quinta-feira, 5 de dezembro de 2019
A Internet vista pelas crianças com deficiência replica as desigualdades do mundo real
“Devia ser criada uma lei que obrigasse todos os websites a estarem adaptados às pessoas cegas. Quem não o fizesse, teria de pagar uma multa de 500 euros que seriam depois aplicados na educação”. A sugestão partiu de uma criança portuguesa com deficiência visual, uma das 97 que foram entrevistadas no âmbito de um estudo promovido pelo Conselho da Europa destinado a conhecer (e a melhorar) a navegabilidade na Internet por parte das crianças com deficiências visuais, motoras ou cognitivas.
Baseadas nas experiências reportadas pelas próprias crianças, as recomendações oficiais dos peritos não diferem muito das sugestões apresentadas pelos inquiridos. E apontam todas para a necessidade de ser produzida legislação e adotadas medidas capazes de garantir que, nas diferentes esferas, se faz uso das ferramentas tecnológicas suscetíveis de eliminar as barreiras visuais, cognitivas ou motoras. “Todos os serviços públicos e privados devem rever os seus serviços e produtos para assegurar que as crianças com deficiência não são discriminadas no seu direito de acesso ao ambiente digital”, insiste o documento divulgado esta segunda-feira por aquela organização internacional de defesa dos direitos humanos, na véspera do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
Apesar de quase nunca divulgarem online a respetiva deficiência, o relatório conclui que as crianças portadoras de deficiência estão mais expostas aos riscos do mundo virtual, embora não tenham consciência disso. Daí que "os governos, a indústria digital, as escolas e os serviços de saúde" devam prestar-lhes “especial atenção”, alerta o estudo conduzido por uma equipa de investigadores do Reino Unido, mas cujos “tentáculos” se estenderam a crianças da Bélgica, da Alemanha, da Moldávia e da Turquia, além de Portugal.
Dito isto, não surpreende que o relatório enfatize também a necessidade de as escolas passarem a garantir aos alunos e respetivos familiares – irmãos incluídos —, bem como aos professores e educadores, a necessária informação sobre as regras de navegabilidade. A ideia é que estas crianças adquiram o máximo de autonomia no mundo virtual, bem como consciência sobre as melhores formas de se manterem seguras.
Um dos primeiros passos será garantir que as escolas e instituições académicas são munidas das ferramentas tecnológicas necessárias para que as crianças com deficiência possam aceder à informação veiculada no mundo digital, em nome da igualdade de acesso. “As crianças com deficiência devem ser consultadas sobre a melhor forma de garantir o seu acesso total a todos os aspetos da vida da escola, inclusive no ambiente digital”, acrescenta o relatório. (...) um dos investigadores portugueses que participaram no estudo, António José Osório, do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, confirmou que as crianças ouvidas “sentem claramente que as tecnologias são indispensáveis para se sentirem mais integradas”.
No tocante a Portugal, um dos problemas é que nas escolas “a burocracia e a logística” nem sempre permitem rentabilizar o uso das ferramentas digitais. “A principal lacuna nem está na formação dos professores mas na falta de apoio que estes sentem nas escolas em termos de poderem trocar experiências, de irem tomando contacto com novas soluções e de disporem, no fundo, de reais condições para aplicarem as ferramentas que já estão disponíveis”, acrescentou.
Reconhecendo que as ferramentas virtuais podem ser um fortíssimo “equalizador” das diferenças, os peritos concluíram também que nos serviços de saúde as ferramentas digitais estão igualmente subaproveitadas, em prejuízo da garantia de acesso das crianças com deficiência aos serviços. “Os administradores hospitalares, os médicos, os cirurgiões e outros profissionais de saúde deviam consultar as crianças com deficiência para explorarem formas de usar a tecnologia digital para eliminar barreiras no acesso”, lê-se no documento, antes de lembrar que “os serviços de saúde online deviam estar disponíveis em formatos acessíveis às crianças com deficiência”, nomeadamente quando divulgam informações relacionadas com a saúde geral, sexual e reprodutiva.
Fonte: Público
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