quinta-feira, 4 de junho de 2015

O ENSINO DA FÍSICA NO CONTEXTO DA DEFICIÊNCIA VISUAL: Elaboração e condução de atividades para alunos cegos e com baixa visão


Legenda: jogador de futebol e linhas de metal arqueadas mostrando a trajetória da bola

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: Conhecendo a pessoa com deficiência visual
1.1 – Desmistificando a deficiência visual: Primeiro passo para ações educativas de física
1.1.1 – Análises preliminares
1.1.2 – Hino Entoado aos olhos
1.1.3 – Visão psico-social da deficiência visual: Análise de mitos históricos e atuais da deficiência visual
1.1.4 – Cegos não sentem sua cegueira: o mito da escuridão
1.1.5 – Etimologia da palavra “ver”
1.1.6 – A compreensão filosófica do “ver”
1.1.7 – Conhecer sem ver: discussões acerca de uma nova abordagem
1.2 – Distinção semântica entre os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem 

 
 
CAPÍTULO 3: A elaboração das atividades e dos materiais de apoio
3.1 – A estrutura do curso: conceito de aceleração
3.2 – Modelo pedagógico para a elaboração e condução das atividades, bem como, para a avaliação dos alunos
3.2.1 – Componentes práticos e elementos de estrutura
3.2.2 – Avaliação, análise crítica e posicionamento
3.3 – Etapas constitutivas das atividades
3.4 – A produção de um CD: Material de apoio auditivo
3.5 – Materiais e atividades de ensino de física para alunos com deficiência visual
3.5.1 – Atividade (1): Vivência do atrito: Parte a: Observação e contextualização do fenômeno
3.5.2 – Atividade (2): Vivência do atrito: parte b: O atrito e o conceito de desaceleração
3.5.3 – Atividade (3): O estudo qualitativo da aceleração por meio de um plano inclinado
3.5.4 – Atividade (4): Queda dos objetos
3.5.5 – Atividade (5): Problemas abertos: Posição de encontro

PROBLEMA CENTRAL DA PESQUISA
É compreensível que estudantes com deficiência visual apresentem dificuldades com a sistemática do ensino de Física atual, visto que o mesmo, quase sempre se fundamenta em referenciais funcionais visuais (Masine, 2002). Apesar dos outros sentidos serem de grande importância para a observação e compreensão do mundo físico, (Camargo, et. al. 2001), o sentido visão parece dominar toda e qualquer atividade que se realize no ambiente escolar. Anotações no caderno, textos transcritos na lousa, provas escritas, medições, entre outras, sentenciam o aluno com deficiência visual ao fracasso escolar e à não socialização (Mantoan, 2002).
Na perspectiva do ensino de Física para alunos com deficiência visual, algumas questões amplas poderiam ser apresentadas: Que tipo de atitude pode ser adotada a fim de se adaptar ou mesmo construir uma prática educativa de Física que contemple as necessidades educacionais dos alunos com deficiência visual? Que características devem possuir atividades de ensino de Física, para que alunos com deficiência visual motivem-se em estudar conteúdos relacionados a esse campo do conhecimento? Em quais referenciais de ordem sensorial e educacional as citadas atividades devem ser estruturadas e conduzidas para que alunos com a referida deficiência motivem-se a aprender física?
Evidentemente que as respostas a questionamentos como os colocados encontram-se principalmente no rompimento de hábitos estabelecidos dentro das práticas educativas tradicionais e que se constituíram em modelos de “como se deve dar aula” ou de “como se deve avaliar” (Camargo e Silva, 2003(a)). Nesse sentido, buscando contribuir com a construção de uma prática de ensino de Física que contemple as especificidades sensoriais e educacionais de alunos com deficiência visual, desenvolveu-se um conjunto de atividades de ensino do conceito “aceleração”, cuja estrutura fundamenta-se em observações táteis e auditivas do objeto de estudo, bem como, em interações sociais entre seus participantes.
Assim, o presente trabalho objetiva responder a seguinte questão central: Alunos com deficiência visual que participam das atividades desenvolvidas, aprendem os conteúdos trabalhados? Qual é a qualidade dessa aprendizagem?
Para responder a questão colocada, o conjunto de atividades foi aplicado à um grupo de 9 alunos com deficiência visual de uma escola especial, localizada na cidade de Bauru e denominada “Lar Escola Santa Luzia Para Cegos”.

CAPÍTULO 1
CONHECENDO A PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL
Neste capítulo, com o intuito de desmistificar a deficiência visual, e por conseqüência, conhecer melhor os indivíduos com a citada deficiência, apresentamos de início uma relação entre a deficiência e aspectos sociais e históricos. Tal desmistificação como será apresentada, representa o primeiro passo para ações educativas das quais destacamos as de Física.
Posteriormente, enfocamos a etimologia da palavra “ver”, sua relação com o “conhecer” e apresentamos uma discussão de uma nova abordagem, conhecer sem ver. Para finalizar, apresentamos uma distinção semântica entre os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem.

1.1 - DESMISTIFICANDO A DEFICIÊNCIA VISUAL: PRIMEIRO PASSO PARA AÇÕES EDUCATIVAS DE FÍSICA
1.1.1- ANÁLISES PRELIMINARES
O desconhecimento de características, atitudes, potencialidades, especificidades, inerentes a uma pessoa com deficiência visual, constitui-se em um dos principais fatores causadores de deficiência na perspectiva social. Atitudes intrusivas, despropositadas e desagradáveis por parte da população, que em sua maioria é constituída por pessoas videntes, revelam um desconhecimento quase total das características da deficiência visual e das suas conseqüências reais. Os mitos, verdadeiros paradigmas comportamentais e educacionais, ao constituírem-se como obstáculo a relacionamentos equilibrados e saudáveis entre videntes e pessoas com deficiência visual, produzem uma série de tabus que geram por sua vez, uma relação dialética entre distanciamento e desconhecimento, relação esta, que tende a ser estável, mas que pode ser desestabilizada em contextos sociais como o educativo.
Assim, dentro do contexto da deficiência visual, apresentar-se-á na seqüência, uma análise relacionada aos mitos do “conhecer” e do “ver”. Pretende-se obter a partir de tais reflexões, a desmistificação de pontos subjetivamente presentes em contextos pedagógicos, já que, a aproximação de pessoas com deficiência visual com indivíduos videntes por meio do conhecimento mútuo, deve representar uma meta a ser atingida pela educação.

1.1.2- HINO ENTOADO AOS OLHOS
É fato inegável a estreita relação estabelecida pelo senso comum entre o “ver” e o “conhecer”. Esta relação, embora não entendida objetivamente de uma forma sinônima, é numa sociedade formada por pessoas que em sua grande maioria possuem o sentido da visão, freqüentemente colocada como condição uma da outra. Nesse sentido, quase todas as estruturas que envolvem o estabelecimento de práticas sociais cotidianas, estão fortemente associadas ao perfeito desempenho do sentido visão. Na sociedade atual, tomar um ônibus, escolher o que comer em um restaurante, contar dinheiro, ter acesso a informações, freqüentar uma sala de aula etc., constituem-se em ações normais e simples aos videntes, e extremamente complexas, visão.
Com o intuito de compreender um pouco melhor o fenômeno acima descrito, analisar-se-á sobre os referenciais psico-social, etimológico, filosófico e histórico, as origens da relação entre o “ver” e o “conhecer”. Desta forma, o conhecimento de tal relação trará questionamentos que podem resultar na conscientização da importância de outras percepções para a educação, e para o satisfatório desempenho de uma pessoa com deficiência visual na vida como um todo.
Nesse contexto, a observação do hino que Descartes entoa aos olhos pode produzir reflexões que contribuam à compreensão do tema aqui abordado.
“O olho, pelo qual a beleza do universo é revelada à nossa contemplação, é de tal excelência que todo aquele que se resignasse à sua perda privar-se-ia de conhecer todas as obras da Natureza, cuja vista faz a alma ficar feliz na prisão do corpo, graças aos olhos que lhe representam a infinita variedade da criação”(Descarte apud Chauí, 1988).
É possível notar de acordo com as palavras de Descartes, que o sentido visão possui atributos exclusivos de observação, felicidade e conhecimento, de tal forma que aqueles que não o possuem se tornam incapazes de exercerem ou participarem dos atributos descritos. Opondo-se ao conceito observado, entende-se que o exercício desses atributos, não é privilégio exclusivo dos videntes, mas acaba de uma forma indireta, ou seja, pela via social, se tornando. Portanto, a compreensão do fenômeno “a deficiência visual” se dará de uma forma não superficial a partir do entendimento das relações sociais que realmente definem uma pessoa como tal, e que se constituíram no decorrer da história em verdadeiros mitos acerca da deficiência visual. Alguns desses mitos serão na seqüência abordados e discutidos.

1.1.3 - VISÃO PSICO-SOCIAL DA DEFICIÊNCIA VISUAL: ANÁLISE DE MITOS HISTÓRICOS E ATUAIS DA DEFICIÊNCIA VISUAL
O quadro do desenvolvimento de uma pessoa com deficiência visual está intimamente ligado com as relações sociais que a mesma mantém em seu cotidiano. Segundo Leontiev et. al. (1988), durante o desenvolvimento da criança, sob a influência das circunstâncias concretas de sua vida, o lugar que ela objetivamente ocupa no sistema das relações humanas se altera.
Evidencia-se aqui a importância de ouvir, enxergar, tatear, falar, para o desenvolvimento de um estabelece mudanças comportamentais, o que produz alterações no percurso de seu desenvolvimento. Entretanto, especificamente para o caso de um individuo com deficiência visual, quais são as verdadeiras implicações que a ausência total ou parcial da visão provoca em seu desenvolvimento?
Neste contexto, Vigotski (1997), ao analisar especificamente a cegueira, sugere que a mesma age de uma certa forma como uma “força” que pode manifestar capacidades em indivíduos com deficiência visual. Em seu ensaio “O menino cego”, trata a questão em três etapas (mística, biológica, e científica ou sócio-psicológica).
A etapa mística engloba a antigüidade, a idade média e uma grande parte da História Moderna e pode ser caracterizada pela visão mística, superficial e preconceituosa à respeito do cego. A cegueira é associada com infelicidade, invalidez, medo supersticioso e grande respeito.
Paralelamente à idéia de invalidez, aparece a idéia de que nos cegos se desenvolvem as forças místicas da alma, como um acesso à visão espiritual. É neste período histórico que surgem as tradições acerca do cego, como o guardião da sabedoria popular, os cantores e os profetas.
Homero era cego, e existe na literatura a suposição de que Demócrito se cegou para dedicar-se à filosofia. Este acontecimento serve para exemplificar a relação mística estabelecida nesta época entre o dom filosófico e a cegueira. Talmud (Apud. Vigotski, op. cit.) comparou os cegos, os leprosos e os estéreis aos mortos e ao referir-se a eles utilizava a expressão eufemística: “Pessoas com abundância de luz”.
Graças a essa tradição, ainda hoje a cultura popular entende o cego como uma pessoa que possui visão interior dotada de conhecimento espiritual, não acessível a outras pessoas. O cristianismo variou o conteúdo moral dessa essência, mas deixou invariável a própria essência e nisso se baseou o dogma principal da idade média acerca dos cegos, isto é, a crença na idéia de que para toda classe de sofrimento e privação atribuir-se-ia um valor espiritual, pobreza terrestre - riqueza com Deus, corpo débil - espírito elevado, aproximação do cego a Deus. Nenhum desses pontos de vista surgiram da experiência, ou do testemunho e muito menos da investigação, mas de teorias sobre o espírito e a fé.
A etapa biológica surge a partir do século XVIII com uma nova compreensão da cegueira.
O misticismo é substituído pela Ciência e o preconceito por experimentos e estudos. Esta nova fase incorporou o cego ao ensino e ao estudo, baseava-se na substituição de órgãos do sentido, como no caso dos órgãos pares rins e pulmões, isto é, na ausência ou não funcionamento de um deles, o outro exerceria suas funções. Lendas fundamentadas em observações verdadeiras, porém mal interpretadas sobre agudeza do tato, super audição, natureza perfeita “que tira com uma mão e dá com a outra” e atribuição de um sexto sentido aos cegos, são caracterizadoras desta etapa.
Bürklen (apud. Vigotski, op. cit.), reuniu alguns autores que desenvolveram uma nova idéia frontal à já estabelecida: indicavam como um fato irrevogável que nos cegos não existe o desenvolvimento supernormal das funções do tato e da audição, pelo contrário, com muita freqüência estas funções se apresentam nos cegos menos desenvolvidas do que nos videntes.
Fenômenos como o da agudeza tátil nos cegos, não surgem da compensação fisiológica direta do defeito da vista, mas sim, de uma via indireta, muito complexa da compensação sócio-psicológica geral. Em outras palavras, segundo afirmação de Luzardi (apud. Vigotski, op. cit), o tato ou a audição nunca ensinarão o cego realmente a ver, portanto, conforme assinala Vigotski (op. cit.), é preciso compreender a substituição, não no sentido de que outros órgãos assumam diretamente as funções fisiológicas da vista, mas sim, no sentido da reorganização complexa de toda a atividade psíquica, provocada pela alteração da função mais importante e dirigida por meio da associação da memória e da atenção, ou seja, a criação de um novo tipo de equilíbrio do organismo em função do órgão afetado.
A superação da convicção biológica ingênua que se mostrou incorreta representou um grande avanço em direção a “verdade”. Pela primeira vez, partindo da observação científica com o critério experimental, se abordou o fato de que a cegueira não é só um defeito, uma deficiência, mas também incorpora várias forças e novas funções à vida e à atividade, motivando um certo trabalho criador orgânico.
Com o surgimento do Braille, o cego passou a ter acesso à educação e isto foi de valor inestimado, já que um ponto do sistema Braille se mostrou mais importante para o cego, que mil obras de caridade. A possibilidade de ler e escrever resultou ser mais importante do que o sexto sentido ou a agudeza do tato e do ouvido.
Haüy (apud. Vigotski, op. cit.), assinalou “encontrarás a luz no ensino e no trabalho”. Ele viu no conhecimento e no trabalho a solução da tragédia da cegueira. A época de Haüy deu aos cegos o ensino, a atual deve dar o trabalho.
Foi na idade contemporânea, após a superação das visões mística e biológica - que até então se apresentavam como modelo de interpretação acerca do indivíduo cego - pela psicologia social da personalidade que a Ciência se aproximou do domínio do conhecimento sobre a psicologia da pessoa cega. Temos aqui caracterizada a etapa científica ou sócio-psicológica.
Segundo as palavras de Vigotski (op. cit.), fica claro a nova linha de abordagem que se segue:
“Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não cumpre seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função, uma superestrutura psíquica que tende assegurar o organismo no ponto débil ameaçado”.
A luta criada entre o indivíduo cego para se estabelecer socialmente, poderá levá-lo a atingir dois extremos. Um desses extremos, ou seja, a vitória do organismo pela super compensação, não indica apenas a superação das dificuldades originadas pelo defeito, mas também o seu próprio desenvolvimento é levado a um nível superior, criando do defeito, uma capacidade; da debilidade, a força; da baixa auto-estima, a alta auto-estima. O segundo extremo é o fracasso da super compensação. Seria ingênuo pensar que qualquer enfermidade termina em êxito e que todo defeito se transforma felizmente em um talento, portanto, segundo Vigotski (op. cit.), o fracasso da supercompensação leva à vitória total do sentimento de debilidade, ao caráter associal da conduta, à criação de posições defensivas a partir de sua debilidade, à loucura, à impossibilidade da personalidade de ter uma vida psíquica normal, e à neurose.
Ainda de acordo com o mesmo autor, a essência desse novo ponto de vista reside na tendência da superação do conflito social por parte do indivíduo pela super compensação. Essa tendência está dirigida à formação de uma personalidade de pleno valor no aspecto social, isto é, a conquista da posição na vida social. Portanto, não é o tato nem o ouvido que se desenvolvem a mais nos indivíduos cegos, mas sim, com a finalidade de vencer o conflito social, toda personalidade é abrangida, começando por seu núcleo interno com a tendência não de substituírem a vista, mas de vencer pela super compensação.
Com o objetivo de explicitar e superar a visão ingênua relacionada à substituição de funções orgânicas, por exemplo: a audição substitui a visão nos cegos; será apresentada na seqüência, uma análise acerca de um mito ainda bastante freqüente na sociedade atual, ou seja, o mito da escuridão.

1.1.4 - CEGOS NÃO SENTEM SUA CEGUEIRA: O MITO DA ESCURIDÃO
Contra a opinião comum de que o cego se sente submergido na escuridão devido à sua cegueira, alguns psicólogos assinalaram que o mesmo não percebe em absoluto seu defeito físico.
Nas palavras de Biriliev (apud. Vigotski, op. cit.), cego altamente instruído, pode-se observar um exemplo: “Eu não posso sentir diretamente meu defeito físico”. Vigotski (op. cit.) afirma que os cegos não percebem a luz da mesma maneira que os que enxergam com os olhos tapados a percebem, isto é, eles não sentem e nem experimentam diretamente que não têm visão, portanto, a capacidade para ver a luz tem um significado prático e pragmático para o cego e não um significado instintivo-orgânico, o que significa que eles sentem seu defeito de um modo indireto, refletido unicamente nas conseqüências sociais.
Leontiev et. al. (op. cit.), apontam que “embora os conceitos e os fenômenos sensíveis estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente eles são categorias diferentes de consciência”. Esta idéia está fundamentada no conceito de funções psicofisiológicas, que vêm a ser as funções fisiológicas do organismo. O grupo inclui as funções sensoriais, as funções mnemônicas e as funções tônicas. Nenhuma atividade psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções que constituem a base dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto é, sensações, experiências emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a “matéria subjetiva”, por assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo e a plasticidade da representação do mundo na consciência humana. Portanto, de acordo com Leontiev et. al. (op. cit.), “se mentalmente excluirmos a função das cores, a imagem da realidade em nossa consciência adquirirá a palidez de uma fotografia branca e preta. Se bloquearmos a audição, nosso quadro do mundo será tão pobre quanto um filme mudo comparado com o sonoro.
Por outro lado, uma pessoa cega pode tornar-se cientista e criar uma nova teoria, mais perfeita, sobre a natureza da luz, embora a experiência sensível que ela possa ter da luz seja tão pequena quanto aquela que uma pessoa vidente tem sobre a velocidade da luz.” A partir do referido contexto, uma questão torna-se relevante: Ver é condição para conhecer? Essa discussão será trazida à tona na seqüência por meio da análise de três pontos chave, a saber: etimologia da palavra “ver”; a compreensão filosófica do “ver” e “conhecer sem ver”. Pretende-se por meio da análise efetuada, apresentar argumentos que dicotomisem o prérequisito de senso comum, que intende, ainda que de maneira superficial e não explícita, o primeiro como condição do segundo.

1.1.5- ETIMOLOGIA DA PALAVRA “VER”
Uma questão bastante subjetiva e pouco discutida é aquela que se relaciona ao conhecimento e à visão. Nesse sentido, Masine (1994) pergunta: “ver é condição para conhecer ou conhecer é ver?”. Uma análise etimológica da palavra “ver”, pode trazer à tona além de reflexões relacionadas ao referido tema, conceitos implícitos invariavelmente tomados como verdadeiros.
Sob tal referencial, pode-se perguntar: o que é ver? Como indica Masine (1994) “da raiz indo-européia (Weid), ver é olhar para tomar conhecimento e para ter conhecimento”. Ainda de acordo com o mesmo autor “este laço entre ver e conhecer, de um olhar que se tornou cognoscente e não apenas espectador desatento, é o que o eidô (do grego) significa: ver, observar, examinar, fazer, instruir, instruir-se, informar, conhecer, saber”.
Não obstante, o significado do uso cotidiano da palavra ver e seus derivados revela de acordo com Chauí (1983) um enfoque realista de mundo. “Falamos em ver, rever, porque cremos na palavra e nela cremos; porque cremos em nossos olhos; cremos que as coisas e os outros existem porque os vemos e os vemos como existem” (Chauí op. cit.).
Masine (1994) afirma que essa concepção realista de mundo, de diferentes maneiras se encontra presente em discursos cotidianos, como por exemplo, “na distinção entre as palavras alucinado e lúcido, isto é, loucura e sanidade, designados como ausência ou presença de luz”.
Em relação a determinadas comparações entre o sentido visão e outros sentidos, Masine (op. cit.) indica que popularmente “dos cinco sentidos somente a audição é referida à linguagem” e que de uma certa forma, a mesma, “rivaliza com a visão no léxico do conhecimento”. Assim, não é comum se dizer “ouve como brilha”, “cheira como resplandece”, “saboreia como reluz”, “apalpa como cintila”. No entanto, se diz que todas essas coisas se vêem. Por isso, é bastante comum afirmações do tipo: “vê como isto brilha” como também “vê como isto soa”, “vê como cheira”, “vê como sabe bem”, “vê como é duro”.
As relações etimológicas apresentadas evidenciam uma ligação direta e dependente entre o ato de “ver” e o de “conhecer”. Esta ligação será abordada na seqüência levando-se em conta alguns referenciais filosóficos que enfocam a referida questão.

1.1.6- A COMPREENSÃO FILOSÓFICA DO “VER”
De acordo com Masine, (1994) a filosofia abordou a questão do olhar inicialmente, sob dois pontos de vista:
a) A visão depende dos objetos.
b) A visão depende dos olhos, que fazem por sua vez, os objetos serem vistos.
A tradição de Demócrito, Epícuro e Lucrécio, fiel ao sentido latino de percepio, refletem a primeira alternativa, conhecida como: “Teoria perceptiva”. A tradição nascida em Empédocles decide-se pela segunda alternativa, denominada de: “Teoria emissiva” (Masine op. cit.).
Verificou-se, que as posições observadas acima, não se anularam ou se constituíram como dominante uma em relação à outra. Por outro lado, apresentaram uma transformação, que indica uma passagem da fé perceptiva à atitude analítica, que por sua vez, decompõe a visão em qualidades (das coisas) e sensações (dos olhos).
Para Masine, (op. cit.) em relação ao que vem sendo abordado, filosoficamente “conviveram e convivem”:
- O realismo, que crê na percepção como coincidência entre sujeito e objeto;
- O idealismo, que crê na percepção como síntese operada pelo sujeito;
- O empirismo, que procura explicar a percepção como síntese passiva das sensações;
- O intelectualismo, que pela reflexão busca objetivar a sensação, fazendo-a aparecer como matéria do conhecimento.
Como citado, a partir das análises filosóficas sobre o fenômeno da visão, há de acordo com Masini, (1994), uma mudança na interpretação do referido fenômeno, ou seja, “passa-se da experiência de ver, para a explicação racional dessa experiência”. Deste modo, o fenômeno da visão passou a ser compreendido da seguinte forma: a visão, “desliga-se e desfaz as próprias coisas para que sejam refeitas, quer como causas ativas, quer na condição passiva resultante de sínteses subjetivas - do cérebro no empirismo ou da consciência no intelectualismo” (Masini, op. cit.). Essa nova postura marca uma cisão entre o olhar e o mundo, como entre os olhos do corpo e do espírito ou intelecto.
Deste modo, as idéias descritas falam de um paradigma da visão como pré-requisito para o saber. Este modelo serve como suporte para o conhecimento enquanto representação. Como indica Masini (1990) o sujeito do olhar de acordo com o ponto de vista descrito, é o “intelecto”, o “entendimento”, a “consciência”, como poder constituinte do objeto enquanto significação.
O referido referencial na seqüência, por meio de uma nova abordagem, ou seja, a do “conhecer sem ver”, será submetido a análises com a finalidade de ser criticado e superado.
 
1.1.7- CONHECER SEM VER: DISCUSSÕES ACERCA DE UMA NOVA ABORDAGEM
Fica evidente a partir dos referenciais descritos, a compreensão do “conhecer” como dependência do “ver”. Este conceito de conhecimento, originado em uma sociedade formada na sua maioria por videntes, constituiu o pensamento filosófico descrito, e constitui ainda hoje, a compreensão de senso comum acerca das condições para a obtenção do conhecimento.
Embora se referindo ao vidente e não especificamente à pessoa com deficiência visual, Merleau-Ponty assume uma postura divergente à descrita. Como aponta Masini, (1994) atento às zonas ambíguas da percepção, Merleau-Ponty com seu “olhar fenomenológico”, tentou levar até o fim a crítica ao dualismo clássico entre conhecer e ver, retomando o mundo vivido onde o olho e o visível se implicam mutuamente. Assim, Merleau-Ponty volta-se para a totalidade do ser e fala do sensível, do tátil, do audível, do visível. A partir da observação de uma de suas idéias, muito dessa nova postura pode ser melhor compreendida: “Imerso no visível pelo seu corpo, o vidente se aproxima do que vê pelo seu olhar.
Abre-se ao mundo, ao invés de apropriar-se dele. Visível e vidente, o corpo próprio de cada um está no mundo - olha todas as coisas e também pode olhar a si - se vê vidente, toca-se tateante, é visível e sensível por si mesmo, e a partir daí é que cada um pensa. A visão não é um certo modo do pensamento ou da presença a si, é o meio que me é dado de estar ausente de mim mesmo, de assistir de dentro a fissão do Ser, só no término do qual eu me fecho sobre mim” (Merleau Ponty, 1975).
Apesar de Merleau Ponty deixar claro que conhecer não é ver, num mundo e numa “cultura de videntes”, é bastante natural que o primeiro permaneça como condição do segundo, já que, ao se referir a uma “cultura de videntes” está se referindo à maioria das pessoas que aí estão, existindo como videntes e percebendo pela predominância da visão sobre os demais sentidos (Masini, 1990).
Assim, como indica o mesmo autor (op. cit.), “o deficiente visual permanece oculto ao ser apresentado pela percepção unidimensional da visão”. Nesse sentido, indo um pouco além em relação ao autor citado, não apenas o indivíduo com deficiência visual permanece oculto ao ser apresentado por tal unidimensionalidade, como também, os indivíduos videntes podem permanecer semi-ocultos, já que em privilégio de uma dada percepção, todas as outras podem passar desapercebidas.
Desse modo, parece muito interessante o estabelecimento de reflexões sobre alguns questionamentos propostos por Masini (1994):
  • Como é o pensar daquele que aí está e não é vidente?
  • Afirmar que sem visão não podemos pensar, não será uma redução que impede um aprofundamento sobre o “compreender” humano e o seu “saber”?
  • Como se dá o conhecimento na ausência da visão?
Na tentativa de se obter as respostas dos questionamentos citados, serão enfocadas duas argumentações não divergentes, mas complementares. São elas: imaginar uma sociedade formada somente por pessoas cegas, e compreender a luz das explicações de Merleau-Ponty a relação entre o que ele chama de “conteúdos particulares”, e “formas de percepção”.

PRIMEIRA ARGUMENTAÇÃO:
Na literatura de ficção, em “The Country of The Blind”, na saída encontrada por um artista, o “sem visão” surge uma outra maneira de perceber e interpretar o mundo. No texto abaixo, observa-se uma interessante inversão de maiorias, que indica as dificuldades do ser humano em lidar com a questão da diferença. Essas dificuldades acabam por produzir determinados padrões de normalidade, que são tomados como referência nas definições de atitudes e atividades da prática social, das quais destaca-se a educacional.
 
Certa vez, um camponês chamado Nunez, numa escalada perigosa, ao separar-se de seus companheiros de caravana, caiu de uma montanha e descobriu o Vale dos Cegos.
Lembrando-se do dito popular “em terra de cego, quem tem um olho é rei”, aspirou governar o Vale. Descobriu, porém, que isso não era tão fácil quanto esperava e que sua visão não era sempre uma vantagem.
Quando foi encontrado por três homens do Vale, eles tentaram descobrir quem era aquela estranha criatura.
- Vamos levá-lo para os mais velhos. - disse Pedro.
- Grite primeiro - disse Correa - senão poderemos assustar as crianças.
Assim, eles gritaram e Pedro foi à frente e pegou Nunez pela mão para guiá-lo até as casas.
- Eu posso ver - disse, puxando-lhe a mão.
- Ver? - perguntou Correa.
- Sim, ver - respondeu Nunez, virando-se em sua direção e tropeçando.
- Seus sentidos são ainda imperfeitos - disse o terceiro cego - Ele tropeça e diz palavra sem sentido. Guie-o pela mão.
- Como você quiser - disse Nunez e deixou-se guiar, rindo.
Parecia que eles nada sabiam de visão.
Nunez começou a perceber que muito da imaginação dos cegos havia desaparecido com sua visão e eles haviam feito para si, um novo mundo, onde predominava a sensibilidade do ouvido e do tato. Lentamente, Nunez percebeu que ele estava errado em esperar que as pessoas ficassem impressionadas com sua origem e habilidades.
Pensavam que ele fosse um novo ser e eram incapazes de entender suas sensações. E, assim, após entender que não aceitariam suas explanações sobre a visão, calou-se e começou a ouvir o que tinham para lhe dizer.
E chegou o dia em que Nunez apaixonou-se por Medina e queria casar-se com ela. O pai, Yacobs, solicitou uma reunião dos mais velhos para decidirem o que fazer. Eles estranhavam muito as falas e comportamentos de Nunez. Após um tempo de discussão, o velho Yacobs comentou:
- Algum dia ele estará tão só quanto nós.
A vontade de curá-lo de suas peculiaridades permanecia.
Após algum tempo, um dos mais velhos, o grande médico entre eles, expôs sua idéia criativa:
- Examinei Bogotá - era assim que o chamavam - e o caso é claro para mim - disse. - Penso que muito provavelmente ele deverá ficar curado.
- Isso é o que eu sempre desejei - disse o velho Yacobs.
- Sua mente está afetada - observou o doutor cego.
Os mais velhos concordaram, murmurando:
- Bem, o que o afeta?
- Ahm? - disse o velho Yacobs.
- Isto - disse o doutor, respondendo à pergunta. - Estas coisas esquisitas chamadas olhos, que existem para fazer uma agradável e macia depressão na face, estão doentes.
Isto está afetando sua mente. Seus olhos são muito grandes e seus cílios e pálpebras movem-se. Assim, sua mente está sendo prejudicada.
- É - disse o velho Yacobs - É isso.
- E eu penso que para curá-lo completamente, precisamos fazer uma operação fácil para remover esses olhos.
- E, então, ele ficará são?
- Sim, ele ficará perfeitamente são e se tornará um excelente cidadão.
- Graças a Deus, pela Ciência - disse o velho Yacobs, e foi contar a Nunez suas intenções (Wells apud Masini, 1990).

Como aponta Masini, (1990) “no Vale, é a fala do cego que constitui maioria; é ela que passa a ser ouvida por Nunez, quando este descobre que a sua não leva a nada. Assim, uma outra maneira de perceber o mundo aparece e com ela conceitos, valores e crenças se impõem em nome da Ciência” (...) “no mundo dos videntes, como não poderia deixar de ser, a fala que se impõe, é a deles. Seria absurdo negar este fato, antes, ele deve ser considerado para que se possam identificar os conceitos, valores, definições de senso comum ditado pelo sentido da visão, pois este, quando utilizado como referencial na educação do Deficiente Visual, impede-o de compreender, levando-o a uma aprendizagem mecânica”.

SEGUNDA ARGUMENTAÇÃO:
Relação entre conteúdos particulares, e formas de percepção.
Parece absolutamente ingênuo a crença na idéia de que indivíduos cegos ou com baixa visão sejam incapazes de construir modelos referentes ao mundo físico, ou mesmo de outras formas de conhecimento. Entretanto, como observado, de forma discreta e indireta, é isto que ocorre. Com o objetivo de apresentar uma negativa às concepções relacionadas ao “conhecer” e ao “ver”, apresenta-se como exemplo, o trabalho de Camargo, (2000) que enfocou sob aspectos históricos e visuais, as concepções alternativas sobre repouso e movimento de um grupo de seis sujeitos cegos. Verificou-se que para o referido grupo existem tendências de suas concepções convergirem aos modelos pré-científicos de movimento.
Como apontam várias pesquisas nesta área (Watts 1983; Gardner 1986; Clement 1979; McCloskey et. al., 1980; Minstrell 1982), tais tendências também são verificadas junto a sujeitos videntes e portanto, indivíduos embora cegos, não representam exceção à maneira alternativa de se abordar questões relacionadas ao referido tema.
Nesse contexto, autores denominados construtivistas afirmam que o conhecimento não é absoluto, mas intimamente relacionado com as ações e experiências do aprendiz. Quando um indivíduo pensa em um dado fenômeno físico como, por exemplo, o movimento de um objeto, realiza ações de busca de construções de concepções referentes ao fenômeno em questão, ações estas, que constituem o conhecimento do objeto de pensamento. Como indica Johnson, (1987), “o conhecimento é sempre contextual e nunca separado do conhecedor; conhecer é agir; conhecer é entender de uma certa maneira, uma maneira que pode ser partilhada por outros que se juntam numa comunidade de conhecimento”. A grande problemática paradigmática a cerca do conhecimento é composta pelo fato de que não se pode transmitir significado, pois, o mesmo é construído individualmente dentro de um contexto social. Como afirma Gergen (1982), “o conhecimento não é algo que as pessoas possuem em suas cabeças, mas algo que fazem juntas”.
De acordo com Merleau Ponty apud Masini (1994) a compreensão de fenômenos relacionados com o “conhecer” se encontra ligada não apenas com o sentido visão, mas, com uma relação dialética entre o conjunto de sensações próprias do ser humano, e a capacidade que o mesmo tem de interpretá-las. Nesse sentido, concluiu-se em Camargo (op. cit.) que a construção de concepções alternativas relacionadas com fenômenos físicos como o movimento e o repouso dos objetos, feita por qualquer pessoa, não parece depender exclusivamente de aspectos visuais, já que sensações auditivas e táteis participam de modo relevante na construção de tais concepções. Assim, do ponto de vista sensorial, a “comunidade de conhecimento”, é influenciada por todos os sentidos, e portanto, conhecer um dado objeto ou fenômeno, se encontra vinculado às múltiplas formas de perceber, ao refletir individual, e ao compartilhar social do objeto de conhecimento em questão.
O modelo de Merleau Ponty citado acima, é fundamentado sobre dois pilares, a saber: “conteúdos particulares” (ou a especificidade) e “formas de percepção” (ou generalidade).
Conteúdos: são os “lados” sensoriais (visão, tato, audição etc). Forma: é a organização total desses “lados”, que é fornecida pela função simbólica. Há como citado, uma dialética entre conteúdo e forma, isto é, não se pode obter qualquer tipo de organização se não existirem dados, mas estes quando fragmentados, ou seja, dissociados da função simbólica, de nada adiantam (Masini 1994).
Os dados sensíveis que constituem o primeiro fundamento da consciência e da ação, por meio da dialética entre forma e conteúdo, são retomados pela consciência, recebendo da mesma, um sentido original. Desta forma, entre a consciência e o corpo, existem relações de implicações recíprocas, e não de dependência.
Assim, como indica Masini (op. cit.) “a consciência consiste em estar nas coisas por intermédio do corpo, e a experiência do corpo faz cada um reconhecer o emergir do sentido aderido aos conteúdos, unidade de implicação em que as diversas funções se desenvolvem dialeticamente”. Neste contexto, a fim de se obter a compreensão de um indivíduo e de aspectos relacionados à sua educação, há a necessidade de se considerar sua estrutura própria que exprime ao mesmo tempo sua generalidade e especificidade (o conteúdo e a forma) e a dialética entre essa especificidade e generalidade.
Para o caso de uma pessoa com deficiência visual, conclui-se que a mesma, por sua vez, tem a possibilidade de organizar os dados como qualquer outra pessoa, desde que esteja aberta para o mundo em seu modo próprio de perceber e de relacionar-se. Portanto, como aponta Masini (1994) o que não se pode desconhecer é que o deficiente visual tem uma dialética diferente, devido ao conteúdo que não é visual, e a sua organização, cuja especificidade é a de referir-se ao tátil, auditivo, olfativo, sinestésico. A consideração dos referidos elementos não visuais são para a educação do individuo com deficiência visual, fundamentais, e representaram para a elaboração das atividades de ensino de Física que foram aplicadas a um grupo de alunos com deficiência visual, e que posteriormente serão apresentadas, um referencial central.
Em síntese, abordou-se até aqui a análise de alguns mitos que cercam a deficiência visual, análise esta realizada sobre quatro referenciais principais, a saber: o social, o histórico, o etimológico e o filosófico. Para finalizar o presente capítulo, será apresentada uma distinção semântica entre os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem, conceitos estes que apesar de poderem se relacionar, não mantém semelhança.
 
1.2 - DISTINÇÃO SEMÂNTICA ENTRE OS CONCEITOS DE DEFICIÊNCIA, INCAPACIDADE E DESVANTAGEM
Atualmente, existem grandes discussões por conta de questões relacionadas à nomenclatura ou designação de uma pessoa com deficiência. Nesse sentido, parece necessário, inclusive às pessoas com deficiência, o esclarecimento de alguns pontos sobre esta questão.
Embora a expressão “portador de deficiência”, não por causa da palavra deficiência, mas pela palavra portador, não seja a mais adequada para caracterizar uma pessoa com limitações, este é o termo que consta na constituição brasileira. As pessoas portam algo que seguram e podem soltar (um objeto, por exemplo). A deficiência, por mais difícil que seja seu entendimento e aceitação, não pode ser deixada à margem, mas sim, encarada e superada. Por outro lado, o termo “deficiência” não deve ser interpretado como pejorativo ou desmerecedor, pois deficiência não é o oposto de eficiência, o oposto de eficiência é ineficiência e a deficiência indica apenas uma falta ou uma limitação em relação ao ambiente físico e social externo.
Outros termos como “pessoa com necessidades especiais” (termo que consta na atual LDB/96), podem ser importantes para a educação, já que em linhas gerais uma boa parte das crianças e não apenas as com deficiências tem necessidades especiais. Como será discutido, o termo que melhor se adequa às exigências semânticas, é o termo “pessoa com deficiência”.
De acordo com uma abordagem histórica, desde o século XVIII, os profissionais de saúde apresentam preocupações em estabelecer uma classificação das doenças. Entretanto, somente na VI Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-6), em 1948, foram feitas referências a doenças que poderiam se tornar crônicas, exigindo outros atendimentos além de cuidados médicos. Surgiu em 1976 na IX Assembléia da Organização Mundial da Saúde, uma classificação internacional de deficiências, incapacidades e desvantagens, ou seja, um manual de classificação das conseqüências das doenças (CIDID), publicada em 1989. Dessa forma, a conceituação de deficiência, incapacidade e desvantagem é feita da seguinte maneira:
Deficiência: perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Representa a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão (Amiralian, et. al. 2000). Ainda de acordo com a Convenção Inter-Americana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação em relação a Pessoa com Deficiência, o termo “deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. Como citado deficiência não é o contrário de eficiência. O contrário de eficiência é ineficiência e a deficiência por sua vez, indica apenas uma falta, uma limitação em relação ao ambiente externo, e não especificamente da pessoa.
Incapacidade: restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade para desempenhar uma atividade considerada normal para o ser humano (Amiralian, et. al. op. cit.). Surge como conseqüência direta ou é resposta do indivíduo a uma deficiência psicológica, física, sensorial ou outra.
Desvantagem: prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de papéis de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais (Amiralian, et. al. op. cit.). Representa a socialização da deficiência e relaciona-se às dificuldades nas habilidades de sobrevivência.
Não obstante, evitou-se utilizar pela CIDID a mesma palavra para designar as deficiências, incapacidades e desvantagens. Dessa forma, para uma deficiência foi adotado um adjetivo ou substantivo, para uma incapacidade, um verbo no infinitivo e para uma desvantagem, um dos papéis de sobrevivência no meio físico e social.
Por outro lado, foram identificados por Chamie, (1990), três conjuntos de dificuldades no uso da CIDID:
- diferenciar e isolar os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem nas descrições comportamentais;
- preparar pessoas para o uso padronizado dessa classificação;
- aplicar a classificação para as diversas teorias e modelos de deficiência.
De acordo com Zola, (1993), “a linguagem estaria tão ligada às condições filosóficas e políticas da sociedade, quanto à geografia e o clima. Ainda como indica o mesmo autor “a capacidade da palavra de denominar as pessoas e a significação do estigma deveriam ser reconhecidos por todos”. Dessa forma, o autor citado, propõe contextualizar a relação com o nosso corpo e com nossas deficiências, como uma possibilidade para reverter o estigma, realizando uma mudança não nos termos, mas na gramática.
Dessa maneira, nomes e adjetivos igualariam o indivíduo à deficiência. Por exemplo, inválido e deformado tenderiam a desacreditar a pessoa como um todo; preposições descreveriam relações e encorajariam a separação entre a pessoa e a deficiência, por exemplo, um homem com deficiência; os verbos na voz ativa seriam preferíveis aos verbos na voz passiva, por exemplo: um homem usando cadeira de rodas seria melhor do que um homem confinado a uma cadeira de rodas; também o verbo “ser” seria mais prejudicial do que o “ter”, por exemplo, “ele tem uma incapacidade” preferivelmente a “ele é incapacitado”.
Este critério de nomenclatura vem sendo utilizado neste trabalho até aqui, e continuará sendo utilizado para a caracterização dos alunos com deficiência visual. Dessa forma, explicita-se que o entendimento que se faz neste trabalho acerca da deficiência, não a relaciona diretamente com uma determinada incapacidade, e sim que tal incapacidade se relaciona primeiramente a determinadas condições impostas pelo meio. Estas condições quando analisadas de acordo com um referencial educativo, além de gerarem incapacidades, colocam alunos com deficiência visual em desvantagem social perante seus colegas videntes. Por isto, serão abordados no próximo capítulo, alguns modelos de ensino/aprendizagem que supostamente colocam alunos com deficiência visual em desvantagem em relação a seus colegas videntes, e alguns modelos de ensino/aprendizagem que supostamente colocam esses alunos, em condições de igualdade para aprender. Sobre esse contexto, posicionar-se-a em relação ao modelo de ensino aprendizagem que supostamente colocam alunos com deficiência visual em condições de igualdade para aprender, modelo este que norteou a elaboração das atividades de ensino de Física apresentadas no capítulo (III).

CAPÍTULO - 2
O ENSINO DE CIÊNCIAS: EVOLUÇÃO DE UM NOVO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO
No presente capítulo, apresentamos um histórico bibliográfico acerca das pesquisas em ensino de Ciências, interpretamos a educação científica à luz do construtivismo, e trazemos referências que mostram a importância de um ensino fundamentado em elementos construtivistas. Analisamos também os conhecimentos prévios, e o modelo de mudança conceitual com suas inovações, limitações e superações.

2.1- INTERPRETANDO A EDUCAÇÃO CIENTÍFICA À LUZ DO CONSTRUTIVISMO
A superação do paradigma tradicional de ensino, que dentre tantos aspectos abordou objetivos divergentes à formação crítica, reflexiva e interacionista por parte dos alunos, valorizando prioritariamente, características de isolamento, memorização, passividade e a idéia de um professor transmissor de informações (Pozo, 1999), tem se apresentado fundamental para a prática pedagógica de docentes que buscam um aprendizado significativo de seus discentes.
Como se tem observado seguidamente, os alunos memorizando soluções e limitando-se ao reconhecimento e à reprodução de problemas que já foram resolvidos, pouco aprendem sobre os conteúdos trabalhados. Em outras palavras, por meio de exercícios que o professor resolve de forma linear, sem dúvidas ou tentativas sobre o que se busca ou sobre qual é o caminho a seguir, o caráter mecânico pragmático e desinteressado, substitui aspectos relacionados a um aprendizado significativo.
Não obstante, a superação de outros modelos de aprendizagem defendidos por professores de ciências como o de aprendizagem por descobertas, representou significativo avanço dentro da prática educativa. Esse modelo se centra nos trabalhos experimentais e autônomos dos alunos, trabalhos estes, que para romper com um ensino puramente baseado nos livros e em resolução de exercícios, privilegiam os processos científicos aos conteúdos. A pouca atenção aos conteúdos fundamenta-se na crença de que estes carecem de importância frente ao método. Nesta perspectiva, a realização dos experimentos pode proporcionar ao aluno acidentalmente, o domínio do conteúdo. Tal proposta se fundamenta como assinala Ausubel (1978), “na ingênua premissa de que a solução autônoma de problemas ocorre necessariamente com base nos raciocínios indutivos a partir de dados empíricos”. A imaginação, a criatividade, os riscos, ficam excluídos, já que a ciência de acordo com esta visão é considerada como uma busca objetiva, metódica, insensível.
A partir do contato que pesquisadores de ensino começaram a manter com obras de autores denominados construtivistas, como Piaget, Vigotski, Luria, Leontiev e Wallon, a superação de modelos de ensino como os descritos acima, começou a se mostrar em prática, embora, se apresente por muitas ocasiões, teórica e apenas discursiva (Castelo Branco, 1991). O enfoque passivo e estático que fazia com que professores encarassem seus alunos como receptores de informação ou descobridores autônomos de conceitos científicos, é substituído numa abordagem construtivista de ensino, por aspectos de inclusão pessoal, inter-relações, transcendência e pela idéia do professor como facilitador da aprendizagem. A perspectiva de um professor facilitador da aprendizagem está centrada no estudante mediante análises e ampliações de seus conhecimentos, exigindo desta forma, por parte dos docentes, a consideração das idéias dos discentes a fim de atuar sobre estas. Como indica Duschl, (1995 ) “trabalhando a partir das características das idéias dos estudantes, os professores se encontram em uma melhor posição para diagnosticar tanto as estruturas de conhecimento como as estratégias de raciocínio de seus alunos.” Para Pozo (op. cit.), tais alterações na compreensão do fenômeno educativo, representam ações de centrar-se no significado do conteúdo, bem como organizações do pensamento sobre a estrutura subjacente de tarefas que visem contribuir de maneira significativa à aprendizagem.
Essas mudanças requerem modificações nos enfoques sobre o planejamento de ações de ensino.
Nesta perspectiva, a dinâmica das ações de ensino deve ser planejada de maneira tal, que os docentes possam receber informações sobre a aprendizagem dos estudantes que por sua vez, possam ser utilizadas para determinar as futuras etapas de ensino. Sob este contexto, o conhecimento prévio dos alunos passa de insignificante para fundamental, sendo que nele reside o referencial principal das atividades de ensino que deverão ser elaboradas, estruturadas e direcionadas pelo professor.
De acordo com Duschl, (op. cit.) existem, a saber, três aspectos relacionados ao aprendizado, à construção e ao desenvolvimento do conhecimento científico. São eles: “A mudança do papel do professor de transmissor para facilitador, a alteração fundamental na perspectiva sobre a condução das aulas, isto é, a modificação da visão centrada unicamente em controles comportamentais, para a de condução de idéias e formas de raciocínio, e a adoção de práticas que permitam aos professores a utilização de estratégias de avaliação que desenvolvam as habilidades dos estudantes com respeito aos objetivos sociais, cognitivos e epistemológicos bem como das dinâmicas de aprender e praticar ciência”.
Como sugere Duschl e Gitomer, (1991), “as ações, as práticas, os produtos e os discursos em aula, podem apresentar informações de avaliação sobre os campos epistemológicos, cognitivos e sociais das quais necessitam os professores para a facilitação da aprendizagem de conteúdos científicos. Esses três aspectos devem coexistir desde que se pretenda um compromisso com um ensino de ciência significativo”.
Portanto, de acordo com esta abordagem, um contexto eficaz para aprender Ciências é aquele que oferece aos professores a oportunidade de: receber informações por parte dos estudantes sobre os três campos de avaliação (epistemológicos, cognitivos e sociais), reconhecer as informações que devem ser consideradas para avaliar os níveis de habilidades alcançadas pelos alunos nestas três áreas, utilizar as informações para facilitar o feedback aos alunos (Duschl e Gitomer, op. cit.), e que, além disso, ofereça aos aprendizes o tempo necessário para um equilíbrio entre o esforço designado à habilidade para a exploração, e o esforço dedicado à habilidade de argumentação (Kuhn, 1993).
Estes aspectos coincidem com a teoria de ensino de Glaser e Bassok (1989), que afirmam existir três componentes essenciais de uma teoria educativa.
1- Descrição das competências, conhecimentos e habilidades que se deseja que os aprendizes adquiram;
2- Análise do estado inicial do conhecimento e habilidade do estudante; 3- Avaliação das implicações do processo de aprendizagem, ou seja, a transição do estado inicial ao estado desejado que pode ser alcançado com atividades de ensino.
Dentro desse contexto, uma das realizações importantes para o aprendiz, é o domínio da habilidade de argumentação. A utilização de atividades de ensino que incentivem os estudantes a participarem da construção e avaliação de argumentos e explicações é um elemento primordial de um programa de estudos de ciências, e implica numa relação dialética entre as atividades sobre o que se conhece e as atividades sobre como se adquire tais conhecimentos (Duschl, 1995).
Portanto, uma prática de ensino de ciências de acordo com um modelo construtivista, deve procurar atingir os seguintes objetivos:
a) Levantar as idéias prévias dos alunos sobre os conceitos estudados, a fim de se elaborar atividades e estratégias de ensino;
b) Analisar criticamente as diferentes formas de percepção e interpretação por parte dos alunos, de experiências cotidianas acerca dos fenômenos estudados;
c) Considerar as idéias que historicamente se constituíram como uma barreira para a construção dos conhecimentos científicos atuais;
d) Verificar até que ponto se tem conseguido modificar a compreensão dos conceitos trabalhados, ou seja, até que ponto as concepções dos alunos sofreram alterações.
De acordo com o exposto, fica claro que para um referencial construtivista, o conhecimento do aluno torna-se um elemento central no processo de ensino/aprendizagem. Por este motivo, apresenta-se na seqüência, uma breve análise acerca do referido tema.
Cabe ressaltar, entretanto, que o construtivismo de uma maneira isolada, não representa a solução aos problemas do ensino de ciências. Esta idéia ingênua pode conduzir ao perigo de um novo slogan superficial e ineficaz para a melhoria da aprendizagem. Como apontam Millar e Driver, (1987), “uma das maiores necessidades educativas atuais é a de romper com a idéia ingênua de que ensinar é fácil, questão de personalidade, de talento, de didática, basta encontrar a receita adequada para superar o ensino tradicional”. Pelo contrário, a renovação do ensino como indica Gil (1983) não pode ser uma questão de simples retoques, já que apresenta as características e dificuldades de uma “mudança de paradigma”.
 
2.2 - CONHECIMENTOS PRÉVIOS: UM NOVO PARADIGMA EDUCACIONAL
No contexto dos conhecimentos prévios, erros conceituais ou concepções alternativas, um grande número de estudos em várias áreas do conhecimento foi realizado nas últimas três décadas (Eckstein e Shemesh, 1993). Dentre essas áreas do conhecimento, o número de estudos sobre concepções em mecânica ganha significativo destaque pela quantidade realizada (McDermott, 1984; Sebastiá, 1984). Contudo, também estudos sobre conceitos ou áreas do conhecimento como: calor (Macedo e Soussan, 1985), eletricidade (Varela, 1989), Óptica (De La Rosa et al, 1984; Viennot e Kaminsky, 1991), Biologia (Jiménez, 1987), Geologia (Granda, 1988), Química (Furió, 1986), podem ser encontrados.
Não obstante, como decorrência de tais estudos, houve uma variação na nomenclatura, bem como, uma melhor compreensão e interpretação dos referidos conhecimentos prévios.
Termos como: “teorias ingênuas” (Caramazza et. al. 1981), “ciência das crianças” (Gilbert et. Al. 1982; Osborne e Wittrock 1983), “concepções alternativas” (Driver e Easley 1978), “representações” (Giordan 1985), entre outros, podem ser encontrados na literatura.
Resultante desses trabalhos apresenta-se a constatação da não convergência entre as visões dos estudantes e o pensamento científico atual. Pode-se interpretar como uma melhor compreensão do significado desses “conceitos pré-escolares”, o fato de que tais, não se constituem em simples equívocos momentâneos, mas revelam-se como idéias muito sérias e persistentes, afetando de forma similar a alunos de distintos países e níveis, incluindo uma porcentagem significativa de professores (Twigger, et. al. 1994).
Neste contexto, a abundância e a persistência das concepções alternativas nos mais variados campos científicos de acordo com o construtivismo, podem ser analisadas considerandose basicamente dois pontos quase sempre, relacionados entre si:
a) A necessidade por parte dos estudantes de compreender o mundo ao seu redor, necessidade que produz análises e interações sensoriais e sociais, e que resultam no surgimento das concepções alternativas, isto é, tais concepções constituem idéias que os alunos já possuem previamente ao aprendizado escolar (Lochhead e Dufresne, 1989). Todas as pessoas adquirem representações sobre o mundo, que lhes permitem conhecer suas regularidades, tornando-o desta forma, mais previsível e compreensível. Desse modo, os alunos possuem um conhecimento implícito que lhes proporciona compreender e interpretar fenômenos observados, de maneira similar ao modo indutivo de fazê-lo (Dunbar, 1995).
Uma postura oposta a descrita, é a que sustenta Preece (1984), que para explicar a existência das concepções alternativas, defende a hipótese de que estas, não são frutos de experiências, mas sim, idéias inatas. Tal hipótese por sua vez, não leva em conta que as concepções alternativas não são facilmente adquiridas, pelo contrário, são o resultado de um longo processo baseado em experiências cotidianas em um certo meio cultural.
b) As características do ensino tradicional, que põem em dúvida o fato de que a transmissão de conhecimento torne possível uma recepção significativa dos mesmos. Os alunos que estudaram ciências de acordo com um modelo de transmissão-recepção não só terminavam seus estudos sem saber resolver problemas e sem uma imagem correta do trabalho científico, como também a imensa maioria deles nem sequer atingiam a compreensão dos significados dos conceitos científicos mais básicos. Nesse sentido, Wheatley, (1991), aponta que não se pode, como pretendia o ensino tradicional, “pôr idéias” nas cabeças dos estudantes tanto quanto se gostaria.
Um outro enfoque dado pelo estudo das concepções alternativas é o da relação das concepções em mecânica com elementos da Física Aristotélica (Stinner, 1994). Idéias como: os corpos mais pesados caem mais rapidamente, ou de que sem ação de forças os corpos não se movem, mantém semelhanças com o referido paradigma. Como mostra Piaget (1970) as semelhanças entre as concepções alternativas sobre movimento e o paradigma aristotélico não podem ser acidentais, mas sim, fruto de uma mesma metodologia, consistente em concluir a partir de observações qualitativas não controladas, em extrapolar as evidências, aceitando-as acriticamente.
Entretanto, o paradigma aristotélico é, sem dúvida, mais elaborado e coerente que as concepções dos alunos, apesar de ambos se fundamentarem em “evidências de sentido comum” (Hashweh 1986). Como observa Peduzzi, (1996) apesar de salutar o estabelecimento de relações entre as concepções alternativas e alguns conceitos aristotélicos, é necessário não reduzir a criteriosa Física aristotélica, à visão de senso comum, muito menos elaborada devido ao seu não interesse investigativo, “pois ainda que não o seja matematicamente, a Física Aristotélica é uma teoria altamente elaborada, que transcende os fatos do senso comum que servem de base à sua elaboração (...) não é nem um prolongamento grosseiro e verbal do senso comum nem uma fantasia infantil mas sim uma teoria, isto é, uma doutrina que, partido, bem entendido, dos dados do senso comum, os submete a uma elaboração sistemática extremamente coerente e severa” (Koyré, 1986).
Aristóteles foi o primeiro a desenvolver sistematicamente formulações explícitas para concepções de senso comum sobre fenômenos físicos e organizá-las em um sistema conceitual coerente. “Ele, desse modo, preparou um caminho para uma crítica das concepções de senso comum, crítica esta, que contribuiu para o desenvolvimento da Física enquanto Ciência” (Halloun e Hestenes, 1985).
Dessa forma, a existência e permanência de concepções alternativas em alunos, não pode isoladamente justificar possíveis resultados negativos obtidos por um processo de ensino. Como aponta Bachelard (1938), “é uma surpresa que os professores de Ciências, em sua grande parte, não compreendam que não se compreenda”. Se a superação das visões de mundo, desde Aristóteles até Galileu representou significativo obstáculo na história da Ciência, não deveria haver grandes surpresas em reconhecer que tal superação significa imensa barreira para os estudantes ainda hoje (Lemeignan e Weil-Barrais, 1994).
Não obstante, observa-se que para o caso do ensino tradicional, a crítica central que se estabelece não se refere exclusivamente à ineficácia que o referido modelo de ensino apresenta em modificar as concepções dos alunos, e sim, que este modelo de ensino as ignora.
Portanto, as concepções alternativas devem receber um tratamento de maior importância por parte dos professores, ou seja, devem ser consideradas como hipóteses alternativas sérias de um determinado fenômeno, e a partir disto, valorizadas em um processo de ensino-aprendizagem.
Na seqüência, apresentar-se-á uma análise acerca de uma metodologia de ensino/aprendizagem que procurou atentar para a importância das concepções dos alunos, mas que, contudo, direcionou sua meta de aprendizagem para um referencial um tanto quanto que radical, ou seja, na substituição das ditas concepções por outras mais convergentes às científicas.
Como será discutido, tal meta, constituiu-se no principal foco de críticas da referida metodologia, e por conseqüência, representou a base para sua superação.
 
2.3- O MODELO DE MUDANÇA CONCEITUAL: DEFINIÇÕES E ANÁLISES
Uma significativa influência nos replanejamentos das atividades de ensino, exerceram as propostas que consideraram o aprendizado de Ciências como uma “mudança conceitual” (Posner et. al. 1982). Fundamentada no “paralelismo” entre o desenvolvimento conceitual de um sujeito e a evolução histórica dos conhecimentos científicos, tal modelo de ensino, a partir de meados de 1980, ganhou força entre educadores construtivistas.
Segundo tal proposta, uma aprendizagem de ciência com qualidade constitui-se em uma atividade racional semelhante à pesquisa científica e a mudança conceitual, objetivo final deste modelo de aprendizagem, pode ser interpretada equivalentemente como uma “mudança de paradigma” (Kuhn, 1971).
De acordo com esse modelo de ensino/aprendizagem, há a necessidade por parte dos estudantes de uma análise de seus próprios conceitos, a fim de que possam ser questionados e substituídos por novos, mediante sua ineficácia. Robin e Ohlson (1989) afirmam que as mudanças conceituais no ensino de ciências não podem ser compreendidas sem o conhecimento dos conteúdos e das estruturas das concepções alternativas, já que as mesmas são fundamentais para a construção de atividades de ensino.
Como já foi observado, a base epistemológica do referido modelo de ensino/aprendizagem fundamenta-se na Filosofia da Ciência contemporânea, visto que uma das principais questões da referida filosofia é compreender como as concepções científicas mudam sob o impacto das novas idéias e informações.
Existem, de acordo com abordagem recente da Filosofia da Ciência, duas fases distintas na mudança conceitual: o trabalho científico executado junto à concepção central que, por sua vez, organiza e orienta a pesquisa; e a modificação das concepções centrais. De acordo com a primeira fase da mudança conceitual, as concepções centrais definem problemas, indicam estratégias para resolvê-los e especificam critérios de escolhas de soluções. Kuhn, (op. cit.) denomina de “paradigmas” as concepções centrais e de “ciência normal”, a pesquisa em um determinado paradigma. Lakatos (1979) considera as concepções centrais dos cientistas como seu “núcleo firme teórico” e sugere que tais concepções gerem “programas de pesquisas”, destinados a aplicações e defesas do referido núcleo. Segundo esta abordagem, na hipótese da pesquisa tomar novas direções, o cientista adquirirá novas concepções e formas de interpretar o mundo, fato que, para Kuhn, (op. cit) caracteriza uma “revolução científica” e, para Lakatos (op. cit.), uma “mudança de programas de pesquisa”.
Os aspectos descritos acima caracterizam, por assim dizer, um “paralelismo” entre o modelo de ensino/aprendizagem aqui discutido e a mudança conceitual em Ciências. De acordo com Posner et. al. (op. cit.), “existem exemplos análogos de mudança conceitual na aprendizagem de Ciências, já que em algumas ocasiões os estudantes se utilizam de conceitos próprios e correntes para o tratamento de um novo fenômeno”. Esta primeira fase da mudança conceitual na aprendizagem de Ciências é chamada por Posner et. al. (op. cit.) de “assimilação”.
Não obstante, com muita freqüência, as concepções dos estudantes são inadequadas para, de maneira satisfatória, permitir a compreensão de novos fenômenos, o que obriga o aprendiz a substituir ou reorganizar seus conceitos centrais. Esta fase da mudança conceitual na aprendizagem de Ciências é denominada por Posner et. al. (op. cit.) como “acomodação”.

Neste contexto, Posner et. al, (op. cit.) identificam quatro condições para que ocorra a mudança conceitual:
1) Produção de insatisfação com os pré-conceitos existentes: de acordo com esta abordagem, é fundamental que um indivíduo tenha coletado um estoque de questões não resolvidas e tenha observado a incapacidade de suas concepções em resolvê-las.
2) A nova concepção deve ser inteligível: o indivíduo deve ser capaz de compreender como a experiência pode estar estruturada pela nova concepção, suficientemente para explorar as possibilidades inerentes a ela.
3) A nova concepção deve parecer inicialmente plausível, isto é, qualquer nova concepção adotada deve ao menos parecer ter capacidade para resolver os problemas gerados por suas predecessoras.
4) A nova concepção deve sugerir a possibilidade de um frutífero programa de pesquisa, que deve ter potencial para ser estendido, para explorar novas áreas de pesquisa.
Desta forma, como aponta Driver (1986), a seqüência de estratégias de uma atividade de ensino de Ciência que busque atingir mudanças conceituais nos alunos deveria incluir:
identificação e conscientização das idéias que os alunos já possuem; questionamentos, por meio de contra exemplos, de tais idéias; introdução de novos conceitos pelo professor por apresentação ou por meio dos materiais didáticos; geração de oportunidades aos estudantes para o uso das novas idéias a fim de que adquiram confiança nas mesmas.
Portanto, o modelo de mudança conceitual, apesar de radical quanto a sua definição e objetivo, procurou centrar-se numa abordagem construtivista de ensino e, por conseqüência, nos seguintes referenciais: o que “existe na cabeça do aprendiz” tem importância; encontrar sentido supõe o estabelecimento de relações; quem aprende constrói, de maneira ativa, significados.
Como será apresentado, a crítica efetuada à referida metodologia de ensino, refere-se principalmente ao seu objetivo, ou seja, o de provocar alterações radicais de pensamentos. Na seqüência, apresenta-se a referida crítica.
 
2.4 - DA PERSPECTIVA DE MUDANÇA CONCEITUAL PARA A DE REESTRUTURAÇÃO OU CRESCIMENTO CONCEITUAL
Estudos recentes sobre o modelo de mudança conceitual questionam os aspectos de sua eficácia, estabelecendo críticas à sua metodologia, bem como, aos resultados finais a que se propõe atingir o referido modelo de ensino. O processo: “identificar os conhecimentos prévios, propor questionamentos que os confrontem, e através de sua ineficácia introduzir os modelos científicos”, pode de acordo com Mortimer (1995) produzir modificações conceituais, mas raramente alterações radicais de pensamento em seu uso mais amplo.
Para Hewson (1989) “as estratégias de ensino baseadas no modelo de mudança conceitual podem produzir a aquisição de conhecimentos científicos com mais eficácia que as estratégias de transmissão/recepção, contudo, em algumas ocasiões, a mudança conceitual obtida é mais aparente que real, pois após um certo tempo voltam a reaparecer algumas concepções que se julgavam superadas”.
Neste sentido, um aspecto fundamental a ser analisado sobre as críticas estabelecidas ao modelo de mudança conceitual, refere-se ao princípio sugerido por Monk (1995). Tal princípio consiste em assumir que as diversas concepções de um mesmo sujeito não são “entidades dispersas”, pelo contrário, elas se organizam e se estruturam em sistemas de alto nível de complexidade.
Os graus de estruturação das referidas concepções podem de acordo com Oliva, (2001) serem interpretados ao longo de um continuo entre duas tendências. Seguindo esta abordagem, em um extremo dessas tendências, se encontrariam os defensores da hipótese de que o pensamento é algo heterogêneo, ou seja, que mantêm um comportamento fortemente dependente do conteúdo e do contexto. Em outro, se encontrariam os que opinam que a mente humana seria homogênea e consistente, sendo desta forma, possível a identificação de estruturas de conhecimento universais.
Todavia, uma postura menos radical é aquela defendida por Oliva (op. cit.), isto é, a de considerar um ponto médio entre esses dois extremos. Esta tendência conduziria a uma interpretação de que os alunos ao abordarem como exemplo, um problema relacionado ao movimento, o fariam utilizando argumentos causais mais ou menos articulados com argumentos intuitivos. Segundo o mesmo autor, as mudanças conceituais observadas junto a respostas pontuais, estariam relacionadas a uma reestruturação das “teorias implícitas” em que se fundamentam estas respostas.
Neste contexto, a partir das críticas apresentadas e da consideração do “paralelismo” estabelecido por Posner et. al. (op. cit.) entre a mudança conceitual em ensino e a mudança conceitual em Ciências, alguns autores como (Gunstone et al., 1988; McDermott, 1991; Scott, 1993) chamam a atenção para a impossibilidade de mudanças conceituais radicais desassociadas de mudanças metodológicas. Como aponta Whitaker (1983) “as concepções alternativas em mecânica estão associadas à Física pré-newtoniana por uma metodologia caracterizada por ausência de dúvidas, e a não consideração de outras soluções para os fenômenos estudados”. Tal metodologia, objetiva a busca de respostas rápidas e seguras, baseadas apenas nas evidências dos sentidos e por tratamentos pontuais sem critérios de análises (Champagne et. Al. 1985).
Não obstante, entende-se que centrar o objetivo de ensino em mudanças conceituais radicais dos aprendizes, ao mesmo tempo em que é inviável, condena o referido ensino ao fracasso, pois, tal objetivo cria metas de aprendizagem fundamentadas na substituição de uma concepção, em geral considerada menos elaborada (concepções dos alunos), por outra, em geral considerada melhor elaborada (concepção científica), e tal substituição raramente ocorre.
Em uma nova abordagem, a idéia de mudança conceitual deveria ser compreendida como reestruturação ou crescimento conceitual (Silva e Latouff, 1996), visto que esta, comporta uma transformação de vários níveis, sendo estes relacionados aos esquemas causais dos indivíduos, bem como, aos esquemas gerais em que se fundamentam suas estruturas de pensamento. Como construção de conhecimento, o ensino deveria ser dirigido à evolução das idéias, e não à sua substituição (Oliva, op. cit.).
Assim, atividades de ensino de Ciências que pretendam manter coerência com os aspectos construtivistas discutidos deveriam como sugestão, exibir as seguintes características: Enfocar situações problemas suscetíveis de implicar aos alunos uma investigação dirigida; o trabalho em pequenos grupos; o intercâmbio entre esses pequenos grupos e a comunidade científica, que pode ser representada pelo professor, por textos, entre outros (Wheatley, 1991; Gil, 1992; Driver e Oldham 1986), além de não definir a meta de aprendizagem dos alunos em mudanças radicais de pensamentos, e sim, em crescimentos conceituais.
Em síntese, as críticas relacionadas às estratégias de ensino fundamentadas em mudanças conceituais, possuem dois eixos, a saber: o de centrar seus objetivos em modificações radicais das idéias dos aprendizes e o da seqüência descrita para atingir tais objetivos. Contudo, adotando por referencial alguns elementos do modelo de mudança conceitual como a valorização das idéias dos alunos, o questionamento de tais idéias e a reflexão acerca das mesmas, considera-se possível orientar a aprendizagem de Ciências como construção de conhecimento. Neste contexto, o tratamento dirigido de situações problemas abertas, pode resultar na elaboração de estratégias de ensino que superem os extremismos metodológicos verificados entre as práticas tradicionais e as práticas de aprendizagem por descobertas (Gil 1983; Millar e Driver 1987), bem como, apresentar resultados que mantenham coerência com aspectos de respeito aos conhecimentos prévios dos alunos, valorização de formulações de hipóteses, análises críticas dos fenômenos estudados, e de rompimento com concepções ingênuas de Ciências como a de que a mesma é imutável e “refletora da verdade”.
 
2.5 - EXTREMOS RESULTANTES DA SUPERAÇÃO DO MODELO DE MUDANÇA CONCEITUAL
As impossibilidades de substituição das concepções alternativas dos estudantes por modelos científicos conduzem a dois perigosos extremos como aponta Pozo, 1999:
1) A recuperação dos discursos relacionados às continuidades entre o conhecimento cotidiano e o científico.
De acordo com este ponto de vista, Pozo, (op. cit.) afirma que a Ciência seria uma continuação sofisticada da forma em que os indivíduos “resolvem” diariamente seus problemas.
Nesta perspectiva, não existiriam muitas diferenças entre as formas de pensar de um aluno e de um cientista, já que a Ciência não seria nada mais que uma continuação natural à maneira em que os seres humanos exploram e controlam seu contexto. Aprender Ciência desta forma, consistiria em uma tarefa apenas acumulativa que requereria por sua vez, alguns ajustes.
2) O surgimento do risco de uma excessiva contextualização ou de um certo relativismo do conhecimento científico.
Nesse extremo a impossibilidade de substituição das concepções alternativas pelas científicas dever-se-ia ao fato de que estas, as concepções alternativas, seriam formas diferentes de conhecer, que coexistem de modo independente junto a idéias científicas, servindo por sua vez, para contextos distintos dos científicos (Oliva, 1999). O problema desta abordagem é a idéia de que se os modelos científicos somente são eficazes nas condições de trabalhos intelectuais, para que ensinar Ciência a alunos que em sua imensa maioria não serão cientistas?
Como aponta Pozo, (op. cit.), “deve-se procurar conciliar a necessária coexistência representacional entre as diversas formas científicas e intuitivas de conhecimento, com uma integração conceitual e hierárquica das mesmas, frente a uma diferenciação contextual entre os diversos níveis dessas formas de conhecimento”.
Ainda de acordo com o mesmo autor “é possível contrapor uma diferenciação representacional ou cognitiva entre modos de pensamento, baseada na integração hierárquica entre formas de conhecimento, de modo que as mais potentes sejam capazes de explicar as mais simples sem, contudo, as anular, visto que estas (as mais simples), continuam eficazes para assimilar, predizer, controlar, muitas situações cotidianas de modo implícito, nas quais um modelo científico de forma explícita se mostraria mais ineficaz ”.
Para Pozo (op. cit.), um dos grandes problemas do modelo de mudança conceitual referese a uma certa generalização e por conseqüência, uma certa má interpretação estabelecida entre três níveis distintos de mudança conceitual:
- Evolutiva: seriam as mudanças conceituais que surgem como conseqüência de desenvolvimentos cognitivos; - Epistemológica: as mudanças conceituais próprias da história da ciência; - Instrucional: as mudanças conceituais que são produto do ensino.
Segundo esta abordagem, as mudanças conceituais são distintas para os três casos descritos.
Como indica Pozo, (op. cit.) “durante muito tempo, por influência da obra piagetiana, tentou-se equivocadamente, comparar a mudança instrucional à mudança evolutiva” Como se processos de explicitação de idéias, evolutivos e instrucionais, tivessem o mesmo papel ou função nos níveis citados.
Por outro lado, como já foi abordado, tem ocorrido nas últimas décadas, um estabelecimento de certo “paralelismo” entre a mudança conceitual instrucional e a mudança conceitual epistemológica. Neste sentido, posições radicais que assumem que os processos de produção de conhecimento científico devem ser usados como critérios para o desenvolvimento de atividades de ensino/aprendizagem de Ciências conduzem a um conjunto de críticas que podem por sua vez, indicar novas perspectivas ao campo educativo.
De um certo modo, a aprendizagem de Ciências não pode se apoiar essencialmente em atividades de pesquisa como fazem os cientistas, já que as atividades de aprendizagem de Ciências de um aluno são praticadas e são processadas em um contexto diferente do contexto científico, e as funções do professor são muito diferentes das funções de um diretor de um projeto de pesquisa (Pozo e Gómez Crespo, 1998). Como indica Coll (1990) “os cenários escolares possuem uma estrutura social e cognitiva própria, não redutível aos cenários científicos ou às dificuldades geradas por uma pesquisa”.
De outro modo, se as atividades de ensino abordarem a Ciência como uma determinada forma de construir modelos que representam partes do mundo que se conhece, aprender e ensinar Ciências consistirá, em boa parte, em desenvolver, contrastar, e argumentar diferentes modelos para diferentes tarefas e problemas (Pozo e Gómez Crespo, op. cit.).
Portanto, assume-se neste trabalho que um ensino de Física baseado em discussões de modelos, pode ser compatível aos novos referenciais educacionais de construção de conhecimento, já que a prática discente não se resumiria de acordo com esta abordagem, em repetir as explicações do professor, mas sim em argumentar, rescrever fenômenos em função de suas próprias teorias que aos poucos deverão ser explicitadas, reestruturadas, sem a intenção de serem substituídas , mas com o intuito de buscar diferentes enfoques aos fenômenos estudados.
No capítulo(3) será explicitado, com detalhes, o modelo educacional utilizado para fundamentar a elaboração das atividades de ensino de Física para alunos com deficiência visual, entretanto, adianta-se que o referido modelo contempla os novos referenciais educacionais de construção de conhecimento discutidos.
Em síntese, discutiu-se no presente capítulo, os seguintes temas: a necessidade da superação dos modelos de ensino/aprendizagem fundamentados na transmissão e/ou na descoberta autônoma de conhecimentos, a importância do erro do aprendiz no processo educativo, o modelo de mudança conceitual, e a superação do referido modelo. Objetivou-se por meio da discussão dos referidos temas, apresentar uma evolução histórica do ensino de Ciência enquanto campo de conhecimento, e também indicar a estrutura teórica sobre a qual fundamentaram-se as atividades de ensino de Física para alunos com deficiência visual. No próximo capítulo, será apresentada a referida fundamentação.

CAPÍTULO - 3
A ELABORAÇÃO DAS ATIVIDADES E DOS MATERIAIS DE APOIO
Este capítulo tem por objetivo apresentar as atividades elaboradas, o referencial educacional que norteou a elaboração das mesmas, bem como, os materiais de apoio utilizados durante o curso. Dessa forma, o presente capítulo possui um caráter inédito, visto que, representa a conclusão da primeira etapa que a presente pesquisa propôs cumprir, ou seja, a elaboração de atividades e materiais para o ensino de Física de alunos com deficiência visual.
 
3.1- A ESTRUTURA DO CURSO: CONCEITO DE ACELERAÇÃO
Com a finalidade de contextualizar a apresentação da estrutura que norteou a elaboração das atividades de ensino de Física desenvolvidas para alunos com deficiência visual, se retomará parcialmente o problema central da presente pesquisa, juntamente com algumas considerações preliminares.
De acordo com o que já foi exposto anteriormente, o objetivo desse trabalho é avaliar atividades de ensino de Física desenvolvidas para alunos com deficiência visual. Para tal, foi elaborado um conjunto de cinco atividades de ensino do conceito “aceleração”, conjunto este que se constituiu em um curso que foi aplicado a um grupo de alunos com a referida deficiência.
O curso foi estruturado em cinco encontros (aulas). A dinâmica das aulas abordou a aceleração e a desaceleração de um objeto, tendo como pano de fundo dois fatores causadores do referido fenômeno, o atrito e a gravidade. A ordem de aplicação das atividades obedeceu ao seguinte critério: (a) a contextualização do fenômeno estudado; (b) o aprofundamento do fenômeno estudado; (c) a aplicação dos conceitos trabalhados em um problema aberto.
Depois de definido o referido critério, havia também a necessidade de se definir qual dos dois fatores influenciadores para a aceleração seria primeiro trabalhado, o atrito, ou a gravidade.
Optou-se pelo atrito, pois se julgou que a atividade cujo objetivo era contextualizar esse conceito, seria mais adequada para ser a inicial, já que, possuía um fator de interação social melhor estruturado do que a atividade cujo objetivo era contextualizar o conceito gravitacional. Dessa forma, a seqüência de atividades ficou definida da seguinte maneira:
1) Vivência do atrito parte A: observação e contextualização do fenômeno.
2) Vivência do atrito parte B: o atrito e o conceito de desaceleração.
3) O estudo qualitativo da aceleração por meio de um plano inclinado.
4) Queda dos objetos: análises qualitativas e quantitativas.
5) Problemas abertos: posição de encontro.
Na seqüência, apresenta-se o modelo educativo que serviu de referência para a elaboração e condução de tais atividades. Este modelo, fundamentado no construtivismo, se apóia nos trabalhos de Wheatley (1991) e Peres et. al. (1999).

3.2 - MODELO PEDAGÓGICO PARA A ELABORAÇÃO E CONDUÇÃO DAS ATIVIDADES, BEM COMO, PARA A AVALIAÇÃO DOS ALUNOS
3.2.1-COMPONENTES PRÁTICOS E ELEMENTOS DE ESTRUTURA
A elaboração das atividades de ensino de Física, apoiou-se em 3 componentes práticos:
tarefas, grupos e debates (Wheatley, 1991). Essas atividades, todavia, possuem uma estrutura interna que se fundamenta em três elementos, denominados elementos de estrutura. São eles: (a) Interação com o objeto de estudo, (b) Resolução de problemas e (c) Confronto de modelos. (Peres et. al. 1999).
Tanto os componentes práticos, quanto os elementos de estrutura, objetivam permitir ao discente com deficiência visual:
1) Condições de observar o fenômeno estudado Para tal, construíram-se equipamentos e dispositivos que permitem a alunos com deficiência visual, estabelecerem interações auditivas e táteis com o objeto de estudo.
2) Condições para análises (qualitativas e quantitativas) das situações problemas Tendo em vista a sistematização de análises qualitativas e quantitativas dos fenômenos estudados por parte dos alunos com deficiência visual, dispôs-se aos mesmos, materiais que produzem interfaces sonoras e táteis com os dados coletados por meio dos equipamentos construídos, bem como, com textos e questões.
3) Elaborar estratégias e hipóteses para a resolução dos problemas propostos, e confrontar as hipóteses elaboradas ao corpo de conhecimento que se dispõe A fim de que modelos explicativos para os fenômenos estudados sejam explicitados e submetidos a questionamentos, as atividades contemplam momentos de trabalhos em grupos e de debates.
 
O processo prático de condução das atividades obedece a seguinte sistemática:
Inicialmente, apresenta-se aos alunos uma tarefa que se constitui na observação de um fenômeno e na reflexão de um problema relacionado a tal fenômeno (Interação com o objeto de estudo). Em seguida, os alunos em pequenos grupos, trabalham na realização destas tarefas (resolução de problemas). Por fim, a classe toda se reúne para um debate, e os grupos de alunos apresentam para seus colegas e para o professor, as soluções que obtiveram para o problema que foi trabalhado (confronto de modelos) (Wheatley, op. cit.).
No contexto descrito, as ações docentes durante a condução das atividades podem ser apresentadas da seguinte maneira: Durante o trabalho em grupo, o professor deverá circular pelos grupos, atendendo aos alunos que necessitam de sua ajuda. No momento do debate, ele deverá coordenar o andamento do mesmo, intervindo e auxiliando sempre que necessário. Suas intervenções devem sempre buscar a síntese de idéias, a organização de modelos propostos pelos alunos, a coordenação de confrontos entre esses modelos, e a introdução dos modelos científicos, confrontando-os com os apresentados pelos alunos.
A estrutura da condução das atividades será apresentada com detalhes no tópico (3.3).
Antes, contudo, será realizada uma análise crítica acerca do tema avaliação, e por meio de tal crítica, discriminar-se-á o posicionamento tomado neste trabalho sobre os critérios de avaliação da aprendizagem dos alunos. Observa-se que a referida avaliação da aprendizagem dos alunos encontra-se no capítulo (5).
 
3.2.2-AVALIAÇÃO, ANÁLISE CRÍTICA E POSICIONAMENTO
Um outro referencial fundamental a ser definido em uma atividade de ensino de Física elaborada e aplicada junto a alunos com deficiência visual, refere-se a avaliação da aprendizagem dos discentes. Acerca desse tema, cabe a seguinte análise crítica:
Parece absolutamente necessário refletir sobre a questão da avaliação na perspectiva do ensino de Física de pessoas com deficiência visual, já que a mesma assume uma importância significativa em relação aos segmentos educativos e sociais. Enquanto instrumento ideológico, a avaliação pode servir a um determinado projeto e inviabilizar outros, determinar quais alunos permanecerão na escola, bem como, eliminar os que não correspondem aos valores de classe que a permeiam (Sordi, 1995). Não obstante, é indiscutível o reconhecimento por boa parte dos educadores da dificuldade das ações avaliativas no processo ensino-aprendizagem. Motivadas por conflitos provenientes de exigências discentes, bem como, de insatisfações docentes, tais dificuldades tornam-se acentuadas no indissociável contexto escolar e social. Através da avaliação, controles de saberes, ações, pensamentos, e progressos relativos a níveis educativos e profissionais são exercidos sem maiores críticas ou análises, assumindo por sua vez, um caráter subjetivo, desapercebido, ou mesmo de justiça e normalidade.
Por outro lado, esquivando-se de suas responsabilidades próprias, a escola, verdadeiro palco de contradições, acaba sob a fundamentação de discursos de igualdade, impedindo que alguns indivíduos dêem continuidade aos seus estudos, atribuindo aos mesmos, a responsabilidade de “seu fracasso”. Soares (1981) destaca que “oferecer oportunidades educacionais significa oferecer ensejo, ocasião para que o indivíduo se eduque, mas não significa, nem semanticamente nem na práxis do sistema de ensino, oferecer condições para que o indivíduo se eduque”.
Neste contexto, a avaliação é, dentre os elementos que constituem o processo de ensino, aquele que melhor retrata uma concepção teórica de educação e que, por sua vez, melhor traduz uma concepção teórica de sociedade. A resistência por parte dos estudantes diante dos professores que vivem uma prática pedagógica democrática e libertadora pode ser compreendida pela relação descontextualizada e burocrática (Pietrocola e Pinheiro, 2000) que os mesmos acostumaram-se a estabelecer com conteúdos de ensino e procedimentos de avaliação. Como afirma Hextall (1976), “a avaliação que se processa é sobre homens e deixa entrever nossa concepção deles. Define hierarquicamente quem tem o poder de julgar uma pessoa ou um produto como superior ao outro. Define qual é o conhecimento e quem tem o direito de conhecer”.
Dessa forma, o sistema de avaliação preconizado acaba se constituindo em um instrumento de controle, tanto da qualidade do desempenho do aluno em nível cognitivo, quanto da qualidade de seu ajustamento às normas de convivência estabelecidas pela instituição (Sordi, op. cit.).
Neste sentido, a contextualização do ensino de Física de alunos com deficiência visual, nos limites atuais da prática avaliativa, reforça a crítica estabelecida. É possível constatar dentro de uma perspectiva quantitativa, a ausência de tais indivíduos no contexto escolar, bem como, dentro de uma perspectiva qualitativa, as dificuldades que aqueles poucos que participam de tal contexto, experimentam. Os atributos do fracasso desses indivíduos, ao mesmo tempo em que adquirem aspectos de satisfação, vedam por assim dizer, a necessária observação e utilização de novos instrumentos de avaliação, que por sua vez, não privilegie uma determinada camada de pessoas, mas, proporcione igualdades, e que além disso, represente instrumento de aprendizagem e não de seleção ou autoritarismo. Como observa Enguita (1989) “o registro global dos cadáveres que a escola deixa pelo caminho é espetacular, mas a ele se chega como resultado de um lento gotejar. O resultado final é a exclusão, mas a dispersão casuística reforça a idéia de que se trata de problemas individuais de que a escola não pode ser proclamada culpável”.
Não obstante, é necessário de acordo com Demo (1987) o estabelecimento de uma discussão em torno da qualidade formal e da qualidade política. “A primeira refere-se a instrumentos e a métodos, a segunda, a finalidades e a conteúdos”. Portanto, as críticas estabelecidas ao fenômeno avaliativo, conduzirão a análises e escolhas de instrumentos de avaliação de práticas educativas de Física, que proporcione ao mesmo tempo, a observação da qualidade do ensino praticado, o nivelamento das ações concretas desempenhadas por indivíduos com deficiência visual e por indivíduos que não apresentem tal deficiência no ambiente educativo, e a superação dos modelos de avaliação que contribuem apenas às desigualdades.
As pesquisas realizadas no campo educativo de acordo com Linn, (1987) não se consolidarão se alterações no âmbito da avaliação não forem efetuadas. Nesse sentido, se a avaliação continuar sendo caracterizada apenas por provas pontuais e terminais, pouco valerão as inovações de métodos, estratégias e objetivos pretendidos (Peres, 1999).
Os aspectos subjetivos que contextualizam as práticas avaliativas de Física de grande parte dos sistemas educacionais nos seus mais variados graus parecem apontar um caminho de críticas absolutamente necessárias à superação de tais práticas. O questionamento de atitudes preconceituosas como: a atribuição de níveis de dificuldades à um dado exercício através das características - sexo, disciplina, deficiências físicas ou sensoriais - dos alunos que o resolveram (Hoyat, 1962; Llopis e Llorens, 1983), ou o questionamento de aspectos subjetivos como a variação das notas à uma mesma prova dada por vários professores, ou de um mesmo professor a mesma prova, mas, após algum tempo, demonstra as falhas e as incertezas do instrumento avaliativo em discussão e aponta que o mesmo afeta o que se pretende medir (Spears, 1984).
As idéias de que somente uma pequena parcela dos alunos é capacitada para a compreensão dos conteúdos de ciências, e de que um professor que aprove a maioria de seus alunos com boas notas, não é um bom professor ou não é um professor sério também são bastante comuns e difundidas entre educadores. Desta forma, as críticas e superações de tais subjetividades que envolvem o fenômeno avaliativo, abrem oportunidade à implantação de novos instrumentos de avaliação, mais coerentes a uma proposta de construção de conhecimento, bem como, de inclusão social.
Não obstante, as características de uma avaliação que faça parte do processo ensinoaprendizagem, devem contemplar os aspectos formativos, diagnósticos, de crescimento do conhecimento do aluno ao longo de todo processo de ensino, superando desta forma, os aspectos de pontualidade e de classificação. Uma outra característica que deve possuir a avaliação enquanto instrumento atuante no processo ensino-aprendizagem é sua extensão aos aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais da aprendizagem de Física, por meio do rompimento de reduções com aquilo que permite medidas mais fáceis e rápidas do suposto conhecimento adquirido, ou seja, a memorização repetitiva dos conhecimentos teóricos e por conseqüência, sua aplicação igualmente repetitiva por meio de exercícios.
De acordo com Peres et. al. (op. cit.) “as características da avaliação para que se converta em um instrumento de aprendizagem”, passam pelos seguintes pontos: o professor deve considerar-se co-responsável pelos resultados obtidos por seus alunos; deve alterar seu foco de preocupações em relação aos aprendizes, ou seja, tirar o foco das preocupações das notas, e colocá-lo junto às preocupações de ajuda. Nessa perspectiva, os alunos deverão comparar suas produções com as de outros grupos de alunos, bem como, com os resultados científicos, resultados estes, que devem fazer parte das argumentações docentes.
Cabe ressaltar no contexto descrito, a importância que atividades em grupos e ações colaborativas adquirem (Linn, 1987). Neste sentido, superam-se as características de individualidade, de radicalidade em relação às argumentações de certo e errado, de verdades absolutas, de autoritarismo e de classificações pontuais (Baird, 1986), embora estas, caracterizem em demasia a prática social vigente.
Por fim, um aspecto fundamental no contexto avaliativo a ser discutido, refere-se aos erros cometidos pelos alunos. O que se considera erro, na perspectiva de avaliação aqui discutida, não é, ou seja, quando um indivíduo apresenta algum tipo de produção de conhecimento, seja tal produção considerada correta ou não, está demonstrando como se encontram seus pensamentos sobre o assunto em questão naquele momento. Nessa perspectiva, em relação à avaliação, o que se considera fundamental é o seu objetivo, isto é, se avalia, em função de replanejamentos.
Avaliar sobre esta óptica é possibilitar ao aluno, avanços.
Portanto, no contexto do aluno de Física, com deficiência visual, as alterações discutidas no âmbito da avaliação demonstram ser indispensáveis. A participação em pequenos grupos, a observação do professor de suas manifestações orais e/ou por meio de gestos, a utilização de anotações em braille ou em computadores para a elaboração de textos ou cálculos, a gravação de diálogos, a flexibilização das provas bem como seu posterior feedback, destacam-se nesta perspectiva. É no contexto avaliativo de pessoas com deficiência visual, que o ensino de Física, apresenta significativas lacunas e resistências, e é onde uma mudança de paradigma educacional tem a oportunidade de não se apresentar apenas discursiva.
Na seqüência, serão apresentadas com detalhes as etapas constitutivas das atividades.
 
3.3 - ETAPAS CONSTITUTIVAS DAS ATIVIDADES
Após apresentar o modelo pedagógico que norteou a elaboração das atividades, e realizar algumas reflexões acerca do tema avaliação, retoma-se neste tópico uma discussão mais específica acerca das atividades elaboradas, ou seja, descrimina-se com detalhes, atitudes docentes e discentes que poderão ser adotadas no decorrer da aplicação das mesmas.
O professor durante o momento de aplicação das atividades, deverá conduzi-las na direção de objetivos predeterminados. Suas ações seguirão a condução de cinco etapas descritas abaixo:
 
Etapa I: Interação e observação do fenômeno
Nesta etapa é apresentado pelo professor aos alunos, o problema central da atividade, e é concedido aos mesmos, um período de observação do fenômeno a ser estudado. Exemplo: Tateamento de objetos, de equipamentos, da estrutura constitutiva de determinado artefato, bem como, audição dos fenômenos sonoros.
Pretende-se que consciente do problema central da atividade, e por meio da interação e da observação do fenômeno, o aluno, inicie a elaboração de soluções à questão que a ele foi formulada. Como indicam Perez et. al. (1999), é fundamental que uma atividade de ensino de Física se preocupe em dar sentido à situação estudada, a fim de evitar que os alunos se vejam submergidos no tratamento de um fenômeno sem haver podido sequer formar acerca do mesmo, uma primeira idéia motivadora.
Etapa II: Trabalhando em grupo
Após observarem os fenômenos, os alunos, divididos em grupos, poderão discutir e propor soluções para o problema central da atividade. Neste momento, o aprendiz terá a oportunidade de elaborar conceitos e emitir hipóteses acerca do fenômeno estudado, e desta forma, suas concepções prévias ou alternativas devem ser explicitadas, a fim de que sejam submetidas a questionamentos e postas em prova pelo grupo (Peres, et, al, 1999).
Etapa III: O debate
Esgotado o tempo reservado para as etapas I e II, os grupos, por meio de um debate aberto, se comunicarão acerca de suas soluções para o problema central da atividade.
Pretende-se que no decorrer da apresentação em grupo, alguns elementos de observação e solução do fenômeno ou da experiência sejam melhores precisados e discutidos. Dessa forma, será oportuna uma ocasião para que os grupos argumentem, peçam esclarecimentos, façam comentários, e proponham modelos para explicar o fenômeno estudado.
Etapa IV: Mediação
O modelo científico de explicação do fenômeno estudado será representado por um dos elementos de mediação do professor (elemento: III.IV), por textos, ou maquetes (ver tópico sobre definição das categorias de análise).
Pretende-se proporcionar nas etapas III e IV, um momento para que ocorra o intercâmbio de idéias, de experiências vividas, e de sugestões para novas soluções do referido fenômeno estudado (Santos, 1998). Assim, por meio do confronto entre os citados modelos e os científicos, podem surgir conflitos cognitivos entre concepções distintas tomadas todas como hipóteses, o que pode conduzir o indivíduo a reformulações conceituais (Perez et. al. op. cit.).
Etapa V: Avaliação
Centrado nas qualidades das falas e dos processos que os alunos irão apresentar e/ou serem submetidos, um momento denominado “avaliação” encerrará a atividade. Neste momento, será apresentada aos alunos uma questão aberta, relacionada com o tema da atividade, que poderá ser respondida por eles, oralmente ou em Braille.
De caráter diagnóstico e não classificatório, tal avaliação tem por objetivo observar se após a realização das etapas anteriores, as explicações dos alunos a questão que a eles foi colocada, aproximaram-se ou não das explicações científicas. Entretanto, os alunos estarão sendo avaliados durante todo o processo de condução das atividades. Suas opiniões durante o trabalho em grupo, suas explicações para os fenômenos estudados apresentadas durante os debates, serão consideradas referenciais de avaliação.
Não obstante, como os processos de aprendizagem são dinâmicos, entende-se que a avaliação da aprendizagem dos discentes participantes das atividades, não pode ser realizada com a obtenção de todos os pontos dos “caminhos cognitivos” percorridos pelos alunos, pois, tais processos podem ocorrer fora dos encontros em classe (Ludcke e André, 1986; Moreira, 1988).
Contudo, como já foi mencionado, a avaliação da aprendizagem dos alunos levará em conta os processos desenvolvidos ao longo de uma determinada atividade, bem como, ao longo de todo curso.
Apresentar-se-á na seqüência, um dos materiais de apoio desenvolvidos e que foi utilizado durante a aplicação das atividades, ou seja, um Cd que contem textos falados, questões e um problema aberto.
 
3.4 - A PRODUÇÃO DE UM CD: MATERIAL DE APOIO AUDITIVO
Com a finalidade de que os alunos com deficiência visual pudessem observar os fenômenos estudados, analisar dados, bem como, terem acesso a textos e questões, elaboraram-se ou adaptaram-se materiais de apoio que foram utilizados durante a realização das atividades.
Aqui será apresentada a descrição de um desses materiais, ou seja, um CD (material de apoio auditivo) que contem textos e problemas falados, além de um evento sonoro. A apresentação dos outros materiais produzidos se dará por ocasião da apresentação das atividades, visto que, com exceção do CD, todos os outros materiais faziam parte de uma determinada atividade, enquanto que o CD, era parte do curso completo.
Em outras palavras, como todas as atividades possuíam problemas centrais e problemas finais, três delas possuíam textos de apoio, e uma um problema representado por um evento, concluiu-se que a disposição dos referidos problemas, textos e evento em formato auditivo, poderiam apoiar não só os alunos com deficiência visual, mas também o professor, pois o tornaria autônomo ao que se refere a utilização desses elementos durante a condução das atividades.
Assim, com o objetivo de possuir um material didático de física com as seguintes características: (1) Ser inovador no sentido de disponibilizar textos, questões, eventos, no formato de áudio; (2) Ser de fácil utilização em sala de aula por alunos com deficiência visual e por professores; (3) Ser de fácil utilização por alunos com deficiência visual em momentos fora da sala de aula; elaborou-se um CD denominado: “O ensino de física no contexto da deficiência visual” como um dos materiais didáticos para alunos com deficiência visual, e utilizou-se o referido CD durante a aplicação das atividades.
Obs) O referido CD encontra-se em anexo ao final da presente tese de doutorado.
Este CD contem três textos falados: “Entre tapas e beijos” (Atividade-1), “Texto sobre o atrito” (Atividade-2), e o texto “Gravidade” (Atividade-3), além de possuir a gravação do problema central de cada atividade, das avaliações, e de um evento sonoro que representa por sua vez uma situação problema aberta (Atividade-5).
Dessa forma, após a elaboração dos textos, problemas e do planejamento do evento sonoro, fez-se contato com um estúdio de gravação e com um locutor, para a produção do referido evento e para a leitura dos já citados textos e problemas. Depois do término da aplicação das atividades, cada aluno participante das mesmas recebeu uma cópia desse material. Não se entregou o CD antes do término do curso, pois o contato prévio dos alunos com atividades que ainda não haviam sido trabalhadas, não fazia parte do planejamento de pesquisa.
Na seqüência serão apresentadas as cinco atividades que foram elaboradas e aplicadas junto a um grupo de alunos com deficiência visual. Juntamente com a apresentação das referidas atividades, serão discriminados os materiais que as constituem, e a maneira em que foram construídos ou adaptados.
 
3.5 - MATERIAIS E ATIVIDADES DE ENSINO DE FÍSICA PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
No presente tópico serão apresentadas as cinco atividades de ensino de Física desenvolvidas e aplicadas a um grupo de alunos com deficiência visual. Em conjunto com as atividades, também são apresentados os materiais desenvolvidos e que faziam parte de cada atividade específica.

3.5.1 - ATIVIDADE (1): VIVÊNCIA DO ATRITO: PARTE A: OBSERVAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO FENÔMENO
Objetivo:
Proporcionar oportunidades para que alunos com deficiência visual reconheçam por meio do referencial do atrito, diferentes objetos e superfícies, a fim de contextualizar o estudo do referido fenômeno.
Materiais a serem utilizados:
a) Bichos de pelúcia, tapetes, carpetes, diferentes tipos de toalhas plásticas e os seguintes tecidos: veludo, tecido felpudo e flanela. Cada material citado acima foi cortado em um tamanho aproximado de 0,5m de comprimento por 0,5m de largura.
b) Lixas e palha de aço.
Procedimentos:
I. Interação e observação do fenômeno Deixar os alunos tocarem os vários tipos de objetos, bem como, esfregarem um objeto ao outro. Dessa forma, eles poderão perceber tatilmente o quanto esses objetos são lisos, macios, ásperos, e as diferentes interações provenientes dos contatos entre os diversos tipos de materiais.
Pretende-se com este procedimento, contextualizar o tema “atrito” afim de que situações da vida cotidiana desses alunos relacionadas ao referido tema venham a tona e sejam discutidas.
II. Trabalhando em grupo a) Solicitar aos alunos para que em grupo discutam as diferenças e semelhanças observadas tatilmente entre os objetos, e entre as interações provenientes dos contatos desses objetos.
b) Solicitar aos alunos para que em grupo discutam situações de seus cotidianos onde estejam presentes questões relacionadas com as características observadas, ou seja, com o atrito.
c) Solicitar aos alunos para que em grupo discutam situações onde o atrito pode ser encarado como necessário ou desnecessário.
Neste momento da atividade, o professor estará atendendo os grupos no sentido de prestar-lhes auxílio quanto ao esclarecimento de possíveis dúvidas e quanto ao direcionamento das discussões propostas.
III. O debate Após os alunos terem discutido em grupo as questões sugeridas acima, solicitar para que cada grupo exponha ao restante dos alunos, suas conclusões. Tal exposição deverá estar aberta à discussão ou intervenção de outros alunos do grupo ou fora do grupo.
IV. Mediação do professor Apresentar por meio de um toca CD e discutir com os alunos o texto abaixo.

Entre tapas e beijos
“Na Física, a idéia de contato está relacionada à interação que surge quando objetos se tocam. Podemos entender essa idéia se pensarmos em nosso próprio corpo. Ele está equipado para sentir estas interações, que podem se manifestar sob as mais diferentes formas, produzindo uma grande variedade de sensações em nossa pele. Uma boa bofetada, por exemplo, corresponde a uma interação entre a mão de quem bate e a face de quem recebe, assim como um carinho. Do ponto de vista da Física essas duas interações são de mesma natureza. Uma diferença básica entre elas é a intensidade da força aplicada: um tapa, em geral, significa uma força muito mais intensa do que um carinho. Porém há outra diferença importante entre o tapa e o carinho: a direção da força aplicada. Em um tapa, a força é na direção perpendicular à face da vítima e no carinho, em geral, essa força ocorre numa direção paralela à pele. Essa distinção também ocorre em outras situações em que existe o contato entre os objetos. Em batidas, chutes, pancadas, beijos, espetadas, ou mesmo simplesmente quando um objeto se apóia sobre outro, temos forças que agem na direção perpendicular ou normal à superfície dos objetos e por isso são denominadas forças normais. Em outros casos, a força aparece na direção paralela à superfície. É o que ocorre em situações como arranhões, raspadas, esfregadas, deslizamentos, etc. Em geral, essas forças recebem o nome de forças de atrito. Portanto, os efeitos das forças de contato entre objetos dependem da maneira como são aplicadas, paralela ou perpendicular à superfície. Mas não é só isso que influi. Também são importantes: a intensidade da força, as características dos objetos e de suas superfícies, e o tempo em que eles permanecem em contato” (Copelli, et. Al. 1998).

3.5.2-ATIVIDADE (2): VIVÊNCIA DO ATRITO: PARTE B: O ATRITO E O CONCEITO DE DESACELERAÇÃO
Problema central da atividade:
Quais são os principais fatores que influenciam o movimento do bloco? O “peso” do objeto é importante? Seu formato é importante? Ambos são importantes? Como podemos descobrir?
Objetivos
a) Compreender o atrito como resultado do contato e do deslizamento de uma superfície sobre outra.
b) Observar tatilmente o comportamento do movimento de blocos de madeira sobre superfícies de diferentes polimentos (o conceito de desaceleração).
Materiais a serem utilizados:
1) Três superfícies, sendo uma áspera como uma lixa, outra bem lisa, e uma outra com um polimento intermediário.
2) Blocos de madeira em formato de paralelepípedo, de mesmas superfícies, e diferentes massas.
Obs) As massas dos blocos eram aproximadamente de: 100g, 300g, e 500g.
3) Uma maquete contendo:
a) Uma superfície muito enrugada para representar macroscopicamente o atrito.
b) Um objeto enrugado.
Obs) Tanto a superfície quanto o objeto, devem permitir ao aluno com deficiência visual observar com o tato suas saliências.
4) Uma maquete contendo:
a) Um pedaço de um cabo de vassoura de 30cm de comprimento, fixo perpendicularmente a uma pequena tábua de 30cm de comprimento por 20cm de largura. Com este objeto, pretendese representar uma reta normal a uma superfície.
b) Três pedaços de madeira de 5cm de largura por 15cm de comprimento, fixos paralelamente a uma pequena tabua de 30cm de comprimento por 20cm de largura. Pretende-se com este objeto, representar retas paralelas.
Este material objetiva contribuir para a construção dos conceitos de força normal e de força de atrito, visto que, utiliza-se de um referencial tátil para a observação de retas dispostas perpendicularmente e paralelamente.
 
Procedimentos
I. Interação e observação do fenômeno Empurrar os diferentes blocos de madeira, em diferentes posições sobre as superfícies lisas e ásperas, e observar tatilmente o que ocorre com o movimento desses blocos nas diferentes superfícies.
II. Trabalhando em grupo
Em grupo, explique:
a) Que ações podem ser realizadas sobre os blocos de madeira para movê-los? A massa do bloco é importante? Seu formato é importante? Ambos são importantes? Como podemos descobrir?
b) Qual é a relação entre as diferenças na massa dos objetos e as diferenças em sua mobilidade?

III. O debate
Proporcionar um debate entre os grupos, para que os mesmos possam apresentar suas conclusões sobre o fenômeno observado. Durante este debate, o professor poderá apresentar os argumentos científicos sobre o tema em questão, funcionando dessa forma, como mais um grupo participante da discussão.
IV. Mediação do professor
O professor poderá apresentar os argumentos científicos utilizando-se da maquete do atrito, e do texto abaixo previamente gravado.

Texto sobre o atrito
Para iniciarmos o movimento de um bloco que está apoiado sobre uma superfície, sentimos uma certa resistência. Geralmente, assim que o movimento do bloco se inicia, essa resistência diminui. Isto ocorre, pois, quando fazemos a superfície de um corpo escorregar sobre a de outro, cada corpo exerce sobre o outro, uma força paralela às superfícies. Essa força é denominada Força de Atrito. A força de atrito sobre cada corpo tem sentido oposto ao seu movimento em relação ao outro corpo, e dessa forma, as forças de atrito se opõe ao movimento, nunca o favorecem.
Em nosso dia a dia, o atrito exerce uma função fundamental. O movimento de um carro, por exemplo, só é possível porque existe uma força na direção e no sentido do movimento do mesmo. O processo é basicamente o seguinte: a queima do combustível no motor provoca o movimento de pistões que é transmitido para as rodas, e consequentemente para os pneus. Esses, através de uma força de contato empurram o chão para traz (ação) e o chão empurra o carro para frente (reação). Sem essa reação que também é uma força de contato ou de atrito, o carro não sairia do lugar e os pneus deslizariam sobre o asfalto. Se não houvesse o atrito, ou seja, se tudo fosse muito liso e escorregadio, caminhadas, corridas, passeios de carro, de ônibus etc., se tornariam quase que impraticáveis. Segurar um punção ou mesmo ler um texto em Braille seriam tarefas complexas.
A força de atrito entre um par qualquer de superfícies secas, não lubrificadas, obedece a duas leis empíricas:
1) É aproximadamente independente da área de contato, dentro de amplos limites.
2) É proporcional à força normal.
Vamos tentar entender a força normal analisando um caixote cheio de areia sobre uma mesa. O caixote, sob a ação da gravidade, (Força Peso) é comprimido contra a superfície da mesa, Que reage com uma força igual em intensidade, mas em sentido contrário, denominada força normal. Assim, a força normal é uma força perpendicular à superfície de apoio, exercida por esta ao objeto.
Do ponto de vista macroscópico, a área real de contato entre dois objetos é muito pequena, limitando-se a alguns pontos. Sendo assim, a pressão nesses pontos é bastante grande, o que provoca a união dessas pequenas regiões. Na maquete do atrito representamos em detalhe a área de contato entre um caixote e uma mesa. Observe que o contato ocorre apenas em pequenas regiões da base do caixote. O atrito surge da necessidade de quebrar essas uniões quando se tenta fazer um objeto deslizar sobre outro. Iniciado o deslizamento, as uniões já existentes são quebradas e outras são formadas.
O que diferencia uma determinada superfície de outra, é a natureza dessa superfície, bem como, sua condição de polimento e de lubrificação. Entretanto, como representado na maquete, ao nível atômico, mesmo a superfície mais cuidadosamente polida está longe de ser plana. Portanto, O atrito depende da natureza, do grau de polimento dos materiais que formam os objetos, e da lubrificação entre eles. Se as superfícies de contato forem polidas e lubrificadas, a intensidade dos contatos nas uniões será menor, diminuindo a força de atrito. Dessa forma, para atenuar os efeitos do atrito costuma-se colocar lubrificantes entre as duas superfícies, pois, os óleos diminuem os números de uniões entre as mesmas (Resnick e Halliday, 1984 e Gonçalves e Toscano, 1997).

IV. Avaliação
Responda: Como uma pessoa, em repouso sobre a superfície gelada e muito lisa de um lago, poderia alcançar a margem?
 
3.5.3 - ATIVIDADE (3): O ESTUDO QUALITATIVO DA ACELERAÇÃO POR MEIO DE UM PLANO INCLINADO
Problema central da atividade
Explique a variação do intervalo de tempo dos sinais emitidos pela sirene durante a subida e durante a descida do carrinho no plano inclinado.
Objetivo
A construção do conceito de aceleração da gravidade por meio da observação auditiva da variação da velocidade de um carrinho que se move sobre um plano inclinado.
Materiais a serem utilizados
a) Carrinho com rodinhas. Aqui se adaptou um carrinho de brinquedo que imita um carro de bombeiros, de tal forma que o circuito elétrico constituído pela sirene do carrinho e as baterias, fica aberto com os fios de ligação expostos do lado de fora desse objeto móvel. Dessa forma, durante a descida do plano inclinado, a sirene do carrinho emitirá um som quando os fios de ligação tocarem a parte condutora do plano inclinado (papel alumínio), e deixará de emitir som quando os fios condutores tocarem a parte isolante do referido plano (madeira).
b) Superfície de madeira de 2,0m de comprimento por 15cm de largura.
c) Fitas de papel alumínio de aproximadamente 15cm de comprimento por 1cm de largura.
d) Sirene do carrinho.
e) Alguns ímãs.
f) Objetos que sejam sensíveis à atração magnética.

Montagem do artefato: plano inclinado com interface sonora
Neste artefato, a superfície do plano inclinado deve variar espaços condutores (fitas de papel alumínio), e espaços isolantes (madeira). A dimensão dos espaços deve ser a mesma, ou seja, 19cm de superfície isolante seguido de 1cm de superfície condutora. De acordo com as medidas dispostas, haverá aproximadamente 10 espaços isolantes e 10 espaços condutores. Um carrinho, trazendo uma sirene conectada a um circuito aberto contendo dois fios condutores e duas baterias de 1,5V devem se mover sobre o plano inclinado. As duas pontas dos fios condutores devem estar do lado de fora do carrinho, em contato com o plano inclinado. Dessa forma, quando os fios estiverem em contato com a parte condutora do plano inclinado, o circuito se fechará e a sirene emitirá um som, e quando os fios tocarem a parte isolante do plano inclinado, o circuito se abrirá e o som não será emitido.
Procedimentos
I. Interação e observação do fenômeno
a) Com um impulso dado pelas mãos, fazer com que o carrinho suba o plano inclinado. O aluno poderá observar auditivamente a diminuição da velocidade do carrinho, por meio do aumento do intervalo de tempo entre um sinal e outro da sirene.
b) Deixar o carrinho descer o plano inclinado. O aluno poderá observar auditivamente o aumento da velocidade do carrinho, por meio da diminuição do intervalo de tempo entre um sinal e outro da sirene.
c) Com o apoio de blocos de madeira, o ângulo do plano inclinado poderá ser variado e dessa forma, o aluno poderá fazer outras comparações entre os intervalos de tempo de emissão do som da sirene, e a variação da velocidade do carrinho.
II. Trabalhando em grupo
Em grupo, solicitar aos alunos para que discutam e apresentem suas explicações para a variação do intervalo de tempo dos sinais emitidos pela sirene. Cada grupo deverá chegar a uma conclusão sobre o fenômeno observado.
III. O debate
Proporcionar um debate entre os grupos, para que os mesmos possam apresentar suas conclusões sobre o fenômeno observado. Durante este debate, o professor poderá apresentar os argumentos científicos sobre o tema em questão, funcionando dessa forma, como mais um grupo participante da discussão.
IV. Mediação do professor
1) Tendo em vista o problema central dessa atividade, ficar atento às explicações dos alunos, no sentido dos mesmos se utilizarem de termos como aceleração, desaceleração, velocidade, força, gravidade etc.
2) Por meio do diálogo com os alunos durante o debate, procurar compreender qual o significado utilizado por eles para esses termos.
3) Trabalhar com os conceitos de aceleração e desaceleração, por meio das relações entre as observações sonoras feitas pelos alunos, e as variações da velocidade do carrinho.
4) Questionar o porque da variação do som observado.
5) Apresentar o conceito de gravidade utilizando-se de comparações com outro tipo de ação à distância como a magnética. Dispor aos alunos para observação tátil, ímãs e materiais que por ele são atraídos.
6) Apresentar aos alunos, a gravação do texto “Gravidade”.

Texto: Gravidade
Você é capaz de imaginar como seria viver sem peso? O que aconteceria se a gravidade deixasse de existir?
Se isto ocorresse, não haveria justificativa para que tudo aquilo que se encontra apoiado sobre a superfície da Terra permanecesse assim: nós, os automóveis, a água dos oceanos, a atmosfera, vagaríamos pelo espaço.
E se a gravidade não desaparecesse, mas fosse apenas muito pequena, que alterações ocorreriam na nossa forma de viver?
Andar por exemplo, seria bem diferente, pois o tempo necessário para erguer o pé e fazê-lo retornar ao solo seria bem maior. Além disso, o atrito entre o pé e o chão seria menor, o que dificultaria nossos movimentos. Escutar os sons também seria diferente, porque em um lugar de pequena gravidade, não há atmosfera, e o som precisa de meio material para se propagar. Portanto, as ondas sonoras utilizariam como meio o nosso próprio corpo e o solo.
Estamos tão acostumados à gravidade terrestre que esquecemos como ela influencia nossa forma de viver. Podemos pensar numa situação aqui na Terra, nada agradável, mas equivalente a uma situação de “aparente ausência de peso”. Imagine-se dentro de um elevador, cujo cabo se rompe e o sistema de segurança não funciona. O elevador despenca. O que ocorreria com o peso dos passageiros? O elevador cai devido à gravidade, as pessoas perdem contato com o piso, “flutuam” e têm a sensação de “ausência de peso”. Todos caem simultaneamente e não há como medir o peso das pessoas ou dos objetos dentro do elevador. Quando uma balança cai em queda livre, é impossível medir o peso de qualquer objeto que se coloque sobre ela, porque ele não pressiona a balança. Embora exista o peso do objeto, a balança não consegue medi-lo.
Dessa forma, só não haveria peso se existisse um local onde não houvesse gravidade.
As situações em que há uma aparente “ausência de peso” chamam-se estado de imponderabilidade. Se uma pessoa estiver em estado de imponderabilidade, poderá facilmente carregar um caminhão. Em compensação, registrar anotações não é nada fácil, uma vez que ocorre também ausência de contato para apoio e, portanto, de atrito.
Tente imaginar como seria difícil abrir a gaveta de um armário sem apoio e sem atrito.
Fisiologicamente, algumas alterações também ocorrem no estado de imponderabilidade. Fica mais fácil ao coração bombear o sangue para todas as regiões do corpo; a pressão para baixo, sobre a coluna vertical, deixa de existir. Aliás, o “para cima” e o “para baixo” perdem completamente o significado, pois também deixa de existir uma direção privilegiada (Adaptado de Gonçalves e Toscano, 1997).

IV. Avaliação
Responda: Por que os objetos caem?
 
3.5.4 - ATIVIDADE (4): QUEDA DOS OBJETOS
Objetivos
Tendo em vista a construção do conceito de aceleração da gravidade, viabilizar ao aluno com deficiência visual, a observação auditiva e tátil da queda de um objeto, bem como, a análise quantitativa desse movimento por meio do cálculo da velocidade média e da aceleração.
Materiais a serem utilizados
a) Tubo de PVC de 1,8 m de altura com 102 mm de diâmetro interno.
b) Sensores magnéticos para alarme.
c) Um disco metálico e um imã.
d) Chapa dobrada.
e) Bobina, oscilador e potenciômetro.
f) Rolo de fita de papel para marcador de tempo.
Obs) Utilizou-se um pedaço de fita de papel de aproximadamente 2,0m de comprimento com marcações em alto relevo de 1cm. Essas marcações, feitas ao longo de toda fita, têm por objetivo, proporcionar ao aluno com deficiência visual as condições para que o mesmo obtenha as distâncias entre os pontos marcados na fita de papel pelo marcador de tempo. Um outro aspecto a ser ressaltado, refere-se à utilização da fita de papel solta e não em forma de rolo. A disposição da fita de papel da maneira citada acima se mostrou mais eficaz, já que, a utilização da mesma na forma de um rolo, fazia com que durante a queda do objeto, o papel se rompesse, coisa que não ocorreu com a fita solta.
g) Um fio de Nylon de aproximadamente 3m de comprimento.
Obs) Esse fio tem por objetivo retirar o disco de dentro do tubo após a queda do mesmo.
Além disso, ele pode ser utilizado para controlar com as mãos a velocidade de queda do disco, e para proporcionar uma percepção tátil da atração gravitacional.

Montagem do artefato: Interface sonora para queda dos objetos
Para a realização desta atividade, desenvolveu-se com o auxílio de um aluno de graduação em Licenciatura em Física da UNICAMP, um equipamento que permite por parte de uma pessoa com deficiência visual, a observação auditiva do fenômeno da queda de um objeto.
Obs) Este equipamento ganhou do Instituto de Física da UNICAMP, o prêmio de melhor trabalho do ano de 2002.
Trata-se de um tubo de PVC de 1,80 m de altura com 102 mm de diâmetro interno. O referido tubo foi perfurado a cada 15 cm, e nesses furos, foram colocados sensores magnéticos para alarme. Quando abandonado da extremidade do tubo, um disco desliza dentro do mesmo com um imã e ao passar pelos sensores, o imã ativa o alarme. No topo do tubo, foi colocada uma chapa dobrada por onde o papel (fita para marcador de tempo) é alimentado e preso ao disco. No topo da estrutura fica a bobina com um oscilador e um potenciômetro que permitem ajustar a freqüência mais adequada de impacto para a agulha que perfura o papel enquanto o disco cai dentro do tubo.
Com este equipamento um aluno com deficiência visual pode observar auditivamente a queda do objeto dentro do tubo por meio do som emitido pelo alarme, e por meio das marcas deixadas no papel, fazer análises quantitativas.
Obs) Como a agulha do marcador de tempo (vibrador) se mostrou ineficaz para perfurar a fita de papel durante a queda do disco dentro do tubo, foi acoplado à referida agulha, a carga de uma caneta. Dessa forma, a caneta marcava o papel durante a queda do disco. Ao terminar a queda do objeto, a fita, com o auxilio de uma pessoa vidente, foi marcada com uma agulha a cada cinco tiques (um Tique: intervalo de tempo entre dois contatos consecutivos da caneta com a fita de papel). Desse modo, proporcionou-se ao aluno com deficiência visual, um referencial tátil para a análise do movimento em questão.
Procedimentos
Separar os alunos em grupos de no máximo três alunos. Cada grupo de alunos deverá realizar o experimento de deixar cair o objeto dentro do tubo, observando assim, de maneira auditiva, a queda do mesmo. Aqui existe um espaço para que o professor possa intervir com explicações acerca do fenômeno observado. Em seguida, os grupos com a posse da fita de papel, poderão seguir os passos descritos abaixo.
1) Escolher a unidade de tempo. Escolhida a unidade de tempo, 5 tiques por exemplo, os grupos deverão numerar a fita de papel com intervalos inteiros de unidade de tempo. Para tanto, o professor ou um colega vidente deverá reforçar com a ajuda de um instrumento pontiagudo, as marcas escolhidas e deixadas na fita de papel pelo marcador de tempo. Aqui existe uma outra oportunidade de intervenção por parte do professor, já que, os alunos estarão observando por meio do tato, as marcas deixadas no papel pelo marcador de tempo.
Obs) Denominou-se a unidade de tempo “cinco tiques” de “décimo” para efeitos de nomenclatura, já que se julgou inconveniente para o aluno expressar escrita ou oralmente, um valor de velocidade em função da unidade de tempo “cinco tiques” (exemplo: 10cm por cinco tiques, ficaria 10cm por Décimo) Entretanto, a unidade de tempo “décimo”, não representa a décima parte do segundo ou um décimo de segundo, ela é uma unidade de tempo arbitrária.
2) Solicitar aos alunos para que com o auxílio das marcas de 1cm em relevo, meçam o comprimento de cada intervalo numerado na fita de papel. Os valores deverão ser anotados em Braille. Intervenção do professor: Esses comprimentos são iguais? Por que? A diferença entre cada intervalo consecutivo é constante? Qual é o significado físico desses comprimentos? As velocidades em cada intervalo têm o mesmo valor? Por que?
3) Calcular a variação da velocidade, subtraindo o valor da velocidade média num intervalo de tempo, pelo valor da velocidade média no intervalo anterior. Repetir este procedimento em vários intervalos e comparar os resultados. (intervenção do professor) A variação da velocidade foi constante?
4) Calcular a aceleração em cada intervalo, dividindo a variação da velocidade pelo intervalo de tempo correspondente a essa variação (cinco tiques o que se denominou “décimo”).
Avaliação
Responda Como seriam as marcas deixadas por um vibrador em uma fita de papel presa a um objeto que se move com velocidade constante?

3.5.5 - ATIVIDADE (5): PROBLEMAS ABERTOS: POSIÇÃO DE ENCONTRO
Objetivo Apresentar aos alunos, um problema aberto, de referencial observacional auditivo, cujas soluções, exigem a análise do fenômeno físico envolvido, a formulação de hipóteses, e a realização de várias tentativas e aproximações (Sánchez et al, 1995).
Materiais a serem utilizados:
a) Rádio para tocar CD ou fita.
b) A gravação da situação Problema (em CD ou fita cassete).

Situação problema aberta
Um carro se aproxima de uma ferrovia. O motorista nota por meio do som do apito e das rodas do trem, o movimento do mesmo. Conseguirá o motorista do carro frear o veículo para que não haja colisão?
Aqui, gravou-se em primeiro lugar, o som do carro se movendo, em seguida, o som do trem apitando e se movendo, em seguida, novamente o som do carro, depois, outra vez o som do trem apitando e se movendo, e por fim, o som do carro e do trem simultaneamente.

Procedimentos
a) Separar os alunos em grupos, e apresentar-lhes a gravação da situação problema descrita.
b) Proporcionar aos alunos um momento de reflexão e discussão sobre a questão do problema: “Conseguirá o motorista do carro frear o veículo para que não haja colisão?”
c) Proporcionar um momento para o debate em grupo da situação problema em questão.
Concluída a apresentação dos materiais, das atividades e dos referenciais que nortearam a elaboração das mesmas, será discriminada na continuação deste trabalho, especificamente no capítulo (5) a análise da aplicação das cinco atividades em um grupo de alunos com deficiência visual. Antes, contudo, serão apresentadas no capítulo (4), a metodologia da presente pesquisa, a elaboração das categorias que foram utilizadas para a análise das referidas atividades, e as principais características dos alunos que participaram do curso aplicado.
Fim do excerto


ζ
excerto de:
O ensino da Física no contexto da deficiência visual: elaboração e condução de atividades de ensino da Física para alunos cegos e com baixa visão.
Autor: Eder Pires de Camargo


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