quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O MEU FILHO VÊ MENOS?



 
Fátima Bessa é médica-pediatra, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Educação da Criança - Intervenção Precoce. Actualmente é coordenadora técnica da UADIP - Unidade de Avaliação do Desenvolvimento e Intervenção Precoce.
Rosa Afonso é licenciada em Psicologia, pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, e mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Educação da Criança - Intervenção precoce. Actualmente é psicóloga na U.A.D.I.P. Este artigo foi elaborado com a colaboração da Dra. Salomé Gonçalves, especialista de oftalmologia pediátrica.

O bebé nasce com competências visuais. Mas o seu aparelho visual, quer do ponto de vista anatómico quer funcional, tem alguma imaturidade que rapidamente se vai ultrapassar. Para isso é importante que os estímulos visuais se adequem às competências do bebé, tendo em conta as suas preferências e a distância. A troca de olhares é uma das primeiras cumplicidades entre a mãe e o bebé que acaba de nascer.

No início os bebés preferem as caras humanas a qualquer outro estímulo. São particularmente atractivos para os bebés os movimentos das caras e as expressões faciais a uma distância entre os 20 e os 25 cm. Esta é a distância que separa os olhos do bebé dos da sua mãe quando lhe está a dar de mamar. O bebé começa por fixar o olhar e rapidamente aprende a seguir as pessoas ou os objectos que se movem. A este acompanhar do movimento das coisas com os olhos juntam-se posteriormente os movimentos da cabeça. A distância a que a criança vê vai também aumentando.

A visão é fundamental para a educação e o desenvolvimento global da criança. Dá uma perspectiva dinâmica e fascinante do mundo, servindo para estimular a mente, a comunicação e a personalidade. A qualidade da visão depende da integridade quer do olho quer do sistema nervoso central (SNC) - cérebro.

O olho é formado por várias estruturas, todas elas interferindo na qualidade da visão, permitindo que a luz exterior penetre no olho, vá impressionar a retina e que, através das células nervosas aí existentes e do nervo óptico, seja enviada para o cérebro.
Como estruturas que são responsáveis pela visão na criança temos:
Olho:
  • Córnea - capa que forra a parte anterior do olho, como que um vidro de relógio. Sendo transparente, deixa-nos ver a parte anterior do olho. Permite que a luz exterior entre no olho.
  • Cristalino - lente transparente que existe por detrás da pupila. Foca a imagem que vemos e deixa passar a luz que irá impressionar a retina.
  • Retina - camada que forra a porção interna do globo ocular e que contém células nervosas responsáveis pela visão. Estas células captam a luz vinda do exterior.
Cérebro:
  • Nervo óptico - é o prolongamento do olho ao cérebro. Conduz a informação, as mensagens trazidas pelas células nervosas da retina até ao cérebro.
  • Quiasma
  • Tracto óptico
  • Fitas ópticas
  • Córtex visual - fim do trajecto, área de descodificação da mensagem. É o centro da visão. Fará a interpretação do que foi visto.

As causas
Uma boa visão obriga à integridade de todas estas estruturas e, pelo contrário, a alteração em qualquer destas estruturas pode ser causa de baixa visão na criança. Podemos ter um olho são, mas se tivermos lesões cerebrais que impeçam ou dificultem a passagem da mensagem enviada do olho ao córtex visual, a visão estará comprometida. Pelo contrário, pode o SNC não estar afectado, mas haver anomalias oculares. O olho terá dificuldade/impossibilidade em captar a luz e em transmiti-la ao córtex visual.
São diversas as causas de baixa visão/cegueira na criança. Nos países desenvolvidos as causas mais comuns são as doenças do sistema nervoso central e as doenças genéticas da retina.
Se o comprometimento visual nestas situações é irreversível, existem outras causas que não são devastadoras, mas tratáveis e com bom prognóstico, tanto melhor quanto mais precocemente forem detectadas e corrigidas.

A mais frequente destas causas é o defeito retractivo e/ou estrabismo. Um desenvolvimento visual anormal ocorre sempre que a imagem que cai na retina não esteve focada nos primeiros meses ou anos de vida. Tal acontece quando se tem um defeito de refracção ou estrabismo.

A idade em que teve início a alteração, o tipo de defeito, a idade de início de tratamento e o cumprimento do tratamento são factores que pesam no resultado visual. Uma criança que nasce com má visão nunca se queixará que vê mal. Nunca soube o que era uma boa visão e não tendo tido termo de comparação, acha a sua visão normal. Pelo contrário, se já teve melhor, queixar-se-á.

Uma baixa visão unilateral em geral não é notável salvo se:
  • for notório um estrabismo;
  • o olho com melhor visão venha também a ter uma baixa de visão;
  • acidentalmente tapar um olho e reparar que não vê bem do olho destapado.
A baixa visão monocular em geral manifesta-se como um estrabismo (um olho não alinhado com o outro). Nos casos em que tal não acontece, normalmente só na idade escolar é detectável. Conforme a causa de diminuição da acuidade visual, assim variará o período crítico de tratamento.

Se o defeito for retractivo e considerável e/ou existir um estrabismo, o tratamento deverá iniciar-se antes dos 3 anos de idade, visto ser antes desta idade que o maior êxito é garantido, já que é precisamente até aos 3 anos que se desenvolvem as funções visuais.

Corrigir tardiamente estes defeitos, quer dizer, tentar dar visão a um olho que não aprendeu a ver na altura devida, que não teve o desenvolvimento normal e que ficou "preguiçoso". Este olho, com muita dificuldade, vai melhorar de imediato a visão, ao contrário do outro olho que foi mais usado e treinado a ver.

A criança pequena raramente se queixa de baixa acuidade visual. A suspeita de baixa visão é levantada pelos pais, familiares ou educadores/professores, tendo em conta o seu comportamento em casa ou na escola.
Se durante os primeiros dois meses o bebé não fixa ou não segue com o olhar as pessoas ou objectos que se deslocam em frente aos seus olhos, será um primeiro alerta para falar com o seu médico e precocemente detectar algum problema visual.

A criança pequena raramente se queixa de baixa acuidade visual. A suspeita de baixa visão é levantada pelos pais, familiares ou educadores/professores, tendo em conta o seu comportamento em casa ou na escola. Com a criança calma, à frente de imagens que em geral lhe interessam, a mãe tapa com a mão um dos olhos. Se a criança obstar obviamente a esta oclusão, poderá traduzir menor visão no olho destapado. Se, ao fazer o mesmo no olho que primeiro esteve destapado, não obstar tão obviamente à oclusão, poderá querer dizer que este olho tem melhor visão que o primeiro.

Se o défice visual for severo, podem existir sinais como:
  • olhar fixo para a luz intensa;
  • tremor das pálpebras;
  • existirem movimentos dos olhos involuntários e não coordenados (nystagimus);
  • efectuar movimentos rápidos de abanar as mãos frente aos olhos;
  • não sorrir e desinteressar-se com o que a rodeia;
  • ter desinteresse pela TV ou aproximar-se dela de tal maneira que, para perceber as imagens, mova a cabeça para as acompanhar;
  • cair muito e à medida que vai tendo maior capacidade de marcha, sem apoio, serem notórias as quedas;
Caso o compromisso visual não seja tão marcado:
  • desinteressa-se pelos objectos que lhe estão longe, salvo o que estiver na sua mão;
  • aproxima-se dos livros;
  • aproxima-se da TV;
  • roda a cabeça para fixar - pode mascarar um estrabismo;
  • encerra as pálpebras para ver melhor;
  • na escola vê mal para o quadro ou refere que vê mal as letras nos cadernos ou que as letras saltam quando está a ler;
  • na rua, com a luz do Sol, tem tendência a fechar um olho;
  • lacrimejo e dor de cabeça relacionados com a fixação prolongada. 
Mesmo não havendo suspeita de defeito visual, os pais devem perguntar-se:
  • Há problemas oculares na família?
  • Alguém usa óculos muito graduados?
  • Há familiares com estrabismo?
  • Há doenças transmissíveis na família?
  • Algum familiar tem problemas fora do comum?
  • O crescimento da criança tem sido normal?
  • Comparando-a com os outros filhos ou primos há diferenças?
  • Existe consanguinidade entre os pais (existem laços de parentesco entre os pais?
  • Os seus familiares notam algum defeito na criança?
  • A mãe durante a gravidez teve febre ou eritemas?
  • Durante a gravidez ou amamentação houve ingestão de medicação/álcool ou drogas?
Perante as suas dúvidas, dirija-se ao seu médico de família ou pediatra que, depois de o observar, o encaminhará para um médico oftalmologista ou para um serviço especializado.


FonteEducare - 28-5-2001 e 4-6-2001
O Portal da Educação - Porto Editora
 

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