segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Interação Entre Crianças com Deficiência Visual em Grupos de Brincadeira

Casinhas de brincar concebidas e executadas por meninas cegas | Oklahoma School for the Blind | fotografia de Lewis Hine, 1917

Casinhas de brincar concebidas e executadas por meninas cegas | Oklahoma School for the Blind | fotografia de Lewis Hine, 1917
 
RESUMO: os estudos sobre o brincar e o desenvolvimento de crianças com deficiência visual tem destacado os obstáculos que podem surgir na interação com parceiros. No presente estudo, buscou-se analisar as formas de interação entre as crianças e de atuação do adulto, em situação de brincadeira faz de conta, identificando possíveis dificuldades e soluções para as mesmas. Foram observadas duas crianças de cinco anos, com deficiência visual (cegueira e baixa visão) e dificuldades escolares. As sessões foram filmadas e foram selecionados episódios de interação entre os participantes, com foco nas capacidades e dificuldades no contexto grupal. A análise foi baseada em categorias referentes à intervenção do adulto pesquisador e à interação entre crianças nas brincadeiras infantis. A análise dos dados indicou exemplos de habilidades e iniciativas das crianças na elaboração de cenas e enredos, bem como algumas dificuldades na interação entre elas. Destacou a atuação da pesquisadora na promoção da brincadeira, a partir de necessidades identificadas a cada momento da interação, como, por exemplo, a descrição de ações e objetos para a criança cega e a intervenção em caso de disputas. Considerou-se que grupos de brincadeira favorecem a interação entre crianças com deficiência visual e destacou-se o papel do adulto nesse contexto. Esses aspectos foram considerados relevantes para o planejamento pedagógico no contexto da educação inclusiva.

1 Introdução
Diversos estudos têm buscado discutir a importância do brinquedo e da brincadeira para o desenvolvimento de crianças que apresentam alguma deficiência. Bomtempo (2000) destaca que, para se conhecer bem uma criança, deve-se conhecer seus brinquedos e suas formas de brincar. Esta abordagem vem da compreensão sobre a relação entre brincar e o desenvolvimento infantil. Huizinga (2008) sugere que a espécie humana seja identificada como Homo Ludens, tamanha a importância e presença do jogo na vida humana. O historiador aborda contribuições do jogo em todas as fases da vida, sua estreita relação com a cultura, e dá ênfase ao seu caráter livre. Kishimoto (1994) destaca o brincar e o jogo vinculados ao sonho, à imaginação, ao pensamento e ao símbolo. A autora discute uma concepção de ser humano como ser simbólico, que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar está ligada à capacidade de sonhar, imaginar e jogar com a realidade. A autora vê o jogar como gênese da “metáfora” humana. “Ou, talvez, aquilo que nos torna realmente humanos” (KISHIMOTO, 1994, p. 21).
Ao abordar o brincar da criança, Vygotsky (1998) considera a brincadeira de faz de conta como atividade que satisfaz necessidades da criança, contribuiu para o desenvolvimento do pensamento e lhe permite vivenciar situações da vida adulta e interpretar a realidade que a cerca. Afirma que o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança, de forma que “no brinquedo a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se fosse maior que na realidade” (VYGOTSKY, 1998, p.134).
Situações de brincadeira, e, em especial, da brincadeira faz de conta na fase da Educação Infantil, são consideradas por muitos autores como promotoras do desenvolvimento da criança. Isso é especialmente verdadeiro quando a atividade assume um caráter relativamente livre (uma vez que crianças estão sempre sob supervisão), com possibilidade de iniciativas e elaboração de diferentes modalidades de brincadeira. Entretanto, essa atividade pode ser prejudicada em crianças com deficiência, dentre as quais se destacam, no presente trabalho, as crianças com deficiência visual. Diferentes estudos buscam compreender especificidades no desenvolvimento de crianças cegas e com baixa visão, destacando, de um lado, a potencialidade desses sujeitos e, de outro, as barreiras que encontram nas relações com o outro e no ambiente, que dificultam seu pleno desenvolvimento. Warren (1994) sugere que estudos sobre deficiência visual tenham como foco possíveis diferenças entre pessoas com essa deficiência, e a busca de análise de casos bem sucedidos, que podem apontar para potencialidades e para a identificação de circunstâncias que favorecem ou dificultam seu desenvolvimento.
Preisler (1997) relata um estudo longitudinal qualitativo realizado na Suécia com oito crianças com cegueira congênita, desde o nascimento até os seis anos, com um follow up aos 10 anos. Observou-se que, ao longo de todo o período pré-escolar, as crianças do estudo encontraram dificuldades na participação em atividades de brincadeira livre com crianças videntes e se limitaram a interagir com o adulto ou a brincarem sozinhas. Segundo a autora, isso aconteceu devido a pouca disponibilidade de brinquedos interessantes para as crianças cegas, já que na maioria deles predominavam pistas visuais, e ao fato de que, na brincadeira livre, era difícil para a criança cega acompanhar os movimentos das crianças videntes e perceber pistas não verbais da interação. Essas observações evidenciam a necessidade de melhor compreensão dessas relações, que levem a novas formas de proporcionar um ambiente mais inclusivo para estas crianças.
O estudo de Silveira, Loguercio e Sperb (2000), realizado em grupos de crianças com deficiência visual em momentos de brincadeira simbólica em contexto espontâneo e proposto, destaca que as crianças apresentaram condições para se engajar em brincadeiras simbólicas nos dois contextos e apresentaram mais situações de brincar simbólico no contexto proposto pelo adulto. Consideraram que é importante o estímulo às brincadeiras e, mesmo, ensinar as crianças com deficiência visual a brincar.
Em situações de brincadeira faz de conta, é importante pensar na maneira como a criança cega pode participar das mesmas. Hueara et al. (2006) observaram crianças com deficiência visual, algumas com outros problemas de desenvolvimento de origem orgânica, em pequenos grupos, em que foram encorajadas a brincadeiras de faz de conta. As autoras constataram várias capacidades nas crianças, relativas a reconhecimento de objetos, criação de cenas e criação de narrativas. Desse modo, sugerem que as situações de brincadeira de faz de conta proporcionam o reconhecimento de habilidades que normalmente não seriam notadas em atividades cotidianas e/ou totalmente dirigidas. Consideram, também, que a interação entre parceiros e a situação de brincadeira, mediada por adultos, proporcionaram um ambiente favorável às múltiplas elaborações das crianças.
Oliveira e Bomtempo (2009) em considerações sobre o processo lúdico e o desenvolvimento de crianças com deficiência visual, ressaltam a importância da “automotivação lúdica”, momentos criados espontaneamente no brincar, sem a tutela diretiva do adulto.
Explicam que o brincar livre favorece a reorganização dos sistemas sensoriais, na medida em que a criança se movimenta e experimenta novas situações. Nesse sentido, a motivação intrínseca do brincar favorece a espontaneidade do movimento e o desenvolvimento de novas habilidades.
Em vários dos estudos revisados, o olhar para a deficiência visual muda, deixando o aspecto de defeito ou perda. Passa-se a valorizar o entendimento sobre as formas de organização do conhecimento e experiências desse indivíduo. Desse modo, o foco muda: do indivíduo e seu problema, para o indivíduo e sua relação com o ambiente, que pode propiciar o desenvolvimento de seu potencial.
Nessa direção, Vygotsky (1997) afirma que a pessoa cega recebe informações por meio dos sentidos remanescentes, e as organiza por meio da linguagem. Para o autor: “A cegueira, ao criar uma configuração da personalidade nova e peculiar, dá origem a novas forças, modifica as direções normais das funções, reestrutura e forma a psique do homem de modo criativo e orgânico”. (VYGOTSKY, 1997, p. 99 (3)). Segundo sua concepção, a cegueira não deve ser considerada somente um problema, mas também uma fonte de manifestação das capacidades. Considerando a cegueira sob este ponto de vista, é importante entender os processos de reorganização do indivíduo que apresenta esta deficiência e como o ambiente em que está inserido pode interferir nesse processo.
Ao abordar a relação da pessoa com deficiência visual com sua forma particular de aprender, Masini (2007) considera que as questões que dizem respeito às percepções dos sujeitos com deficiência sensorial têm sido retomadas, com foco na complexidade dos processos de construção da autopercepção e da construção do mundo ao seu redor. Assim, oferecer condições para o desenvolvimento e educação de uma pessoa com deficiência sensorial requer que se entre em contato com seu viver, em diferentes momentos e situações.
A partir dos estudos revisados, pode-se afirmar que as possibilidades de desenvolvimento da pessoa com deficiência visual dependem do entendimento sobre como ela aprende e de como é concebida em relação a seu valor social. Seu desenvolvimento depende, em grande parte, das experiências sociais com parceiros, mediadas por adultos. Ao longo dessas interações, quanto mais a criança puder construir uma imagem positiva de si mesmo, com foco em suas capacidades, mais terá possibilidades de desenvolvimento e engajamento social. Nesse sentido, é importante analisar as formas como a criança com deficiência visual se relaciona com parceiros e que mecanismos facilitam seu engajamento nos grupos e sua participação ativa.
Em relação ao papel do adulto nesse processo, Nunes e Lomônaco (2010) também retomam a ideia de que as relações com a pessoa cega não devem estar centradas nos limites e déficits. Afirmam ser importante que o adulto procure entender as limitações da ausência de visão e analise as condições de vida na família, escola e em outros grupos de referência, para buscar facilitar o desenvolvimento desse indivíduo. Para os autores, quando o adulto compreende as formas como a criança com deficiência visual aprende, pode orientá-la de forma mais específica e de acordo com as necessidades dessa criança.
Quando se compreende a importância das relações e das experiências em situações de convívio social, é possível favorecer esses momentos e permitir que a criança tenha mais contato com ambientes sociais diversificados. Nesse sentido é importante que as relações no grupo possibilitem situações que evidenciem as potencialidades dessas crianças. Batista e Laplane (2007), ao discutirem modalidades de atendimento em grupo para crianças com deficiência visual, abordam questões relacionadas ao “isolamento social”. Discutem as dificuldades que a criança com deficiência visual tem em experimentar lugares e papéis sociais valorizados, citando como exemplo o papel da liderança. Relatam experiências documentadas nos grupos de atendimento e, a partir da análise sistemática dos dados das sessões, apresentam exemplos de situações em que os participantes se revezam para auxiliar uns aos outros, e em que vivenciam papéis de liderança e sucesso.
A partir dessas considerações, observa-se que é nas relações com o meio social que a pessoa com deficiência visual vai construir uma imagem de possibilidades ou dificuldades em sua estruturação como ser social. As ações de inclusão, nesse sentido, devem ser baseadas em estudos que busquem compreender a forma como essa pessoa se constitui, como se relaciona e percebe o mundo em que vive. Dessa forma, pode-se otimizar a orientação dos grupos de que ela participa (família, escola, comunidade), visando facilitar seu desenvolvimento Essa preocupação foi adotada no presente estudo, que descreve e analisa as formas de brincar entre as crianças com deficiência visual, assim como a atuação do adulto neste contexto.

2 Método
O estudo foi realizado em um Centro de Apoio Educacional para crianças com dificuldade de aprendizagem de um município de porte médio do estado de São Paulo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM-UNICAMP (parecer nº 1126/2009) e os pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As crianças participantes foram referidas por nome fictício nos relatos.

2.1 Participantes
O estudo completo abrangeu dois grupos de crianças, com um total de sete participantes.
Para o presente relato, foram selecionadas duas crianças do Grupo 1, com diagnóstico de deficiência visual e queixas relativas a dificuldades de aprendizagem, descritas a seguir.
Guilherme, cinco anos e seis meses. De acordo com relatório médico, apresentava cegueira, devido à retinopatia da prematuridade por descolamento de retina e nascimento prematuro (sete meses). Tinha percepção de luz e de alguns vultos. Nas observações em atendimento no serviço, reconhecia as letras do primeiro nome em Braille e montava seu nome com letras móveis Braille. Manuseava tipos variados de brinquedos (jogos de encaixe, miniaturas de animais, carros, instrumentos musicais, bolas, massa de modelar, entre outros), principalmente os que emitiam algum som. Em alguns atendimentos realizava as atividades, criando personagens e fazendo de conta que era outra pessoa (amigos, professores, etc.). Estava matriculado no último ano da Educação Infantil. A professora relatou que sentia dificuldades em prover materiais adaptados para G, devido ao pouco conhecimento sobre recursos, e porque ele reclamava quando repetiam muito o mesmo material ou quando não recebia tarefas, como os colegas. No parque costumava brincar com a monitora, sozinho ou com uma amiga da sala.
Vivia com a mãe, o irmão gêmeo, avó materna, tia materna e primo. A mãe relatou que buscou orientações desde o nascimento, tais como, terapias de estimulação precoce e fisioterapia, em decorrência de uma dificuldade motora apresentada, na lateral esquerda do corpo de G.
Mostrou preocupação nos momentos em que o irmão não deixava G fazer algumas ações, afirmando que não podia por ser cego.
Carlos, cinco anos e 10 meses. Constava em relatório médico o diagnóstico de baixa visão e quadro de microcefalia (4). Nas descrições diagnósticas relatava-se palidez nas papilas e alterações no desenvolvimento global. Segundo observações em atendimento no serviço, dispersava-se com frequência numa conversa ou atividade escolar, fazendo perguntas fora do contexto. Mostrava-se agressivo em algumas situações, esquivando-se de contato físico e do envolvimento com o grupo, procurando brincadeiras individuais. Escrevia o primeiro nome em letras grandes e seus desenhos eram garatujas (sem formas definidas). Estava matriculado no último ano da Educação Infantil, período em que a escola solicitou um acompanhante escolar para auxiliá-lo nas atividades, por apresentar muita agitação, pouca concentração e dificuldades na realização das atividades escolares. Vivia com a mãe e dois irmãos mais velhos.
A mãe relatava que C era muito agitado, e não costumava seguir as orientações e ordens dela.
Segundo seu relato, “só para um pouco para assistir desenhos e jogar vídeo game”. Afirmou que ele costumava ficar com os irmãos, enquanto ela trabalhava (trabalho remunerado, realizado em casa) e que se desentendiam muito.

2.2 Procedimentos de coleta de dados
A pesquisadora apresentou a proposta de estudo para a coordenação do serviço, que permitiu que a pesquisa fosse realizada com as crianças atendidas no local. Foram organizados dois grupos de crianças, em uma das salas da instituição.
Foram realizadas oito sessões, por um período de três meses, ao longo de um semestre letivo, e todas foram filmadas e transcritas. A pesquisadora em atuação no grupo tinha como proposta dispor condições para brincadeiras entre as crianças (o que envolveu o planejamento do espaço e a escolha dos brinquedos), e acompanhar as atividades de forma a permitir iniciativas por parte do grupo. Os brinquedos foram escolhidos de acordo com algumas características: tamanho (maior que 15 cm), cores contrastantes, sonoridade, textura.

2.3 Procedimentos de análise de dados
A transcrição e análise das filmagens basearam-se na análise microgenética de caráter histórico-cultural, conforme descrito por Góes (2000). Foram selecionados episódios significativos, considerando-se como episódio uma sequência interativa ou trecho de registros em que se pode delimitar um grupo de crianças pela organização espacial ou participação em uma atividade (adaptação de CARVALHO; PEDROSA, 2002). Como os temas das brincadeiras elaboradas pelo grupo desta pesquisa tinham uma duração longa, a ponto de ter continuidade em dias subsequentes à sessão iniciada, foi necessário organizar recortes por temas das brincadeiras e dentro dos temas, selecionar episódios. As filmagens foram assistidas repetidas vezes e as cenas foram transcritas de forma a detalhar os acontecimentos do enredo elaborado.
Para isso foram transcritas também algumas ações não verbalizadas pelos participantes, de modo a preservar a compreensão do enredo organizado durante as sessões e propiciar melhor análise das interações.

3 Resultados
A partir da análise dos episódios e dos objetivos do estudo, foram organizados sistemas de categorias, centrados nos tipos de interação e no uso de objetos. São apresentados a seguir os Sistemas de Categorias de Interação Criança-criança e Adulto-criança, foco do presente relato.

Categorias de Interação criança-criança
1. Atividade individual: atuação da criança sem relação aparente com as ações dos parceiros.
2. Atividade dirigida ao parceiro - afinidade: comentário e/ou atuação da criança em direção ao parceiro ou ao grupo, sem configurar uma ação conjunta.
3. Atividade dirigida ao parceiro - Oposição: comentário e/ou atuação da criança que mostre oposição em relação às atividades desse(s) parceiro(s), sem configurar uma ação conjunta.
4. Atividade Conjunta: atuação das crianças com elaboração conjunta de brincadeira, que pode ser só verbal ou incluir execução.

Categorias - Interação Adulto-Criança
1. Comentário: pergunta, constatação, explicação, expansão relativas às ações da criança, sem uma avaliação do que está sendo feito.
2. Avaliação positiva: comentários relativos às ações da criança, envolvendo aprovação/elogio.
3. Desaprovação: comentários relativos às ações da criança, envolvendo advertência sobre riscos, informação e explicação sobre erros, ou desaprovação.
4. Sugestão para uso e localização do objeto: comentários relativos às ações da criança, com sugestão para busca, exploração/montagem de objetos, não confi gurando faz de conta.
5. Sugestão para faz de conta: comentários relativos às ações da criança, com sugestão para a realização de brincadeiras de faz de conta (sem foco na integração entre crianças).
6. Sugestão para Integração: comentários relativos às ações da criança, que indicam a intenção de integração das crianças presentes no grupo na mesma brincadeira e/ou diálogo.
Para o presente relato foram escolhidos três episódios da primeira sessão. Defi niuse como critério de escolha que os episódios contassem com a participação do maior número possível de crianças e que contivessem ações categorizadas como Atividade Conjunta.

Análise de Episódios
G1-sessão - o Lobo e o Porquinho
Crianças presentes: Guilherme (G), Carlos (C), Pesquisadora (P).
Brinquedos disponíveis: blocos de madeira, bonecos de pano, casa de plástico com encaixes no telhado, carros em miniatura.

Figura 1 - Sequência e duração dos temas das brincadeiras (Fonte: Ruiz, LC Batista, CG, 'O brincar em grupos de crianças com alterações visuais'.)

Descrição breve da sessão, relativa aos diferentes temas.
Exploração: As crianças estão sentadas sobre um tapete de EVA. C vai até os brinquedos primeiro. P descreve os brinquedos que estão disponíveis. C pega um boneco de pano e observa. G encontra os blocos de madeira e começa e empilhá-los. C pega o “Lego” e começa a encaixá-los.
O assalto: brincadeira individual: G empilha os blocos de madeira (“Pequeno Engenheiro”) dizendo ser um muro. G dialoga com P enquanto C brinca também com peças de encaixe em plástico (“Lego gigante”). G se mantém na atividade de construir e derrubar o muro, e diz que alguém quer assaltar o muro.
O lobo: C pega a “Casa das Chaves” e um boneco que diz ser o lobo. C começa a brincadeira, movimentando o boneco no papel de lobo fazendo uma voz grossa. Aproxima o lobo da casa e sopra a casa, dizendo que vai derrubá-la. G chama por C e pede que mande o lobo embora. Iniciam um diálogo sobre o lobo, organizando um enredo que lembra a história dos “Três Porquinhos”.
O lobo e o porquinho: C sugere que G chame o porquinho. G chama e C pega outro boneco para representar o porquinho. G segue dialogando com C sobre a forma como o porco vai espantar o lobo. C simula brigas entre o porco e o lobo.
O lobo, o porquinho e a polícia: G segue dramatizando, chamando a polícia para prender o lobo. C manipula um boneco de pano, no papel da polícia, brigando e tentando pegar o lobo e o porquinho.
O lobo, caçador e a polícia: C pega um boneco e diz que é o caçador que vai matar o lobo. No enredo de C, o boneco que representa a polícia prende o boneco que representa o caçador, que também é preso pela polícia por matar o lobo (na casa de plástico representando a prisão).
Episódio 1: O caçador e a polícia (incluído no tema - O lobo e o porquinho) Contexto: G e C estão sentados num tapete de borracha. G dialoga com C sobre uma maneira de se livrar do lobo. C manipula o boneco, fazendo som de “urros” do lobo e G mostra-se assustado com a brincadeira que elaboram.
C: Espera! Sabe quem você pode chamar? G: Quem? Silêncio por alguns segundos. O caçador! Grita entusiasmado.
C: Não, o caçador não tem...
G: Quem eu posso chamar? Hein? A polícia pode prender o lobo! C: Não....
Faz-se silêncio por alguns segundos.
G: Por...
P: Quem, Carlos? Quem que vai chamar? G: Chamar quem? C: Ninguém.
G: E agora o lobo vai derrubar a minha casa. O que que eu faço? Diz mexendo os dedos dos pés, mostrando tensão.
C: Você chama o porquinho que fica nessa casa. Aponta e põe a mão na casa de plástico.
G: Ah tá! Então eu vou construir outra. Se o lobo vier eu chamo logo o porquinho.
C: esconde dois bonecos de pano atrás do corpo.
C: Vai vim dois lobos. Olha para G e sorri, preparando a chegada dos lobos escondidos atrás de seu corpo.
[...] C diz que os lobos não aparecerão mais e abruptamente tira os bonecos de trás do corpo, fazendo som de urro. G continua empilhando os blocos de madeira.
C: URRRRRRR. Faz som do lobo bravo.
G: Se assusta e derruba os blocos que estava empilhando.
G: Eu já derrubei minha casa! Ele nem deu tempo de derrubar. E agora? O que que eu faço Carlos?
Análise do Episódio Interação criança-criança C e G seguem construindo uma brincadeira conjunta de acordo com a categoria Atividade Conjunta (1 a 19), em que G sustenta a brincadeira dialogando com C, e C faz maior uso dos brinquedos para representar os personagens da cena.
Interação adulto-criança P (8) faz uma intervenção no momento em que o enredo parece decrescer. Faz-se silêncio já que C não responde aos questionamentos de G, nem aceita suas sugestões para se livrar do lobo. P, que até então observava a brincadeira organizada por C e G, faz Comentário/ Pergunta (8) incentivando C a responder e dar continuidade à brincadeira.
Comentários sobre o episódio G faz algumas sugestões para afastar o lobo, dizendo que poderiam chamar a polícia ou o caçador. C não aceita as sugestões de G, e propõem alternativas. G segue as sugestões de C.
C movimenta o boneco, simulando uma luta. G fica parado e faz perguntas sobre o que está acontecendo. C não responde. Em momentos de movimentação como nesse caso, em que o parceiro não verbaliza o que está acontecendo, a criança cega perde algumas informações, o que pode ser um empecilho para a continuidade da brincadeira.
Nesse momento a pesquisadora interfere, fazendo perguntas para que C faça mais descrições sobre o que ocorreu na ação com as personagens. É importante que o adulto dê algumas orientações e faça algumas interferências para que a criança que faz uso da visão compreenda os meios que facilitam a compreensão da criança cega. Quando a pesquisadora interfere com perguntas que esclarecem o que está havendo, mostra também para G como ele pode formular essas perguntas. Em situações semelhantes em outros episódios, P estimula G a fazer perguntas, a pedir mais informações sobre o que está acontecendo, de forma a ter mais autonomia na brincadeira. Dessa forma auxilia a continuidade da brincadeira conjunta e a interação entre as crianças.
Episódio 2: Chamando a polícia (incluído no tema - O lobo e o porquinho e a polícia) Contexto: G segue tentando se livrar do lobo e chamar ajuda. Pede ajuda a P para dar sugestões de quem pode chamar para pegar o lobo. C olha o boneco próximo dos olhos.
G: E agora? O que que eu vou fazer? G: Tia vem dar uma ajuda, por favor? P: O que que eu faço? G: Chama a polícia.
P: Tem um telefone aqui...
G pega o telefone: A eu vou ligar para a polícia. Cadê a polícia? (faz movimento com os dedos, como se digitasse os números) Pan, pan, pan, pan, pan, pan. Alô, quem fala? Ah, é a polícia? Tudo bem. Ah... vem prender esse lobo? Tá bom.
G desliga o telefone e muda o tom de voz G: Já to indo! Pum. (faz movimento com a mão como se estivesse batendo em alguém) C olha para G e ri.
P: Tem um boneco aqui se você quiser que seja a polícia G pega o boneco de pano sugerido por P.
C bate na construção de G com seu boneco de pano.
G: Não. Pára... (muda o tom de voz) Já prendi o lobo.
[...] G segue dialogando e dizendo que vai ligar para a polícia novamente, enquanto C movimenta os bonecos, fazendo som de urro.
Análise de Episódio Interação criança-criança C e G seguem em Atividade Conjunta (1 a 14). C movimenta os bonecos e bate na construção de G. G usa um telefone em miniatura para ligar para a polícia.
Interação adulto-criança P faz um Comentário/Pergunta (3), procurando a resposta de G sobre a maneira como poderia ajudá-lo. P segue fazendo Sugestão para uso de objeto (5, 9) para que G use os brinquedos que estão disponíveis para apoiar o diálogo com C.
Comentários sobre o episódio G inicia o episódio pedindo ajuda à P que procura estimular G a buscar soluções para a dificuldade que encontra na cena criada. Estimula sua participação e faz perguntas de modo a estimular G a pensar, evitando dar as repostas prontas. Oferece um objeto para facilitar a participação de G no enredo e a interação com C na brincadeira. C não atende à ideia de G de prender o lobo, já que o boneco que representa o lobo continua em sua mão. G faz sons e diz que prendeu o lobo apenas de forma verbal, o que dificulta a compreensão de C sobre a prisão do lobo. P procura estimular G a utilizar mais os brinquedos, de forma que compreenda como a brincadeira se organiza e melhore sua interação com C.
Episódio 3: Chamando a polícia mais uma vez (incluído no tema - O lobo e o porquinho e a polícia) Contexto: G segue ligando para a polícia e C não atende seu pedido de prender o lobo.
G: Ah , tá bom, eu chamo a polícia, ela que prende.
P: Ah...que tal? G: Ah, tá. Eu vou chamar a polícia ela que prende. Aí ela vai prender o lobo e viveram felizes para sempre na sua casinha. (G bate palmas em sinal de comemoração). E o lobo nunca mais veio. (G faz um ritmo com a mão e canta, quando pára o ritmo pergunta). Cadê a polícia? C observa um boneco de pano e o coloca dentro da Casa das Chaves.
G: Cadê o telefone? G procura o telefone. Encontra próximo de sua perna. Pi, Pi, Pi, Pi...Polícia? Vem aqui prender esse lobo?Políciaaa?Vem aqui prender! Vem! (G muda o tom de voz, para uma voz mais grave)Tô indo, to indo! P: Cadê a polícia? G faz movimento batendo uma mão na outra. Prendi esse lobo.
P: Cadê o lobo? G: Cadê o lobo? C: Tá dentro da casa.
G: Cadê? P: Mostra a casa pro Gui, Carlos! G: Não, mostra a casa pra polícia, pra ela prender já.
P: Cadê a polícia? G: Tá aqui. Ela já chegou.
P pega a mão de G e diz: Então, a casa é aqui ó...
P leva a mão de G até a casa.
G: Mostra pra Polícia. Eu prendo, prendo. (G coloca a mão no boneco que C diz ser o lobo).
Prendi já.
C: Errei...
G: Prendi, prendi, Carlos!Prende esse lobo! Prende, prende! C: Fecha a porta da casinha. Prendi na cadeia! E coloca o boneco dentro da casa.
Análise do episódio Interação criança-criança C e G continuam em Atividade Conjunta (1 a 21). G procura uma maneira de prender o lobo e neste episódio G consegue prender o lobo, pedindo para que C faça isso, já que até este momento C não acata a maneira de G prender o lobo, sem retirar o boneco de sua mão.
Interação adulto-criança P faz uma Avaliação Positiva da fala de G (2). P faz Comentários (6, 8,14) incentivando G a usar os bonecos para representar os personagens. Depois faz uma Sugestão para uso e Localização do objeto (12,16) e mostra para G a casa que C está usando para representar a cadeia, levando sua mão para explorá-la (17).
Comentários sobre o Episódio G insiste pela prisão do lobo e busca formas para que isso aconteça. P faz perguntas para C de forma a buscar explicações sobre o que está acontecendo e manter a atenção de G na brincadeira. G mostra atenção após a resposta de C. C participa da brincadeira manipulando os brinquedos, enquanto G manuseia pouco o brinquedo e neste episódio encontra uma alternativa para que o lobo seja preso: pede que C coloque o lobo na prisão. C atende ao pedido de G e o problema da prisão do lobo é resolvido.

4 Discussão
A partir da análise dos episódios e do exame da transcrição da sessão completa, observou-se que os participantes, nessa sessão, criaram enredos elaborados e com crescente colaboração entre si. C busca os brinquedos primeiro e G precisa da descrição de P sobre quais brinquedos estão disponibilizados e sua localização para iniciar a brincadeira. A descrição do adulto nesse momento é importante para o engajamento de G no brincar. Inicialmente G manipulou pouco os brinquedos e fez perguntas procurando entender algumas ações que não foram verbalizadas por C. Alguns questionamentos de P também contribuíram para essa compreensão. Silveira, Loguercio e Sperb (2000) destacaram em estudos com crianças cegas que o brincar simbólico ocorreu de forma mais elaborada a partir da intervenção do adulto, que inicialmente fazia as propostas para a brincadeira de faz de conta. Observou-se que a pesquisadora, no presente estudo, fez perguntas e intervenções, porém a interação ocorreu de forma articulada entre os próprios participantes. Observou-se que G e C criaram um enredo conjunto com a colaboração ora de um, ora do outro, com pouca interferência do adulto nessa elaboração. A ideia inicial para a organização do enredo partiu das crianças. A intervenção de P foi centrada nas formas para que G compreendesse as ações não verbalizadas por C e no incentivo a maneiras de brincar que favorecesse o brincar conjunto.
Conforme descrito anteriormente, Preisler (1997) destacou algumas dificuldades na relação entre crianças cegas e videntes. No presente estudo, em alguns momentos das brincadeiras no grupo, C mostrou brinquedos para G, procurando a atenção visual de G ou realizou ações sem verbalizar o que estava acontecendo. G fez perguntas que inicialmente não foram respondidas por C. Nesse momento P reforçou as perguntas de G ou fez outras, buscando a continuidade da interação de G com o parceiro. É importante destacar que, com o decorrer das sessões, G utilizou mais o diálogo, intensificou as perguntas, se movimentou mais e buscou brinquedos para participar das brincadeiras.
Foi possível observar que G fez uso da linguagem como forma de buscar informações sobre o ambiente, sobre o enredo e para compreender as ações de C. Durante a composição do enredo, G fez perguntas para compreender as ações de C com os brinquedos (EP 1, EP 2), quando estas não eram verbalizadas. É um recurso que possivelmente tenha aprendido no relacionamento cotidiano para melhor compreender o que acontecia à sua volta. É importante destacar que, segundo a mãe, a família recebeu orientações relativas à deficiência visual, desde os primeiros meses de vida de G. De forma geral, as pessoas não descrevem suas ações, o que dificulta a compreensão do que está ocorrendo para as pessoas cegas. Essa descrição pode surgir como resposta ao pedido da pessoa cega, e pode gerar um hábito de descrição de ações, nos parceiros mais constantes. Vygotsky (1997) destaca que a pessoa cega recebe informações por meio dos sentidos remanescentes, e as organiza por meio da linguagem. Por isso, a iniciativa de G de perguntar se torna relevante para sua autonomia na busca de informações. Deve-se destacar, também, a importância do conhecimento das pessoas que convivem com a criança cega sobre a descrição de situações e ações. Nesse sentido, Nunes e Lomônaco (2010) discutem que o indivíduo cego vai precisar de um ambiente diferenciado e adaptado, que propicie a satisfação de suas necessidades. Nesses momentos, a forma de apresentar a informação constitui-se em um recurso importante e diferenciado para melhorar o entendimento de G sobre as ações de C.
No desenvolvimento das sessões, foi possível ainda perceber momentos em que G liderou a brincadeira, utilizando a linguagem como meio para participar. Batista e Laplane (2007) abordam questões relacionadas ao isolamento social e o quanto a criança com deficiência visual tem dificuldades em experimentar papéis valorizados socialmente, como o da liderança.
Notou-se o entusiasmo de G em várias situações em que suas solicitações foram atendidas, na exposição de novas ideias para o enredo e na representação de papéis relativos à cena elaborada.
Na participação de C, observou-se a elaboração de enredos e a busca pela integração com G de forma crescente. Inicialmente, C atuava de forma menos colaborativa, desmontando as construções de G, aceitando poucas ideias de G e P. A análise dos registros das sessões subsequentes mostrou que passou a aceitar com mais frequência as sugestões de G, a responder às intervenções e às sugestões de interação de P e a participar na construção conjunta dos enredos. Inclusive, foram registrados exemplos de sessões em que buscou brinquedos, com a intenção de continuar o enredo de sessões anteriores. Observou-se, também, crescente coerência nos enredos elaborados. No episódio (EP1) em que C assustou G com a chegada abrupta dos lobos, elaborou uma situação para ludibriar o parceiro. Mesmo não sendo uma elaboração que favoreça a continuidade da brincadeira, destaca-se a habilidade de C para tal elaboração e a possibilidade de direcionar esta habilidade para situações mais colaborativas. De forma geral, foram observadas mudanças nas formas de brincadeira de G e C, o que é relevante, conforme destacado, entre outros autores, por Vygotsky (1998), quando destaca o brinquedo como uma atividade condutora do desenvolvimento da criança.
É relevante, também, discutir o papel da pesquisadora nessas interações. P, durante a sessão, descreveu os brinquedos e sua localização para que G iniciasse a brincadeira, orientou C quanto a alguns comportamentos facilitadores na interação, esteve atenta às formas de organização da brincadeira em grupo (categoria Comentários), e, de forma geral, procurou encorajar a interação entre os participantes. Nesses momentos, orientou as crianças, buscando formas de compreensão de aspectos menos identificáveis da elaboração do enredo ou da interação. A intervenção de P, observada nos momentos de dificuldade de entendimento das ações de G sobre o enredo ou as ações de C, pautou-se, centralmente, por induzir C a descrever suas ações, ao invés de fazer essas descrições. Outra ação importante de P foi a escolha dos brinquedos com atenção às características que poderiam facilitar a manipulação e o interesse dos participantes, considerando as especificidades em decorrência da deficiência visual. Embora não tenha havido adaptação de brinquedos e tenha-se utilizado brinquedos encontrados no comércio comum, houve o cuidado com as cores contrastantes, o tamanho das miniaturas, a presença de brinquedos sonoros e a disponibilização de materiais que permitissem a elaboração do brincar simbólico. A descrição inicial dos brinquedos disponibilizados na sala auxiliou G a escolher e a se dirigir ao que lhe despertou interesse. No decorrer das sessões subseqüentes, foi possível observar em G, maior movimentação e manipulação dos brinquedos e, em C, mais exemplos de permissão para que G tocasse nos brinquedos que estava utilizando, possivelmente como decorrência da atuação de P.
Observou-se, ao longo das sessões, uma evolução no que diz respeito à interação entre os participantes, com maior alternância no papel de liderança, crescente colaboração entre os parceiros e maior duração dos enredos propostos a partir da contribuição entre eles.
A criança com deficiência visual mostrou condições de brincar como qualquer criança, uma vez oferecidas condições de interagir com parceiros. Aprenderá a brincar se tiver parceiros para brincar com ela, que compreendam que sua forma de interagir pode ser diferente. E ser diferente não quer dizer que seja inferior.

5 Conclusões
A partir dos dados observados, conclui-se que o grupo de brincadeiras pode ser considerado um ambiente que favorece a interação entre crianças com deficiência visual e que constitui uma situação dinâmica, na qual as formas de participação da criança podem mudar, de modo que obstáculos sejam superados.
O papel do adulto é central, na escolha e disposição de materiais, na descrição inicial dos brinquedos disponibilizados, no favorecimento da participação da criança com deficiência visual, no respeito às iniciativas das crianças e na intervenção em caso de disputas.
A participação da criança no grupo de brincadeira, de forma ativa, com a intermediação do adulto, contribui para sua formação global, com destaque para a autonomia e autoconfiança.
Os dados do estudo são relevantes para o planejamento de atividades no contexto da educação inclusiva, uma vez que salientam capacidades das crianças com deficiência visual e formas para superar dificuldades na interação, a partir da intervenção do adulto no planejamento da situação de brincadeira e no acompanhamento da mesma.

Referências
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  • BOMTEMPO, E. Brincar, Fantasiar, criar e aprender. In: OLIVEIRA, V. B. (Org.). O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p.127-149.
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  • Góes , M.C.R. A abordagem microgenética na matriz histórico-cultural: uma perspectiva para o estudo da constituição da subjetividade. Cadernos Cedes, Campinas, v.50, n.50, p.9-25, 2000.
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  • Oliveira , V.B; BOMTEMPO, E. O processo lúdico e a formação da identidade social e cultural. In: AMIRALIAN, M.L.T.M., (Org.). Deficiência Visual: perspectivas na contemporaneidade. São Paulo: Vetor, 2009. p.117-129
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1 Pedagoga, Mestre em Saúde, Reabilitação e Interdisciplinaridade. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Campinas, SP, Brasil. letsruiz@yahoo.com.br
2 Professora doutora em Psicologia, Departamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação, Centro de Estudos e Pesquisa em Reabilitação, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. cecigb@fcm.unicamp.br
3 Tradução do texto original em Espanhol
4 Microcefalia (2012): é uma doença neurológica caracterizada pelo tamanho muito pequeno da cabeça em relação à idade ou ao sexo do bebê ou da criança. A microcefalia pode ser congênita, adquirida ou desenvolver-se nos primeiros anos de vida. O desenvolvimento das funções motoras e da fala pode ser afetado. A hiperatividade e o retardo mental são comuns. Podem ocorrer convulsões, fraqueza dos membros, quadriplegia e paralisia.


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'Interação entre crianças com deficiência visual em grupos de brincadeira'
Relato de Pesquisa
autoras: Letícia Coelho Ruiz & Cecília Guarnieri Batista
Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 20, n. 2, p. 209-222
Abr.-Jun., 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382014000200005


sábado, 7 de dezembro de 2019

O que melhorou e piorou com a Educação Inclusiva
De que forma os docentes e as direções das escolas e agrupamentos avaliam o regime de Educação Inclusiva, aprovado no ano passado? A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) fez perguntas sobre o assunto, realizou um inquérito, recolheu opiniões e desabafos, tirou conclusões. E explica os motivos desta auscultação à comunidade educativa. “A FENPROF, por considerar que de bondosas intenções está o inferno cheio, quis saber qual a distância entre a teoria, neste caso, presente no discurso dos governantes e inscrita no quadro legal, e a prática. Como todas as distâncias, também esta se mede no terreno, ou seja, nas escolas. Foi, por isso, ao terreno, isto é, aos docentes e às direções das escolas que a FENPROF dirigiu o inquérito”. Os números indicam que 63% das direções das escolas consideram que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais melhorou com o novo modelo, enquanto 18,5% dizem que não. Do lado dos docentes, apenas 15,6% afirmam que a resposta melhorou e a maioria, 67,8%, considera que não melhorou, e metade diz mesmo que piorou. Ao todo, 18,5% das direções não respondem ou não têm opinião. Nos docentes, essa percentagem é de 16,6%, ligeiramente inferior.

Professores e diretores escolares destacam vários aspetos positivos. Um maior envolvimento dos docentes, um trabalho mais colaborativo entre os vários professores intervenientes, uma maior sensibilização da comunidade para os problemas da inclusão, uma maior interação entre os alunos, são alguns exemplos. Além disso, abrangem-se mais alunos, os que apresentam necessidades de caráter temporário e não apenas os que lidam com dificuldades permanentes.

O aumento da permanência dos alunos com necessidades educativas especiais nas turmas, durante a atividade letiva, é também salientado por docentes e diretores escolares. Outro ponto positivo é que, sustentam os inquiridos, “a resposta não assenta num modelo clínico, não tendo por base um diagnóstico dessa natureza, que também contribui para que deixe de existir a categorização ou catalogação dos alunos”.

Falta de recursos humanos, maior conflitualidade nas salas
Do lado do que não melhorou e até piorou, com a aplicação do regime de Educação Inclusiva, estão diversos reparos. Um deles é a escassez de tempo disponibilizado para a implementação do modelo. Diretores e professores referem que não houve oportunidade para debater, refletir, aprofundar e perceber plenamente os objetivos do novo regime. A carência de recursos humanos, materiais e físicos, e a estagnação orçamental para aplicação do modelo, são outros pontos negativos.

A redução do tempo de apoio direto aos alunos com necessidades educativas especiais por parte dos docentes de Educação Especial veio confirmar que deveria ter havido um aumento do número desses professores. Por outro lado, a permanência dos alunos com necessidades educativas especiais durante mais tempo na turma deveria implicar a redução do número de estudantes por turma, a eliminação de turmas com vários anos de escolaridade no 1.º Ciclo do Ensino Básico, e mais recursos para situações de maior complexidade nas escolas.

Há mais aspetos negativos referidos pela comunidade educativa. Dá-se conta de uma “maior conflitualidade na sala de aula, com aumento de situações de indisciplina, o que decorre da falta de recursos adequados e da dimensão das turmas”, bem como um “aumento significativo da burocracia que resulta, designadamente, da transição entre regimes”.

“A sobrecarga horária e de trabalho dos docentes dificulta, por falta de tempo, a articulação entre docentes titulares de turma, coadjuvantes e de Educação Especial, pelo que deveria existir um crédito horário para os docentes, com implicação na sua componente letiva”. Apesar de se exigir o envolvimento de todos os docentes, revela-se que “não houve estratégias de formação que os tivessem envolvido e preparado para todas as respostas que deverão dar”.

“Legislação economicista e desumana”
A organização sindical encontra explicações para estas opiniões divergentes. “A maioria das direções, que foram submetidas a ações promovidas pelo Ministério da Educação, parecem responder de acordo com o que lhes foi transmitido e o quadro legal contempla; já os docentes, porque vivem, diariamente, os problemas que resultam da aplicação deste regime sem que tivessem sido criadas as condições indispensáveis, têm opinião diferente”.

A FENPROF divulga alguns desabafos recolhidos no inquérito e adianta por que razão o faz. São desabafos que não pode ignorar “porque correspondem ao sentimento dos professores e educadores”. Uma professora e mãe de uma criança com necessidades educativas especiais afirma o seguinte: “Esta é uma legislação exclusiva, economicista e desumana parecendo que o que incomoda são os alunos”. Há mais comentários. “Este regime não tem sido benéfico nem para os alunos com necessidades educativas especiais nem para os outros”, “os alunos com necessidades educativas especiais sentem-se ainda mais excluídos”, “os alunos com necessidades educativas especiais ficam com as suas fragilidades mais expostas”, “arranjaram alguém para sobrecarregar e responsabilizar - o professor”.

Os resultados merecem atenção e análise e a FENPROF alerta para o que dizem professores e diretores. “As respostas dadas pelas direções das escolas/agrupamentos e pelos docentes são quase diametralmente opostas. São uma espécie de espelho que reflete o inverso, com cerca de 2/3 das direções a afirmar que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais (designação que foi abolida, mas estas necessidades mantêm-se) melhorou, enquanto um pouco mais de 2/3 dos docentes responderam que a resposta piorou”. A organização sindical lança algumas perguntas. “Será, no caso das direções, a falta de alguma informação ou mesmo sensibilidade para o que se passa na sala de aula? Ou será, apenas, vontade de agradar ao poder, ainda que afastando-se daquele que é o verdadeiro sentimento da escola, desde logo dos seus profissionais?”

A FENPROF refere, por outro lado, que os docentes e os diretores não contestam a necessidade da educação ter um caráter inclusivo. “Os professores têm estado sempre na primeira linha das mudanças em Educação, contudo, sabem distinguir entre mudanças que permitem melhorar as respostas da escola e aquelas que não vão nesse sentido, ainda que, no plano estritamente conceptual (e legal) pareçam adequadas e positivas. E essa poderá ser a questão que divide direções de escolas e docentes”, afirma, a propósito do inquérito.

Para a estrutura sindical, que representa a classe docente, o Ministério da Educação deve analisar os resultados do inquérito, escutar professores e não apenas as direções das escolas, avaliar o que aconteceu desde a aplicação do novo regime. Em seu entender, a tutela deve ter “a coragem política de corrigir os problemas que estão criados garantindo, assim, uma educação efetivamente inclusiva”. A Federação está disponível para reunir com a tutela para uma avaliação que, em seu entender, tem de ser feita e para apresentar propostas que poderão responder aos problemas identificados.

Quando o decreto-lei foi aprovado, em 2018, a FENPROF alertou, num parecer que elaborou, para o facto de não se encontrar prevista a redução do número de alunos por turma, para a falta de recursos humanos, não só docentes como não docentes, e para a previsível falta de apoio direto aos alunos com necessidades educativas especiais. Já em março deste ano, apresentou diversas propostas ao Ministério da Educação: a possibilidade das escolas, no âmbito da sua autonomia, poderem reduzir o número de alunos por turma e reforçar os recursos humanos adequando-os às necessidades dos alunos, e dos anos letivos 2018-19 e 2019-2020 serem considerados como de transição entre o anterior e o atual regime de Educação Inclusiva

Fonte: Educare

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Funções do professor de educação especial... ou inclusiva

O texto que se segue é da autoria de Maria de Fátima Almeida e foi retirado do artigo Como avaliar a prática do professor de educação especial: articular o DL 54/2018, de 6 de julho, com os art.º 16.º e 19.º do Decreto Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro, publicado no revista Gestão E Desenvolvimento (27), páginas 229 a 255. PDF



O Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, um dos normativos que mereceu o louvor da Associação Australiana All Means All por ser considerado um dos marcos no caminho da escola e da sociedade para a Inclusão, dá ao professor de Educação Especial um grande protagonismo, muito na linha do previsto no Despacho Conjunto n.º 198/99, de 3 de março, e agora reforçado:

(i) Enquanto dinamizador, articulador (com os restantes intervenientes em todo o processo, papel mencionado, a título de exemplo, no art.º 11º) e especialista.

(ii) É também no art.º 11.º que fica clara a importância deste professor na operacionalização do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), afirmando-se, no n.º 4, que “O docente de Educação Especial, no âmbito da sua especialidade, apoia, de modo colaborativo e numa lógica de corresponsabilização, os demais docentes do aluno na definição de estratégias de diferenciação pedagógica, no reforço das aprendizagens e na identificação de múltiplos meios de motivação, representação e expressão”.

(iii) A legislação prevê para este docente um papel central na implementação de todas as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão no geral (art.º 6.º). O art.º 8.º - medidas universais -, com a redação dada pela Lei n.º 116/2019, de 13 de setembro, prevê agora que “A aplicação das medidas universais é realizada pelo docente titular do grupo/turma e, sempre que necessário, em parceria com o docente de Educação Especial, enquanto dinamizador, articulador e especialista em diferenciação dos meios e materiais de aprendizagem e de avaliação.” Ou seja, fica agora claro que a participação do professor de Educação Especial também tem lugar no âmbito da implementação das medidas universais.

(iv) Deve ser um dos principais intervenientes da medida seletiva Apoio Psicopedagógico (alínea c), art.º 9.º, no âmbito da qual – como defendemos – deverá trabalhar áreas causais das diversas problemáticas que obstam à conquista de sucesso escolar.

(v) Na Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI), tem de estar obrigatoriamente um professor de Educação Especial (art.º 12.º); consideramos, contudo, que este número é muito reduzido para a importância que este professor assume no contexto deste desígnio de inclusão, pelo que, e aproveitando a abertura na Lei n.º 116/2019, de 13 de setembro, que prevê no n.º 4 do art.º 12.º que “Os elementos elencados no número anterior podem ser reforçados de acordo com as necessidades de cada escola”, faz sentido integrar mais professores de Educação Especial na EMAEI.

(vi) O art.º 13.º refere-se explicitamente à presença do professor de Educação Especial no Centro de Apoio à Aprendizagem, um recurso organizacional que a Lei n.º 116/2019, de 13 de setembro, vem esclarecer que não se trata de um espaço previsto para todos os alunos – informação que foi veiculada nas diversas formações sobre este normativo legal -, mas que será voltado para alunos a quem é dada prioridade na matrícula, como referido no ponto 4 desta Lei.

(vii) São ainda os professores especialistas nas escolas de referência no domínio da visão (art.º 14.º) e para a educação bilingue (art.º 15.º).

(viii) Para além disso, é referido neste Decreto-Lei que a participação dos centros de recursos de tecnologias de informação e comunicação nas avaliações deve ser articulada, entre outros intervenientes, com o docente de Educação Especial (art.º 17.º).

O Decreto-Lei n.º 54/2018, num ato de culpa ao qual é alheio, abriu uma dúvida incompreensível: como se subentende que o conceito de Educação Especial cessou agora, substituído pelo de Educação Inclusiva (como se este conceito fosse novo), a designação professor de «Educação Especial» foi substituída, talvez mais numa fase inicial, por professor de «Educação Inclusiva». Esta transferência advém da dificuldade em haver um distanciamento relativamente ao pressuposto anterior, o da Educação Especial versus Educação Regular. Cessando esta dicotomia com o Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, todos os professores são de Educação Inclusiva. Mantém-se, como sabemos, a designação do nome do grupo de recrutamento de cada professor (Professor de Português, etc.) e, consequentemente, a designação «professor de Educação Especial», até haver, se tal acontecer, necessidade de alterar este termo.

O Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, não especifica o papel do professor de Educação Especial muito para além do supramencionado, e o manual de apoio à prática também deixa ao critério de cada escola esta operacionalização.

Fica, apesar disso, clara a importância que é atribuída a este docente. Ficam, por outro lado, omissas respostas a questões de cariz mais prático, como, entre muitas outras, as seguintes:

(i) Apesar de, para a aplicação de medidas seletivas (art.º 9.º) e adicionais (art.º 10.º), ser referido que o Diretor da Escola/Agrupamento de Escolas pode solicitar recursos adicionais, se os que existem não forem suficientes – entre eles, subentende-se professores de Educação Especial -, quais são os critérios que justificam esse pedido (número de alunos que estão em acompanhamento por parte deste docente?);

(ii) Quando se advoga que a intervenção deste docente, e qualquer intervenção em geral, deve ter lugar preferencialmente dentro da sala de aula, está a incluir-se a intervenção especializada que compete a este professor? É que – e talvez, mais uma vez, numa culpa à qual a lei poderá ser alheia – as interpretações que têm sido veiculadas vão no sentido de toda e qualquer intervenção ter lugar em sala de aula. É esperado que o professor de Educação Especial ministre conteúdos curriculares? A resposta deverá ser «claro que não» e, nesse caso, questiona-se: em que momento da aula o professor de Educação Especial irá trabalhar as áreas causais em défice do aluno?

(iii) O tempo para colaboração com os docentes do aluno é considerado na componente letiva ou não letiva?

(iv) Para quando a indicação de um número aproximado recomendado de alunos por docente de Educação Especial em apoio direto? É que há escolas em que os professores de Educação Especial acompanham 5 alunos ou menos e há outras em que existe um rácio de 20 e até 30 alunos por professor de Educação Especial. Ou o professor de Educação Especial ficará afeto a turmas, como já está a ser prática em algumas escolas, olvidando-se ou reduzindo-se o seu papel na intervenção de áreas específicas (causais)?

O professor de Educação Especial é um recurso humano escasso nas escolas. Se este recurso for canalizado para a sala de aula, num papel que, frequentemente, não se distancia do que um assistente operacional/tarefeiro faria (ver se o aluno passa o que está no quadro, se comporta, compreende o que está a ser dado), não haverá ninguém na escola, para além de, em alguns casos, o Psicólogo Escolar – um recurso ainda mais escasso - que trabalhe as áreas causais em défice que justificam as dificuldades que os alunos estão a revelar (se essas áreas causais não estiverem diretamente relacionadas com conteúdos curriculares) – e tal engrossará os gabinetes privados de apoio especializado, no caso dos alunos cujas famílias tenham sustentação económica para tal. Mas saber isto implica não proferir afirmações como as que também se têm ouvido, segundo as quais o diagnóstico não é importante com a nova legislação. Mais do que afirmar-se que não é importante, apela-se a que se ignore o diagnóstico. Atenção: afirmar-se que, com esta legislação, não é necessário haver um diagnóstico para se iniciar uma intervenção é verdade (ou seja, não é necessário esperar pelo diagnóstico para que um aluno possa usufruir de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão). Contudo, afirmar-se que o diagnóstico não é necessário nem importante é ignorar-se referências como, entre muitas outras, Allal (2001). O diagnóstico – encontrar as causas – é fundamental. Por exemplo, nas dificuldades de leitura e escrita, as causas podem ser diversas (pode, entre muitas outras, tratar-se de uma dislexia e disortografia). E só sabendo as causas se pode perceber como intervir (nos diversos contextos). As causas poderão ser défices em pré-requisitos curriculares, mas também poderão ser défices em áreas como a atenção, a consciência fonológica, a memória (vários tipos de memória) e muitíssimas mais. Se se souber isto, percebe-se a importância de um trabalho centrado nas áreas causais, da competência, entre outros professores e técnicos especializados, do professor de Educação Especial, sendo que muito desse trabalho, o grosso desse trabalho, não poderá ter lugar em contexto de sala de aula.

A Internet vista pelas crianças com deficiência replica as desigualdades do mundo real


“Devia ser criada uma lei que obrigasse todos os websites ​a estarem adaptados às pessoas cegas. Quem não o fizesse, teria de pagar uma multa de 500 euros que seriam depois aplicados na educação”. A sugestão partiu de uma criança portuguesa com deficiência visual, uma das 97 que foram entrevistadas no âmbito de um estudo promovido pelo Conselho da Europa destinado a conhecer (e a melhorar) a navegabilidade na Internet por parte das crianças com deficiências visuais, motoras ou cognitivas.

Baseadas nas experiências reportadas pelas próprias crianças, as recomendações oficiais dos peritos não diferem muito das sugestões apresentadas pelos inquiridos. E apontam todas para a necessidade de ser produzida legislação e adotadas medidas capazes de garantir que, nas diferentes esferas, se faz uso das ferramentas tecnológicas suscetíveis de eliminar as barreiras visuais, cognitivas ou motoras. “Todos os serviços públicos e privados devem rever os seus serviços e produtos para assegurar que as crianças com deficiência não são discriminadas no seu direito de acesso ao ambiente digital”, insiste o documento divulgado esta segunda-feira por aquela organização internacional de defesa dos direitos humanos, na véspera do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.

Apesar de quase nunca divulgarem online a respetiva deficiência, o relatório conclui que as crianças portadoras de deficiência estão mais expostas aos riscos do mundo virtual, embora não tenham consciência disso. Daí que "os governos, a indústria digital, as escolas e os serviços de saúde" devam prestar-lhes “especial atenção”, alerta o estudo conduzido por uma equipa de investigadores do Reino Unido, mas cujos “tentáculos” se estenderam a crianças da Bélgica, da Alemanha, da Moldávia e da Turquia, além de Portugal.

​Dito isto, não surpreende que o relatório enfatize também a necessidade de as escolas passarem a garantir aos alunos e respetivos familiares – irmãos incluídos —, bem como aos professores e educadores, a necessária informação sobre as regras de navegabilidade. A ideia é que estas crianças adquiram o máximo de autonomia no mundo virtual, bem como consciência sobre as melhores formas de se manterem seguras.

Um dos primeiros passos será garantir que as escolas e instituições académicas são munidas das ferramentas tecnológicas necessárias para que as crianças com deficiência possam aceder à informação veiculada no mundo digital, em nome da igualdade de acesso. “As crianças com deficiência devem ser consultadas sobre a melhor forma de garantir o seu acesso total a todos os aspetos da vida da escola, inclusive no ambiente digital”, acrescenta o relatório. (...) um dos investigadores portugueses que participaram no estudo, António José Osório, do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, confirmou que as crianças ouvidas “sentem claramente que as tecnologias são indispensáveis para se sentirem mais integradas”.

No tocante a Portugal, um dos problemas é que nas escolas “a burocracia e a logística” nem sempre permitem rentabilizar o uso das ferramentas digitais. “A principal lacuna nem está na formação dos professores mas na falta de apoio que estes sentem nas escolas em termos de poderem trocar experiências, de irem tomando contacto com novas soluções e de disporem, no fundo, de reais condições para aplicarem as ferramentas que já estão disponíveis”, acrescentou.

Reconhecendo que as ferramentas virtuais podem ser um fortíssimo “equalizador” das diferenças, os peritos concluíram também que nos serviços de saúde as ferramentas digitais estão igualmente subaproveitadas, em prejuízo da garantia de acesso das crianças com deficiência aos serviços. “Os administradores hospitalares, os médicos, os cirurgiões e outros profissionais de saúde deviam consultar as crianças com deficiência para explorarem formas de usar a tecnologia digital para eliminar barreiras no acesso”, lê-se no documento, antes de lembrar que “os serviços de saúde online deviam estar disponíveis em formatos acessíveis às crianças com deficiência”, nomeadamente quando divulgam informações relacionadas com a saúde geral, sexual e reprodutiva.

Fonte: Público
O Banco Santander apresentou o Fieeld, um dispositivo original com o qual os deficientes visuais podem seguir futebol com as pontas dos dedos como nunca haviam feito antes. O Fieeld é o primeiro sistema táctil de retransmissão de eventos esportivos em diferido que permite seguir os movimentos da bola e a trajetória das jogadas usando as pontas dos dedos. É uma inovação tecnológica criada pelo grupo Havas e desenvolvida em conjunto com o Banco Santander.

O aparelho converte os dados recolhidos seguindo os jogadores e replica cada jogada. É uma tecnologia que leva a posição da bola às mãos. Agora, o projeto abriu um período para buscar um sócio tecnológico a fim de ampliar seu desenvolvimento e, posteriormente, uma possível comercialização.
Juan Manuel Cendoya, diretor geral de Comunicação, Marketing Corporativo e Estudos do Banco Santander, afirmou: “O Fieeld é um claro exemplo de como os avanços tecnológicos e o futebol podem exercer um impacto positivo na sociedade e melhorar a vida das pessoas. Por isso, desenvolvemos esse projeto. No Santander, apoiamos o esporte porque estamos comprometidos com o progresso da sociedade”.

O Fieeld conta com o apoio da Federação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA). O IBSA, que faz parte do Comitê Paralímpico Internacional, tem sócios em 120 países e lidera o desenvolvimento de esportes para pessoas com deficiência visual.

Para difundir o Fieeld, o Santander lançou hoje um vídeo cujo protagonista é Nicko, um menino brasileiro deficiente visual, torcedor do Palmeiras, para quem a mãe narra todos os jogos aos ouvidos. Essa história comovente recebeu da FIFA o prêmio para os melhores torcedores na sua última gala anual, em setembro deste ano. Agora, com o Fieeld, Nicko viverá uma experiência única: poder sentir com as pontas dos dedos os gols da Libertadores, competição mais importante da América Latina.

No sábado, 23 de novembro de 2019, o Flamengo e o time argentino River Plate disputarão a final no estádio Monumental de Lima (Peru). Por isso, o Santander organizou vários eventos no Brasil, Argentina e Peru esta semana para divulgá-lo. O evento do Brasil contará com a presença de Ronaldo Nazário, embaixador do Santander e dos protagonistas do vídeo: Silvia Grecco e Nicko. No da Argentina, estarão os jogadores da Seleção Argentina de Cegos, os “Murciélagos”.

Com esse projeto, o Santander deu mais um passo na aposta para mostrar como o futebol pode exercer um impacto na sociedade e melhorar a vida das pessoas, com uma maior e melhor inclusão. Faz parte da #FootballCan, uma estratégia do Santander que aposta no impacto positivo que o futebol exerce na sociedade.


O Banco Santander patrocina as melhores competições de clubes de futebol do mundo: a Copa Libertadores há 12 anos, a UEFA Champions League e LaLiga Santander na Espanha.

O que é o PISA?


O Programa da OCDE para Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) examina o que os alunos sabem em leitura, matemática e ciências e o que podem fazer com o que sabem. Ele fornece a avaliação internacional mais abrangente e rigorosa dos resultados da aprendizagem dos alunos até o momento. Os resultados do PISA indicam a qualidade e a equidade dos resultados de aprendizagem alcançados em todo o mundo e permite que educadores e formuladores de políticas aprendam com as políticas e práticas aplicadas em outros países.
O que os alunos sabem e podem fazer, fornece um exame detalhado do desempenho dos alunos em leitura, matemática e ciências e descreve como o desempenho mudou desde as avaliações anteriores do PISA.


Crianças carenciadas passam a ter consultas e óculos gratuitos

O projeto iniciou-se esta quarta-feira e destina-se a cerca de 2.400 crianças de todo o país.
A Fundação Vision For Life -- Essilor e a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) iniciaram esta quarta-feira, em Vila Nova de Gaia, um projeto que oferece consultas e óculos, em caso de necessidade, a crianças carenciadas de todo o país.

"Nesta primeira fase, serão abrangidas 2.400 crianças carenciadas, institucionalizadas ou sinalizadas pelos serviços sociais, com idades entre os 6 e os 18 anos", explicou à Lusa Margarida Barata, da Fundação Vision for Life.

Margarida Barata referiu que as consultas são feitas por oftalmologistas indicados pelo grupo de pediatras da SPO, dirigido por Rosário Varandas, oftalmologista pediátrica do Centro Hospitalar de Gaia.

O consultório médico móvel de Oftalmologia, que esta quarta-feira recebeu crianças da Aldeia SOS de Gulpilhares, em Vila Nova de Gaia, vai percorrer o país, estando já agendadas para quarta-feira consultas na AMI - Centro Porta Amiga de Gaia.

A iniciativa visa também sensibilizar as famílias e professores para a importância da visão para o sucesso escolar.

"O projeto nasce de um objetivo muito claro, que é trabalhar para eliminar a má visão no intervalo de uma geração", disse Margarida Barata, salientando que "estima-se que em termos mundiais existam cerca 2,5 mil milhões de pessoas que veem mal e que desconhecem a doença, muitas vezes porque não tem acesso a consultas da especialidade para ultrapassar os seus problemas".

De acordo com a responsável, este projeto da Fundação Vison for Life e da SPO "irá desenvolver-se em várias fases, estendendo-se por 10 anos".

"É ambicioso, mas temos a missão de melhorar a vida melhorando a visão e, assim, contribuir também para melhorar a aprendizagem das crianças", acrescentou.

Fonte

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

As Barras Adaptadas de Cuisenaire como Mediadoras do Processo de Ensino e Aprendizagem das Operações de Adição, Subtração e Multiplicação para Alunos Cegos do Ensino Fundamental I

Barras de Cuisenaire
Barras de Cuisenaire

Os Materiais Manipulativos Como Mediadores no Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemática
Os conceitos matemáticos podem ser difíceis para os alunos entenderem em virtude de sua natureza abstrata. Nesse sentido, é importante que os professores tenham como foco facilitar o entendimento desses conceitos ao invés de preparar os alunos para praticar e decorar os procedimentos de rotina (NCTM, 2000). A utilização de materiais manipulativos nas salas de aula de matemática apoia essa abordagem, pois possibilita que os alunos compreendam os conteúdos matemáticos, permitindo-os descobrirem e aplicarem os conceitos propostos em sala de aula (CLEMENTS e BATTISTA, 1990).
Os materiais manipulativos são objetos concretos que podem ser fisicamente manipulados pelos alunos para demonstrar ou modelar conceitos matemáticos abstratos. Esses materiais incluem, por exemplo, o Tangram, os Cubos, o Material Dourado e as Barras de Cuisenaire.
Quando devidamente empregados, esses materiais tornam a aprendizagem de conteúdos curriculares agradáveis para os alunos. Entre o final da década de 1960 e início da década de 1970, houve uma ampliação da presença de materiais manipulativos em salas de aula, principalmente da educação infantil, com a justificativa teórica elaborada por Zoltan Dienes (1916-2014) sobre como as estruturas matemáticas podem ser ensinadas com a utilização desses materiais.
A partir desse trabalho, no processo de ensino e aprendizagem de conteúdos matemáticos, foram utilizados os materiais manipulativos na prática pedagógica, possibilitando aos alunos a aquisição do senso numérico, aritmético, geométrico e algébrico (DICKSON, BROWN e GIBSON, 1984).
A utilização contínua dos materiais manipulativos tem um efeito positivo no desempenho dos alunos, pois permitem a utilização de objetos concretos para observar, modelar e internalizar os conceitos matemáticos (MILLER e O’NEIL, 2004). Esses materiais auxiliam os alunos a construírem os seus modelos matemáticos, além de serem vantajosos para motivar os alunos na aprendizagem de conteúdos matemáticos (SMITH, 2002).
De acordo com Piaget (1965), as crianças começam entender os símbolos e os conceitos abstratos após as experiências realizadas no nível concreto. Por isso, os materiais manipulativos são ferramentas eficientes para auxiliar os alunos na construção de conhecimentos abstratos.
Dessa maneira, a aprendizagem de alunos com deficiência, como por exemplo, os cegos, podem ser beneficiados pela utilização de materiais manipulativos (FERNANDES, 2011). Por se tratar de alunos cegos, o papel dos professores é muito importante para auxiliar esses alunos na compreensão de conceitos propostos no currículo escolar. Então, é importante ressaltar que a:
(...) falta de acuidade visual é uma deficiência do tipo sensorial, cuja principal característica é a carência ou comprometimento de um dos canais de aquisição da informação – o visual. A fim de minimizar os efeitos dessa carência, que podem comprometer o desenvolvimento cognitivo dos deficientes visuais, as situações de aprendizagem para esses indivíduos devem ser mediadas de forma distinta das situações apresentadas aos aprendizes com acuidade visual dentro dos padrões normais (HEALY e FERNANDES, 2009, p. 1).
De acordo com essa citação, essa abordagem pode ser eficaz para promover a interação dos alunos com deficiência visual com o conhecimento matemático. Com relação aos alunos com deficiências visuais, existe a necessidade de que os materiais manipulativos sejam adaptados às suas necessidades para possibilitar a “efetiva inclusão dos alunos cegos na escola” (PEIXOTO, PIMENTA e SILVA, 2011, p. 38).
Assim, a adaptação desses materiais possibilita que os alunos cegos possam perceber o relevo com o tato por meio da utilização de diferentes texturas e contrastes, como, por exemplo, o liso ou o áspero e o fino ou o espesso. Essa abordagem pedagógica possibilita que os alunos cegos reconheçam e discriminem as partes que compõem o todo de um determinado objeto, pois esses alunos podem desenvolver e exercitar as habilidades requeridas para a realização das tarefas (SÁ, 2011) propostas em sala de aula.
Nesse contexto, é importante que se proponha a utilização das barras adaptadas do material manipulativo de Cuisenaire para ensinar as operações de adição e subtração para alunos cegos, sendo necessária, então, a adaptação desse material com o objetivo de viabilizar esse aprendizado.

Teoria da Mediação
Vygotsky iniciou os seus estudos na área de educação especial em 1924 quando trabalhou no Instituto de Psicologia Experimental de Moscou, na Rússia. Seus trabalhos eram otimistas, pois destacavam que as deficiências, como, por exemplo, a cegueira e a surdez somente significavam a lacuna de um dos caminhos para o acesso ao ambiente, que poderia ser substituído por outro (HEALY e FERNANDES, 2011).
Os estudos do desenvolvimento das crianças com deficiências foram denominados de Defectologia, cujo conceito está relacionado com as investigações das dificuldades de aprendizagem de alunos da educação especial, que têm deficiências sensoriais (auditivas, fala ou visão), deficiências motoras, bem como deficiências no funcionamento cognitivo (SMAGORINSKY, 2012).
Assim, a educação defectológica foi desenvolvida destacando a importância que a educação tem ao atender as necessidades especiais dos alunos com deficiências por meio da elaboração de um sistema especial de signos culturais e símbolos que devem ser adaptados às suas características específicas (VYGOTSKY, 1993).
De acordo com essa perspectiva, há uma ênfase na mediação por meio da utilização desse sistema simbólico fundamental para mediar as ações entre os alunos com suas deficiências e os conteúdos (VYGOTSKY, 1993) curriculares, visando potencializar as habilidades desses alunos. Então, a noção de mediação, que é:
(...) central em Vygotsky, funda-se não só na fala oral, mas em situações interativas, nas quais instrumentos, gestos, signos e outros elementos que fazem parte do meio transformam processos interpessoais em intrapessoais (HEALY e FERNANDES, 2011, p. 230).
Dessa maneira, a formulação de conceitos matemáticos está relacionada com o processo de aprendizado que necessita do auxilio de um conjunto de fatores externos e signos, que mediam as imagens que são formadas pelos alunos durante o processo de apropriação do conhecimento. Esse conjunto de signos é considerado como um mediador interno que funciona como uma ferramenta auxiliar que é utilizada para transformar os objetos (REGO, 1995) que estão disponibilizados no ambiente.
Nesse contexto, a mediação ocorre por meio da interação entre os sujeitos e o mundo de maneira intermediada por ferramentas pedagógicas que estão relacionadas com a linguagem e com os materiais concretos e manipuláveis (MOYSÉS, 2012).
Assim, a relação dos seres humanos e, consequentemente, dos alunos com deficiências, com o mundo “não é direta, mas é uma relação mediada e complexa que se realiza por meio de dois tipos de mediadores: os instrumentos e os signos” (VYGOTSKY, 1987 apud MANRIQUE e FERREIRA, 2010, p. 15).
Inicialmente, os indivíduos produzem os signos, que podem ser considerados como representações de suas experiências cotidianas. Assim, à medida que essas representações são compartilhadas, ou seja, representadas por meio dos mesmos signos, as experiências semelhantes para diferentes indivíduos podem possibilitar a emergência de uma nova série de processos cognitivos, que ultrapassam a existência individual de cada indivíduo e estabelecem um novo plano desses processos psíquicos, que é o social (MOYSÉS, 2012).
No entanto, para que esse compartilhamento possa ocorrer, é necessário que se crie um sistema de signos que seja expresso por meio de sua materialização no mundo. Dessa maneira, a linguagem é entendida em sua ampla gama de manifestações, pois pode ser considerada como um sistema de signos por excelência. Por exemplo, a linguagem pode ser expressa por meio da língua falada, que é um sistema de símbolos que identificam regras de comportamento a serem realizados, como, por exemplo, as placas de trânsito ou os sinais que identificam as quantidades e as suas relações como os números e os sinais de operações matemáticas.(MOYSÉS, 2011)
Dessa maneira, o conceito de mediação é empregado quando são empregados elementos intermediários na relação de ensino e aprendizagem (VYGOTSKY, 1998). Nesse sentido, a relação dos alunos com o ambiente de aprendizagem não é direta, mas mediada pelo material de Cuisenaire adaptado, que funcionou como mediador no processo de ensino e aprendizagem das operações de adição, subtração e multiplicação.

Material Manipulativo de Cuisenaire
O material manipulativo de Cuisenaire ou as Barras  de Cuisenaire são versáteis e utilizados para ensinar conteúdos matemáticos diversificados, como, por exemplo, as quatro operações básicas, as frações, as áreas e os volumes de figuras geométricas, as raízes quadradas, as equações lineares e quadráticas e os sistemas de equações. Essas barras foram denominadas de Cuisenaire por causa de seu inventor Georges Cuisenaire (1891-1976), que foi um professor belga, que inventou essas réguas coloridas de madeira para ensinar aritmética para os seus alunos.
 
Figura 1: Barras de Cuisenaire

Fonte: Arquivo pessoal da professora-pesquisadora

Entretanto, a popularização dessas barras para o ensino de matemática foi desenvolvida por Caleb Gattegno (1911-1988), um educador e matemático egípcio, que conduziu pesquisas e investigações em matemática, em educação matemática, em linguística e em psicologia, que foram conduzidas, principalmente, pelas preocupações sociais relacionadas com o continente africano.
Em suas propostas educacionais, Gattegno proporcionava a possibilidade de matematização de situações associadas aos problemas concretos encontrados no cotidiano e, por meio da dedução e da indução, os alunos poderiam associar os conceitos matemáticos a essas situações.
(Nesse contexto, a matematização é o processo por meio do qual os indivíduos utilizam ferramentas matemáticas distintas para auxiliá-los na organização, análise, compreensão, entendimento, modelação e resolução de problemas específicos enfrentados no cotidiano. Essas ferramentas possibilitam a descoberta de relações e regularidades, a esquematização, a formulação e a visualização de situações-problema de maneiras diferenciadas, traduzindo-as do mundo real para a conceituação matemática cotidiana (ROSA e OREY, 2006).) Em 1953, Gattegno conheceu o trabalho de Georges Cuisenaire. Impressionado com o potencial pedagógico e matemático desse material, Gattegno iniciou a utilização dessas barras para ensinar conteúdos matemáticos diversificados para os seus alunos (POWELL, 2004).
Nesse direcionamento, o potencial pedagógico das Barras de Cuisenaire também pode ser utilizado para o processo de ensino e aprendizagem de crianças cegas com a devida adaptação desse material manipulativo por meio da substituição das cores das barras por texturas. Iniciou-se, então, durante o meu estudo, um processo didático-pedagógico para a substituição das cores das barras por texturas, contudo, mantendo as características básicas das Barras de Cuisenaire por meio das quais existe uma associação entre as cores e os números.

Figura 2: Associação entre as cores o números nas Barras de Cuisenaire

Fonte: Arquivo pessoal da professora-pesquisadora

O conjunto de barras de Cuisenaire é um material de base 10, que é composto por barras com dez tamanhos diferentes, em formato de prismas quadrangulares e confeccionados em madeira e com cores padronizadas. Os comprimentos variam de 1 a 10 centímetros, sendo utilizadas para auxiliar no desenvolvimento da coordenação motora; da memória, da comparação, percepção de forma, tamanho e cores (COELHO, COSTA, TAVARES e ALVES 2010).

Material Manipulativo de Cuisenaire Adaptado
O ensino de matemática proporciona o desenvolvimento das habilidades do pensamento lógico e do raciocínio dedutivo, pois auxilia os alunos a aprenderem, procurarem e descobrirem as ideias por si mesmos por meio da descrição, da categorização, da direção, da quantidade, das formas e dos atributos lógicos.
Assim, a descrição de conceitos matemáticos que necessitam da visualização pode ser adquirida com facilidade pelos alunos videntes, porém, os alunos com deficiências visuais e os cegos requerem o desenvolvimento de um processo cognitivo mais amplo para a aquisição desses conceitos (DICK e KUBIAK, 1997).
O currículo matemático para os alunos cegos deve conter o mesmo conteúdo a ser trabalhado com os alunos videntes, não devendo omitir quaisquer conteúdos julgados mais difíceis ou abstratos, pois esta omissão pode causar discrepâncias na aprendizagem desses conteúdos por esses alunos (NAPIER, 1973).
Por exemplo, os resultados do estudo conduzido por Stevens (1996) mostram que o desempenho de alunos com deficiências visuais em matemática têm sido baixo por causa da dificuldade que possuem em aprenderem os conceitos matemáticos. Nesse sentido, as metodologias de ensino utilizadas para o entendimento dos conceitos matemáticos devem ser adaptadas às necessidades específicas desses alunos. Nesse contexto, a “aprendizagem de qualquer conceito matemático fica facilitada quando comparada com objetos concretos” (BRANDÃO, 2004 apud SILVA, 2010, p. 31) por meio da utilização de materiais manipulativos.

Figura 3: Aluno manipulando o Material de Cuisenaire Adaptado

Fonte: Arquivo pessoal da professora-pesquisadora

Com o intuito de modificar o quadro da situação do ensino de matemática para alunos cegos, é importante focalizar também no ensino das operações de adição e subtração com o auxílio das barras adaptadas do material manipulativo Barras de Cuisenaire. Então, para substituir as cores, sem, contudo perder o propósito do trabalho com as Barras de Cuisenaire, optou-se pela substituição de cores de mesma família, por barras de mesma textura, mesmo que representando tamanhos diferentes.
Dessa maneira, as barras de tamanhos 2, 4 e 8, que no material original de Cuisenaire seriam representadas por cores de mesma família, no material adaptado das barras de Cuisenaire foram substituídas por barras de mesma texturas e colocadas em potes de mesma cor.

Figura 4: Material de Cuisenaire e o Material de Cuisenaire Adaptado

Fonte: Arquivo pessoal da professora-pesquisadora

No material original, o número 1 é aquele que cabe em todos os outros, logo é utilizada a cor branca ou da madeira para representá-lo. O número 7 é representado pela cor preta, é primo e não corresponde com outro número de 1 até 10, a não ser o 1 e o próprio 7. Nessa adaptação, optou-se a textura lisa para representar esses números.
No material de Cuisenaire original esses números são representados pelas cores branca e preta, respectivamente. Contudo, a opção para representar essas barras com texturas iguais ocorreu com o objetivo de evitar confusão no caso de se introduzir uma nova textura para esses números.
Como os números 2, 4 e 8 representam as potências de 2: 2¹, 2² e 2³ foram utilizadas como textura duas ranhuras paralelas nas bases das barras. Dessa maneira, como os números 3, 6 e 9 são múltiplos de 3, foram utilizadas ranhuras perpendiculares às bases das barras. Para a representação dos números 5 e 10, que são múltiplos, foi utilizada uma textura de lixa na extremidade das barras.
Outro detalhe importante utilizado nessa adaptação foi o tamanho das barras, pois as barras originais são pequenas para que sejam manipulação por alunos cegos. Nesse sentido, as peças de tamanho 1 podem se perder sobre a mesa devido ao seu tamanho diminuto. Dessa maneira, a barra que representa o tamanho 1 foi adaptada com as medidas de 2cm x 2cm x 2cm e, na sequência, as demais barras tiveram suas alturas aumentadas em 2 cm em relação à altura da barra correspondente no material adaptado.
[...]
Esse livro traz várias atividades matemáticas desenvolvidas com o auxílio das Barras de Cuisenaire. Contudo, como essas atividades não são contextualizadas, o tratamento com as barras é realizado de uma maneira diferente do usual, pois a contextualização ocorre por meio da manipulação das próprias barras por meio da relação entre as suas características, como, por exemplo, tamanho, numeração e texturas. Dessa maneira, com o auxílio da professora de apoio, é possível contextualizar as atividades para abordar os conteúdos matemáticos propostos em sala de aula.

A Ludicidade como um Recurso Pedagógico para o Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemática
É importante ressaltar a importância do aprender brincando, pois os alunos demonstram na realização das atividades propostas em sala de aula, a satisfação em manipular as barras adaptadas. Nesse contexto, a aprendizagem deve ser concebida por meio do lúdico e da manipulação, do concreto para o abstrato, sendo, portanto, necessário enfatizar que o:
(...) brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos a um “eu” fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade (VYGOTSKY, 1998, p. 131).
De acordo com essa asserção, constata-se que existe uma influência que os brinquedos ou os materiais manipulativos têm no desenvolvimento dos alunos. Então, essa abordagem proporciona uma possibilidade pedagógica de trabalho para os professores em sala de aula por meio da mediação didática. Nesse, sentido, a:
(...) esfera cognitiva é particularmente ativada com a utilização de brinquedos, pois sua manipulação é inerentemente motivadora de ações em situações imaginárias, o que permite à criança aprender “a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação (VYGOTSKY, 1998, 127). Então, os alunos fazem o que mais gosta de fazer, porque os brinquedos ou os materiais manipulativos estão unidos ao prazer e, ao mesmo tempo, aprendem a seguir os caminhos mais difíceis, subordinando ao que querem, uma vez que a sujeição à regra e a renúncia à ação impulsiva constitui o caminho para o prazer nesses materiais (VYGOTSKY, 1984).
Nesse contexto, os materiais manipulativos destacam-se por apresentar um caráter de materiais educativos concretos que servem de suporte para o ensino de conteúdos matemáticos, sendo, portanto, muito interessantes na utilização cotidiana da sala de aula.
Então, os alunos podem desenvolver a ludicidade quando utilizam as barras adaptadas do material manipulativo de Cuisinaire para aprender os conceitos matemáticos de adição, subtração e multiplicação, bem como para brincar por meio da construção de muros, casas e escadas, ao mesmo tempo em que resolvem os problemas propostos em sala de aula.
Assim, devido à variedade da utilização das barras adaptadas do material manipulativo de Cuisenaire, essa apropriação lúdica relacionada com as atividades bi e tri dimensional desse material podem possibilitar uma conexão dos alunos com os problemas de adição e subtração, bem como com aqueles nos quais os conceitos de multiplicação que podem emergir durante a realização das atividades que foram propostas de uma maneira concreta (COELHO, COSTA, TAVARES e ALVES, 2010).
Nesse sentido, a percepção dos conceitos matemáticos (adição, subtração, multiplicação, crescente/decrescente, entre outros) podem adquirir sentido para os alunos, pois ao realizarem as atividades propostas de uma maneira livre, apropriando-se do material adaptado e observando a sua utilização para além da realização das atividades matemáticas, como, por exemplo, de maneira lúdica para tornar o ato de aprender prazeroso e divertido.
Similarmente, a apropriação lúdica do material manipulativo também auxilia no desenvolvimento da atividade perceptiva dos alunos, pois o:
(...) crescimento da criança vai evidenciar que, por meio do brinquedo, ela liberta seu pensamento para que não fique estritamente ligado aos estímulos perceptuais. Ela consegue imaginar uma situação, desligando-se do mundo material, concreto do qual tem contato, desenvolvendo assim capacidade de se desprender do real significado do objeto, (da madeira, por exemplo), podendo imaginá-lo como um boneco (ROLIM, GUERRA e TASSIGNI, 2008, p. 180).
De acordo com Vygotsky (1998), essa apropriação lúdica que está expressa na atividade de brincar com o material manipulativo pode possibilitar que os alunos participem de uma experimentação cognitiva por meio da qual essas barras adaptadas não sejam utilizadas de uma maneira meramente manipulativa, pois auxilia-os na articulação e na simbolização dos problemas matemáticos de adição, subtração, direcionando-os para o desenvolvimento do raciocínio multiplicativo. Dessa maneira, ressalta-se a importância da ludicidade no processo de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos pelos alunos.
FIM

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excerto de

As Barras Adaptadas de Cuisenaire como Mediadoras do Processo de Ensino e Aprendizagem das Operações de Adição, Subtração e Multiplicação para Alunos Cegos do Ensino Fundamental I
autora: Marianna Drummond
Produto Educacional
Mestrado Profissional em Educação Matemática
ICEB - UFOP
2016
fonte do texto integral pdf: https://www.ppgedmat.ufop.br/