Tomázia Dirce Peres Lora, Vera Lúcia Leme Rhein Felippe
Publicação: Lara Mara
São Paulo: Laramara, 1997.

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