quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O ENSINO DO VIOLINO PARA DEFICIENTES VISUAIS INTEGRANDO O MÉTODO SUZUKI E A MUSICOGRAFIA BRAILLE


A Violinista Cega - Joseph O'Reilly (obras entre 1884 e 1893)
A Violinista Cega - Joseph O'Reilly
(op.1884-1893)
     
1  INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação do Tema
1.2. Objetivos
1.2.1 Objetivo Geral
1.2.2 Objetivos Específicos
1.3 Justificativa
2  REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Definição de Termos
2.1.1 Deficiência Visual
2.1.2 Integração e Inclusão
2.1.3 Sistema Braille e a Musicografia
2.1.4 Método Suzuki
3  ENSINO DE VIOLINO PARA CEGOS E PRINCÍPIOS DO MÉTODO SUZUKI
3.1 Relação Professor-Aluno
3.2 Adaptação
3.3 Método Suzuki e a Musicografia Braille
4  CONSIDERAÇÕES FINAIS
5  BIBLIOGRAFIA

6  LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1 INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação do Tema
O presente projeto de pesquisa refere-se ao trabalho de conclusão de curso do Bacharelado em Música - opção violino. Este trabalho tem como objetivo fornecer aos professores de violino uma introdução do ensino desse instrumento musical a alunos deficientes visuais, mais especificamente com perda total da visão, trazendoos princípios da metodologia de ensino de Shinichi Suzuki  1 juntamente com o uso da Musicografia Braille 2.
Propõem-se algumas adaptações no instrumento e na didática que facilitam no processo de aprendizagem do violino.
O ensino do violino entende-se também como um processo social, onde a educação de estudantes deficientes visuais aproxima-se ao máximo da educação habitual. Tem o objetivo de integrar esses estudantes na arte e cultura.
Como não foi encontrada qualquer metodologia de ensino para deficientes visuais voltada para o violino e sabendo da importância de recursos didáticos na educação de pessoas com deficiências, buscar-se-á fornecer uma ferramenta aos professores de violino interessados em desenvolver um trabalho com deficientes visuais.
Esse estudo aborda aspectos referentes ao ensino do violino e o desenvolvimento de um processo pedagógico do ensino desse instrumento para estudantes deficientes visuais. Fundamentando-se em referenciais teóricos compatíveis com as necessidades específicas desses alunos, visando assim promover o desenvolvimento de suas potencialidades.

1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo Geral
Através de pesquisa bibliográfica, oferecer uma introdução do ensino de violino para professores interessados em desenvolver essa atividade musical com pessoas portadoras de deficiência visual, mais especificamente aquelas com perda total de visão, trazendo os princípios do Método Suzuki 3.
1.2.2 Objetivos Específicos
  • Elaborar uma ferramenta didática para o ensino do violino para deficientes visuais;
  • Descrever os princípios gerais do Método Suzuki;
  • Investigar aspectos da contribuição do método Suzuki para a educação musical de deficientes visuais;
  • Indicar algumas adaptações para facilitar o ensino-aprendizado do violino;
  • Abordar aspectos referentes à Musicografia Braille;
  • Mostrar a importância da Musicografia Braille no aprendizado musical;
  • Introduzir aspectos da integração e inclusão social;
  • Levantar pontos que ressaltem a necessidade de diversificar e flexibilizar o processo de ensino-aprendizagem;
  • Oferecer subsídios à capacitação de educadores musicais e outros profissionais que lidam com deficientes visuais.
1.3 Justificativa
Em Florianópolis existem muitas escolas de música e verifica-se uma busca cada vez maior pela arte musical nesses últimos anos 4
Apesar desse crescimento existe uma lacuna a ser preenchida na oferta de cursos voltados para deficientes visuais. Os poucos cursos oferecidos são direcionados a reabilitação de deficientes somente com objetivos terapêuticos.
O presente estudo é uma ferramenta didática direcionada a professores de música interessados em desenvolver atividades voltadas a deficientes visuais, dando a esse público a oportunidade de desenvolver e aprimorar suas habilidades musicais.
Ao desenvolver um processo pedagógico para deficientes visuais, pode-se ir além da reabilitação, da recreação, da comunicação e da socialização, dando a oportunidade de até mesmo formar um profissional apto a tocar um instrumento musical.
Os cursos de formação de profissionais da música existentes no Estado de Santa Catarina não oferecem disciplinas ou ferramentas para a capacitação de professores quanto ao trabalho com alunos deficientes. Isso acarreta uma lacuna nas suas habilidades, proveniente de sua formação, que afeta o seu trabalho com essas pessoas.
Esse projeto tem como objetivo fornecer aos professores de violino uma introdução do ensino desse instrumento voltado para deficientes visuais, trazendo os princípios da metodologia de Shinichi Suzuki que é comprovadamente eficaz para o aprendizado do violino, juntamente com o uso da Musicografia Braille.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Definição de Termos
O referencial teórico baseia-se em termos que possuem diversas aplicações, portanto, é de fundamental importância o esclarecimento do significado dessas palavras para o desenvolvimento deste trabalho:
2.1.1 Deficiência Visual
De acordo com Louro (2006) a deficiência visual pode ser adquirida durante a vida intra-uterina, durante o nascimento ou após o mesmo, gerando assim diferentes tipos de baixa visão. A autora diz que a deficiência visual pode ser dividida em dois grupos distintos: a cegueira onde ocorre a ausência total de visão ou apenas uma simples percepção luminosa; a visão subnormal que existe um comprometimento do funcionamento visual, mas a pessoa é capaz de utilizar a visão para a execução de tarefas.
Os estudos desenvolvidos por Baraga (1976) distinguem três tipos de deficiência visual: os cegos que têm somente a percepção da luz ou não têm nenhuma visão e precisam aprender através do método Braille e de meios de comunicação que não estejam relacionados com o uso da visão, as pessoas com visão parcial que têm limitações da visão à distância, mas são capazes de ver objetos e materiais quando estão a poucos centímetros ou no máximo a meio metro de distância e as pessoas com visão reduzida que podem ter seu problema corrigido por cirurgias ou pela utilização de lentes corretoras.
De acordo com essas definições a educação volta-se para as possibilidades dos alunos, focalizando primeiramente no que o aluno sabe e pode fazer e, posteriormente, nos seus limites. O educador deve conhecer o tipo de deficiência visual do aluno para assim poder elaborar uma proposta de ação adequada e saber as implicações que essa deficiência pode acarretar na proposta de ação.    
Esse projeto aborda o ensino de violino voltado para pessoas cegas, ou seja, que para aprender essa atividade musical precisam de meios que não estejam relacionados com o uso da visão.

2.1.2 Integração e Inclusão
Muitas pessoas não sabem a diferença entre integração e inclusão, portanto esses dois termos são utilizados e escritos com diversas abordagens e concepções. De acordo com Almeida (2004), ambas constituem formas de inserção de pessoas com necessidades especiais, mas possuem posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas. A integração vem dos anos 60 e 70, onde nesse modelo os portadores de necessidades educacionais especiais precisavam de um tratamento médico e de reabilitação para tornarem-se aptos a realizar tarefas e serem assim aceitos no meio social. A inclusão vem dos anos 80 consolidando-se somente nos anos 90, esse modelo consiste em mudar a visão ou padrões da sociedade para tornar-se capaz de acolher as pessoas com necessidades especiais, ou seja, sociedade com direito para todos.
De acordo com tal concepção, a integração é uma forma condicional de inserção de pessoas com deficiências no sistema de ensino regular, dependendo do nível de sua capacidade de adaptação serão integradas em uma sala regular, uma classe especial ou instituições especializadas. Já a inclusão, institui a inserção de uma forma incondicional, com o objetivo de incluir as pessoas com deficiências em um sistema escolar, o qual terá de se adaptar às particularidades de todos os alunos.
Bonilha (2006) diz que o modelo da integração já está sendo, por muitos, considerado ultrapassado, e vem se substituindo pelo modelo da inclusão social. Esse por ser um modelo muito recente, é polemizado pelos vários segmentos educacionais e sociais, gerando uma grande diversidade de abordagens e concepções. Essas discussões têm abordado somente aspectos referentes à inclusão de pessoas com necessidades especiais em escolas regulares de ensino, esquecendo de abordar aspectos referentes às atividades artísticas e culturais.

2.1.3 O Sistema Braille e a Musicografia
De acordo com Silva (2001), até quase o fim da Idade Moderna não há notícias de que alguém tenha pensado sobre a escrita e leitura para os cegos.
Esse mesmo autor afirma que a primeira informação que nos chega sobre a leitura e escrita para cegos situa-se em 1784 com Valentin Haüy, que fundou em Paris a primeira escola para instruir os cegos, denominada Instituto Real dos Jovens Cegos. Haüy como defensor de que tudo dependia apenas dos sentidos, adaptou o alfabeto traçando-o em alto relevo fazendo com que as letras ficassem perceptíveis pelos dedos de seus alunos, permitindo assim o acesso a leitura.
Na Instituição, o ensino consistia em fazer os alunos repetirem as explicações e os textos ouvidos. Os poucos livros existentes para deficientes visuais eram escritos no sistema de Valentin Haüy, método oficial de leitura para cegos da época, permitindo apenas uma leitura suplementar.
Lemos (2008) acrescenta que nessa mesma época Charles Barbier de la Serre, um oficial do exército francês e capitão de artilharia, também aperfeiçoava um código através de pontos em alto relevo. Esse código tinha a finalidade de possibilitar a comunicação noturna entre oficiais nas campanhas de guerra. Gugel (2008) diz que esse sistema foi rejeitado pelos militares que o consideraram muito complicado.
Após algumas alterações e melhoramentos, Barbier apresentou o seu invento na instituição de Valentin Haüy. A partir daí o Sistema de Barbier começou a ser utilizado na instituição.
Nascido em quatro de janeiro de 1809, Louis Braille teve seu berço na pequena cidade francesa de Coupvray, situada perto de Paris. Oriundo de uma família humilde seu pai trabalhava em um seleiro e Louis Braille gostava de acompanhar o trabalho do pai. No ano de 1812, com apenas três anos de idade, brincava com pedaços de couro enquanto mantinha a sovela, um objeto perigoso e pontiagudo, perto do rosto e que por descuido feriu-se no olho esquerdo, propagando-se a infecção ao outro, vindo a perder a visão totalmente.
De acordo com Silva (2003), aos 10 anos Louis Braille consegue uma bolsa de estudos na Instituição Real para Jovens Cegos de Valentin Haüy, onde conhece o código de Barbier. O sistema de Barbier apresentava várias limitações: os sinais representavam apenas sons, o que não permitia o conhecimento da ortografia; não havia símbolos para pontuação, acentos, números, símbolos matemáticos e notação musical; e, principalmente, apresentava uma complexidade muito grande das combinações, o que causava lentidão na leitura.
De acordo com Gugel (2008), no sistema de Barbier, uma letra ou um conjunto de letras, é representada por pontos em relevo dispostos em duas colunas, cada coluna podendo ter de um a seis pontos que por sua vez se referiam às coordenadas de uma tabela.

Figura 1.
Representação do sistema de escrita de Barbier: 

1. Representação do sistema de escrita de Barbier
(Extraído de Gugel, 2008)

Braille, a fim de ultrapassar as dificuldades que se deparavam em seus estudos e oferecer a seus congêneres um sistema capaz de abrir-lhes portas para o imenso mundo da cultura, começa desde cedo sua investigação para um sistema novo de escrita para cegos.
Geralmente aponta-se 1825 como o momento que Louis Braille inventou o Sistema (que mais tarde tomou o seu nome). O sistema Braille tem por base a capacidade dos deficientes visuais identificarem pontos em relevo sobre o papel. O alfabeto Braille é constituído por seis pontos, em duas filas verticais de três, num total de 63 sinais. É o sistema usado até hoje em todo o mundo devido a sua simplicidade e lógica suprindo as necessidades dos utilizadores. Permite a sua aplicação em áreas de conhecimentos bem distintas quanto à língua, a física, a matemática, a química e também a música.
 
Figura 2.
Representação do sistema de escrita de Braille:

2. Representação do sistema de escrita de Braille
(Extraído de http://www.ibcnet.org.br/Texto/braille_alfabetotxt.html)

Em 1829, Louis Braille realizou a sua primeira musicografia baseada em seu sistema na obra “Método para escrever as palavras, a música e o cantochão por meio dos pontos”. Propunha um sistema de caracteres musicais baseados nos seis pontos de seu alfabeto. O alfabeto permanece até hoje invariável, já a musicografia foi modificada pelo próprio Braille ao longo de sua vida o qual desenvolveu o código musicográfico utilizado atualmente.
O Código Musicográfico Braille alcançou sucesso na França, Londres e Alemanha. Existindo diferenças entre os códigos musicográficos nos três lugares, constituiu-se uma comissão internacional com representantes da Inglaterra, França, Alemanha e Dinamarca a fim de unificar o Código Músicográfico Braille. Em 1888 na Alemanha os quatro países aceitaram as conclusões da comissão. Entretanto posteriormente alguns sinais foram modificados, músicos cegos percebiam a ausência de determinados símbolos. Com isso, em vários países foram surgindo símbolos que suprissem as necessidades dessas lacunas existentes, o que originou bastante diferença de escrita que dificultava o intercâmbio de partituras.
Em 1929, em Paris, celebrou-se o “Congresso Internacional de Especialistas em Notação Musical Braille” com o objetivo de unificar os critérios. Participaram representantes da França, Inglaterra, Alemanha, Estados-Unidos e Itália, adotaram importantes acordos que serviram para unificar a escrita musical em Braille em todo o mundo.
Em 1954, em Paris, celebrou-se o “Congresso Internacional sobre a Notação Musicográfica Braille” com o objetivo de juntar esforços para aproximar a Musicografia Braille da escrita musical. Participaram representantes de 29 países. Ficou decidida a transcrição literal da partitura visual para a partitura em Braille, com o maior número de detalhes possíveis. Criaram então símbolos em Braille para representar os detalhes da partitura visual. A publicação de dois tratados sobre musicografia com notações diferentes, um escrito pelo alemão Alexander Reuss e outro pelo inglês H. V. Spanner, acabou com os resultados do congresso que visava a unificação dos sinais da Musicografia Braille.
A partir de 1954, surgiram duas tendências: os que desejavam conseguir a maior clareza para o leitor deficiente visual mesmo que não tivessem alguns detalhes da partitura visual e os que desejavam conseguir a maior fidelidade na transcrição literal.
Nos anos 80 criou-se o “Subcomitê para a Notação Musical no Sistema Braille” que se reuniu em Moscou em 1982 elegendo o presidente Dr. Jan Drtina. Esse Subcomitê se reuniu na Checoslováquia em 1985 com o acordo de enviar o “Repertório da Notação Musical Braille” do russo Gleb A. Smirnov para todas as organizações de cegos com a finalidade de ser estudado e receber sugestões.
Em 1987, na Alemanha, reuniram-se o Subcomitê juntamente com os países que haviam enviado as sugestões a respeito do trabalho de Dr. Smirnov e outros países que tiveram participação na história da transcrição musical. Foi decidido que a transcrição Braille deveria seguir todos os detalhes da partitura visual. Seguiram utilizando três manuais de musicografia distintos, os de Reuss, Spanner e Dr. Smirnov. Como as diferenças dos manuais eram consideráveis na conferência de Marburg decidiram formar quatro grupos de trabalho para estudarem a musicografia e levarem suas propostas para uma nova conferência em plenário.
Em 1992, na Suíça, convocou-se uma nova conferência plenária do Subcomitê. Algumas propostas foram consideradas, mas decidiram fazer mais dois grupos de estudo que se reuniram em Marburg, em 1994, enviando suas conclusões para todos os países que participaram da conferência de Saanen e todos os símbolos e regras foram aprovados pelos delegado-assistentes.
A primeira edição do “Novo Manual Internacional de Musicografia Braille” foi publicado em inglês em 1996 e teve sua tradução em espanhol em 1999.
A escrita musical no Sistema Braille e a evolução dos códigos musicográficos se revisam pelos sucessivos congressos de unificação, até chegar ao último manual publicado em 1996. É de se esperar que o uso se generalize mundialmente, assim facilitará o intercâmbio de partituras entre países onde a música é uma linguagem universal.
De acordo com Tomé (2003) as pessoas cegas estão em desvantagem na área da música, pois não existem professores que conheçam a Musicografia Braille. Mesmo com suas limitações podem tornar-se socialmente auto-suficientes, desde que haja uma assistência educacional eficaz.
Louro (2006) acrescenta que a produção de livros de teoria e de partituras em Braille ainda é muito escassa, visto que é alto o custo de edições nesse sistema. E também que no Brasil já existem centros especializados na área da educação de pessoas com deficiência visual com professores especializados em Musicografia Braille.
Um exemplo de centro especializado na educação musical para pessoas com deficiência visual é o da professora de música de Brasília Dolores Tomé, que se especializou nessa área e hoje leciona música para pessoas cegas e também fornece cursos de musicografia Braille para professores de música.
De acordo com Tomé (2003), nesses cursos oferecidos os professores de música obtiveram resultados além das expectativas, aprenderam a ler, redigir e transcrever partituras musicais em Braille.
 
Figura 3
Quadro Básico de Musicografia Braille

Figura 4
Trecho da partitura musical Marangone,
música de João Tomé e sua transcrição para Musicografia Braille:

2.1.4 Método Suzuki
Foi um método criado pelo violinista e pedagogo Shinichi Suzuki, nascido em 1898, em Nagoya, Japão.
Suzuki foi filho do fundador de uma das maiores fábrica de violinos do mundo, quando criança brincava na fábrica e mais tarde nela começou a trabalhar. Desde criança sempre teve contato com o instrumento. Apesar de o violino fazer parte do seu dia a dia, começou seus estudos de violino bem tarde, somente aos 17 anos de idade. Com 21 anos de idade foi para Tóquio estudar violino e logo foi a Berlim, onde durante oito anos foi aluno de Karl Klingler. Em 1928 voltou para o Japão onde fundou, juntamente com três de seus irmãos, o Quarteto Suzuki. No ano de 1931 deparou-se com o desafio de ensinar uma criança de quatro anos de idade a tocar violino. Enquanto ensaiava com o Quarteto Suzuki, pensava em uma metodologia adequada para ensinar violino a uma criança e refletiu sobre como uma criança japonesa era capaz de falar sua língua materna. Esse reconhecimento de que a criança consegue falar uma língua tão complexa, mostra que, se for exposta a um método educacional adequado pode alcançar altas capacidades. Assim utilizou o método do aprendizado da língua materna também para o instrumento, levando-o a fundar o Instituto de Educação de Talentos
O homem nasce sem talento... As pessoas são o que são como resultado do seu ambiente próprio e específico.” (Suzuki, 1983, p. 17)
A criança aprende sua língua materna primeiramente observando, escutando, se familiarizando e através da repetição aos poucos começa suas primeiras palavras. Somente depois de dominar totalmente a fala, sem dificuldades, que aprende a ler e escrever. A criança aprenderá a tocar violino com base na “aprendizagem da língua materna”, ou seja, de uma forma natural, onde primeiramente aprenderá a tocar através de repetições e treinamento, observando, escutando as músicas do CD do Método e se familiarizando com o instrumento. Depois que a criança adquire as habilidades com o instrumento se introduz aos poucos a teoria musical, de forma criativa e adequada à maturidade de cada um.
De acordo com Suzuki (1983), mesmo depois de aprender a teoria musical e ter fluência na leitura de partituras, os alunos devem usar a leitura apenas no processo de estudo da peça. A peça só estará realmente pronta somente quando o aluno souber de cor.
O treinamento da memória é de fundamental importância. Os estudantes devem saber a música de cor e não consultar notas escritas.” (Suzuki, 1983, p.35)
No Método Suzuki a participação dos pais é de fundamental importância, os quais possuem o papel de estimular seus filhos através de um ambiente favorável. Para criar esse ambiente adequado, de acordo com o Método, os pais devem além de freqüentar as aulas individuais de seus filhos, devem criar um ambiente divertido na prática do instrumento em casa, incentivar a escutar o CD do método, levar seus filhos em concertos e apresentações de orquestras, atuar como professores e orientar seus filhos a atitude correta em relação à prática. Com a orientação dos pais e através de brincadeiras, a prática do violino torna-se uma atividade diária natural. A habilidade só aparece com bastante prática.
Nesse Método existem além de aulas individuais, as aulas em grupo. Os pais não podem dar menor importância e dispensar seus filhos das aulas em grupo, as quais são igualmente ou até mais importante do que as aulas individuais. As crianças demonstram maior prazer em tocar com as demais crianças que estão mais avançadas, fazendo estimular assim seu aprendizado de forma fantástica. (Suzuki, 1983)
Suzuki (1983) considera a audição como um pré-requisito de todas as atividades musicais, visto que além de ajudar no aprendizado das músicas é fundamental para a experiência musical.
Palheiros (1998) acrescenta a importância da prática da audição musical na: formação de uma cultura musical; na compreensão e apreciação da música; nas competências específicas inerentes à prática musical, como interpretação e composição; na capacidade crítica e no sentido estético.
Inicialmente desenvolvido no Japão, o Método Suzuki alcançou grande sucesso internacional em meados dos anos 60 e vem sendo aplicado em diversos países da Ásia, Europa e Américas. (Borges, 2008)
Antunes (2007) diz que o Método Suzuki foi introduzido no Brasil em 1974, em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, sendo um dos métodos mais difundidos no ensino do violino.
O Método Suzuki apresenta o total de dez volumes e cada um desses volumes contém partituras de músicas que vão aumentando o grau de complexidade gradativamente. Todas as músicas dos volumes possuem a gravação em CD.
Inicialmente o método era voltado para crianças de 3 a 4 anos de idade e somente para o instrumento violino, mais tarde atinge outras faixa etárias e também outros instrumentos, como a viola, o violoncelo, o piano e a flauta. (Antunes, 2007)

Pontos importantes da filosofia Suzuki:
  • Participação dos professores e pais no aprendizado da criança, construindo um ambiente musical favorável, atuando como incentivadores e fazendo com que gostem de tocar em casa;
  • Escutar diariamente o CD do método e outras gravações para desenvolver sua sensibilidade musical;
  • A busca do aluno pela qualidade em sua música, um bom resultado sonoro, afinação exata e postura correta;
  • Prática diária com alegria e a repetição com constante avaliação crítica;
  • Criar um ambiente de cooperação e não de competição, com respeito à individualidade de cada um;
  • Antes de adquirir habilidades com o instrumento deve-se primeiro aprender a ter um bom caráter.

3ENSINO DE VIOLINO PARA CEGOS E PRINCÍPIOS DO MÉTODO SUZUKI
Essa parte do trabalho buscará trazer os princípios do Método Suzuki ao ensino de violino para deficientes visuais. Tendo esse como um método comprovadamente eficaz no ensino do violino, buscar-se-á verificar sua eficiência para o ensino do violino a pessoas desprovidas de visão. Suzuki (1983) relata sua experiência ao ensinar um aluno cego, de cinco anos, a tocar violino. Diz que, antes de aceitar dar aulas ao menino, passou dias em busca de um processo de ensino que fizesse com que tal tarefa desse certo. Transportou- se então à condição de um cego, apagou a luz de seu quarto e na total escuridão, somente pela intuição, tocou violino perfeitamente percebendo assim que não era preciso enxergar para fazer música. Na semana seguinte, após essa descoberta, começou as aulas de violino com o menino.
Observei que levaria grandes e constantes esforços e dedicação para levar esse objeto à realização final.” (Suzuki, 1983, p. 47)
Suzuki diz que o primeiro exercício foi tentar fazer com que o arco do violino se tornasse visível ao menino através do tato. Depois de ele conseguir imaginar a aparência do arco, Suzuki ensinou como segurá-lo. Pediu para que ele movesse o arco para direita e esquerda, para cima e para baixo. Levou algum tempo até que esses movimentos deixassem de ser tortos e que conseguisse realizar bem o exercício. O próximo passo foi passar exercícios para tornar a ponta do arco visível, como por exemplo: segurar o arco com a mão direita e tentar com a mão esquerda segurar a ponta do arco; manter o arco na horizontal e procurar tocar a ponta na palma de sua mão esquerda; por último, levantar o polegar da mão esquerda e com o arco na horizontal tocar a sua ponta no dedo. Após tornar o arco e sua ponta visíveis é que Suzuki ensinou a prática do violino.
Depois de um ano difícil e superando vários desafios, o menino, com apenas seis anos de idade, tocou em Tóquio o concerto de Seitz, no Hall Hibiya, levando muitos na platéia às lágrimas.
Hoje em dia podemos constatar que esse Método tem sido eficiente no ensino de pessoas deficientes visuais através de depoimentos de professores e alunos no site de conversação da Associação Internacional do Suzuki.
Assim como Suzuki (1983), Figueira (2003) e Zdzinski (2002) também apontam diversos outros casos de pessoas deficientes visuais que dedicaram sua vida à Música e obtiveram reconhecimento nessa área. Isso mostra que a deficiência visual deve ser encarada somente como mais um desafio na aprendizagem do violino e não como um empecilho para o aprendizado.
Para obter os resultados desejados no ensino de violino para pessoas deficientes visuais é preciso que haja um bom planejamento pedagógico e um ambiente favorável com alto nível de motivação. Esses aspectos são embasados na metodologia de ensino do Método Suzuki.
Assim como no Método Suzuki, o ensino do violino para deficientes visuais também será como o aprendizado da fala. As pessoas cegas, assim como qualquer outra pessoa, aprendem a sua língua materna sem dificuldade. Todas as crianças aprendem a sua língua materna através de observação e repetição. Somente depois do domínio da fala é que irão aprender a ler e escrever. O aprendizado do violino por pessoas desprovidas de visão será como no aprendizado da fala, primeiro aprenderão a tocar violino e depois de dominar bem o instrumento aprenderão a teoria musical, através da Musicografia Braille.
Muitos professores, que dão aula pelo Método Suzuki, criam nomes, frases ou palavras correspondentes ao ritmo de trechos das peças que estão sendo estudadas para que os alunos aprendam mais rapidamente. Por exemplo, na primeira música do Método Suzuki os professores criam nomes correspondentes a cada uma das variações.
O ritmo da variação A pode ser chamado de Chocolate-quente; o ritmo da variação B, de Pára não pára; o da variação C, de Rápido-rápido; a variação D, de Violino amarelo; e por último o tema, com sua canção:
 
Brilha, brilha estrelinha
Eu também quero brilhar
Faz de conta que é só minha
Só pra ti irei cantar
Brilha, brilha estrelinha
Brilha, brilha lá no céu
Vou ficar bem quietinha
Pra esperar Papai Noel.

    Autor desconhecido

Figura 5 
Ritmo da primeira variação
de Twinkle, Twinkle, Little Star:
5. Ritmo da primeira variação de Twinkle, Twinkle, Little Star

(Extraído de Antunes, 2007, p.36)

No caso do ensino do violino ser voltado para crianças, o Método Suzuki aponta a importância dos pais no processo de aprendizagem de seus filhos com o instrumento musical. Agora acrescentando o fato das crianças apresentarem deficiência visual, o apoio dos pais torna-se praticamente indispensável.
Os pais são os principais responsáveis por criar um ambiente favorável a pratica musical e atuar como grandes incentivadores de seus filhos. Para que isso ocorra bem, o Método Suzuki sugere a participação dos pais nas aulas de instrumento para que em casa atuem também como professores, ajudando com os exercícios passados em sala e corrigindo principalmente a postura, considerando que a postura será um dos maiores desafios para alunos deficientes visuais. Suzuki sugere também aos pais incentivarem sempre os seus filhos a escutarem o CD das músicas passadas em aula e também outras gravações de música erudita.
Zdzinski (2002), além de concordar com as sugestões apontadas por Suzuki (1983), fala também da importância da gravação em vídeo do estudo diário de seus filhos em casa, pois com essa gravação o professor poderá corrigir as questões do estudo que não estão indo bem.
Suzuki (1983) ao descrever sua experiência de dar aulas à criança cega sempre ressalta a participação dos pais, tanto nas aulas de violino como em casa, ou seja, em todos os momentos de ensino e aprendizagem.
O Método Suzuki trabalha principalmente com a memória, visto que as músicas são aprendidas e tocadas sem partituras, e o sentido da audição, escuta-se o CD do método ou o professor tocando e o aluno repete várias vezes no violino, imitando o que foi escutado. Considerando que as pessoas desprovidas de visão trabalham muito com a memória e recorrem a outros sentidos, sobretudo a audição, esse método atua como um facilitador no aprendizado do violino por essas pessoas.

3.1 Relação Professor-Aluno
A formação do professor é de fundamental importância, de acordo com a lei de Diretrizes e Bases (LDB) no 9394/96, todas as áreas educacionais têm que criar métodos, currículos, técnicas e recursos educativos para atender aos alunos de necessidades especiais. Essa lei menciona também a importância de haver professores especializados nessa área para a inclusão dos alunos.
Tomé (2003) diz que no Brasil ainda existem poucos profissionais especializados na educação e reabilitação de pessoas com deficiência visual.
Smaligo (1999) diz que na população em geral, estudantes de música cegos são um fator de baixa incidência e talvez o professor de música se depare com poucos alunos nessa condição. Quando esse se depara com um aluno cego, não possuí as ferramentas e os recursos adequados para uma educação de qualidade.
Quando é cogitada a hipótese de trabalhar com alunos com deficiências, muitos professores de música apresentam medo (medo do novo e do desconhecido) que tem origem na incompleta formação acadêmica a qual não os habilitou para o trabalho com a diversidade. Esses professores receberam pouca ou nenhuma formação direcionada para o ensino de música para deficientes, apresentando falta de preparação para ensinar esses alunos.
Através de um levantamento feito por nós, verificou-se que muitas universidades do Brasil não oferecem no curso de música nenhuma disciplina voltada para a preparação de profissionais como futuros educadores de pessoas com deficiência.
(...) os educadores da área musical estão cada vez mais sentindo a necessidade de ampliar suas metodologias em prol da diversidade. Mesmo timidamente, esse é um posicionamento que vem conquistando cada vez mais espaço.” (Louro, 2006, p. 31)
Para preencher essa lacuna, os cursos superiores deveriam oferecer, além da formação formal e teórica, experiências práticas no ensino de alunos com deficiência. Assim os professores de música aprendem sobre os diversos tipos de deficiência que seus alunos podem apresentar e também como ensinar música a cada um desses alunos. (Hagerdon, 2002)
Bonilha (2006) diz que a falta de preparação recebida pelos professores está ligada, sobretudo, à escassez de informações disponíveis acerca do ensino da música para pessoas desprovidas de visão. Porém isso não consiste em um empecilho para que o professor ensine um aluno deficiente visual, pois um professor com criatividade e motivação encontrará meios de adaptar os métodos didáticos para realizar tal tarefa.
Hammel (2001) acrescenta que mesmo com a falta de preparação recebida, muitos professores de música estão empenhados em superar essas insuficiências, procurando competências através de seminários, cursos e conferências que dão apoio a educação de pessoas que apresentam deficiências. Embora muitos professores não se sintam preparados para dar aulas a esses alunos, estão adaptando métodos e materiais para a realização dessas aulas da melhor maneira possível. Todos os professores têm que se empenhar para oferecer o melhor método possível de ensino de música para os seus alunos.
[...] o aluno com deficiência visual tem um papel importante na constituição do vínculo com o professor. Esse aluno poderá fornecer orientações gerais sobre sua deficiência, bem como poderá cooperar com o professor no desenvolvimento de algumas estratégias pedagógicas. O estudante precisa estar aberto ao diálogo e à possibilidade de esclarecer quaisquer dúvidas levantadas pelo educador. (Bonilha, 2006, p.88)
 Lembo (1975) diz que muitos professores julgam que todos os alunos, de uma determinada faixa etária, devem ser ensinados através dos mesmos conteúdos e da mesma forma, ou seja, com um único processo adequado para todos os alunos. A autora considera essa concepção errônea, diz que para o aluno ter o maior aproveitamento das aulas é importante os professores construírem condições e oportunidades para o tipo de desenvolvimento e para a predisposição de aprendizagem de cada educando de forma individual.
A boa aprendizagem dos alunos com deficiência em qualquer instituição de ensino decorre da adequação das práticas pedagógicas à diversidade dos aprendizes.
Louro (2006) diz que foram incontáveis os casos de alunos com deficiência que foram obrigados a levar laudos médicos para poderem estudar música; de matrículas recusadas sem qualquer explicação aparente ou de receberem um tratamento dado pelo professor diferenciado dos demais alunos da classe.
Essas atitudes adotadas por professores são de discriminação para com esses alunos que apresentam deficiência, atitudes de exclusão que rebaixam a auto- estima do aluno e podam seu potencial artístico.
A inclusão é uma proposta, um ideal. Se quisermos que nossa sociedade seja acessível, que dela todas as pessoas com deficiência possam participar em igualdade de oportunidades, é preciso fazer desse um ideal, uma realidade a cada dia.” (Almeida, 2004, p. 4)
De acordo com essa concepção, para a construção de uma sociedade acessível e para todos, deve-se contemplar esse ideal sem fugir da realidade, sem impedir as pessoas com deficiência de terem acesso aos serviços oferecidos.
O professor de violino, que pretende trabalhar com deficientes visuais, precisa então estar a par desse ideal a fim de garantir a inclusão do aluno com deficiência em sua escola de música. O professor deve manter-se informado e sensível à condição desses alunos, evitando assim posturas radicais, resistência, imposições e descasos.
Suzuki (1983) diz que primeiramente deve-se criar um ambiente para fazer com que o aluno sinta-se motivado, para canalizar a motivação para o aprendizado do violino, assim faz com que tenha interesse em tornar-se um bom violinista.
Para que o aluno sinta-se motivado e compreenda as lições passadas, é necessário que o professor as desenvolva como uma proposta ajustada ao nível de compreensão do aluno, levando em conta suas limitações.
Parpinelli (19-?) afirma que o bom ensino deve ter sua base nos resultados obtidos pela investigação do professor, esclarecendo todos os pontos importantes que forem necessários para o desenvolvimento do aluno. Esse espírito de investigação é necessário para que o professor não paralise seus conhecimentos e não lecione por um único programa de ensino, deve manter-se sempre atualizado nos novos informes didáticos, armazenando novidades para o seu método de ensino. A autora acrescenta que em seu programa de ensino o professor deve enfrentar os problemas violinísticos de um ponto de vista individual, com um programa de ensino sem normas fixas.
A mesma autora acrescenta que no ensino deve se levar em consideração a questão da compreensão de cada indivíduo, o potencial de assimilação e o grau de inteligência de cada aluno para procurar soluções singulares.
O professor pode e deve exigir do aluno o que estiver ao alcance de sua capacidade, e não ir nunca além, afim de que o aluno não se julgue incapaz de produzir o que o professor exige.” (Parpineli, 19-?, p. 26)
De acordo com esse ponto de vista, o professor que pretende dar aula de violino para deficientes visuais deve fazer um bom planejamento de suas aulas, através da observação do desenvolvimento de cada aluno em particular e a partir dos resultados obtidos. Se necessário, o professor deve ajustar o método de ensino para que qualquer dificuldade seja vencida da melhor maneira possível.
(...) a responsabilidade fundamental do professor está em tornar possíveis diversos tipos de oportunidade e em assegurar a estrutura e a assistência de que cada aluno necessita para explorar, descobrir e desenvolver-se conforme a sua própria natureza.” (Lembo,1975, p. 11)
Quando não existe uma boa relação entre professor-aluno ocorre uma dificuldade na superação dos obstáculos encontrados. É importante então que exista muito diálogo e esclarecimento entre os dois e que através de um vínculo profissional e afetivo, juntos, busquem meios para fazer com que o aluno supere os obstáculos da melhor forma possível e possa ter uma formação musical qualificada.

3.2 Adaptação
Hagenorn (2002) diz que para o ensino de pessoas com deficiência é preciso muita estimulação. Sugere que o professor ensine lentamente, que use mais a repetição e quebre as tarefas em pequenas partes de modo que exista uma melhor compreensão. A autora afirma que o sucesso do ensino para pessoas com necessidades especiais depende da habilidade dos educadores de adaptar, o que incluí a adaptação do material e do instrumento musical. Pequenas mudanças em como são fornecidas as instruções pode impactar de uma forma bem significativa a aprendizagem do aluno.
Se observarmos, perceberemos que as adaptações fazem parte da vida cotidiana de todos. Colocar um travesseiro no assento de uma cadeira para ficar mais alto ou utilizar escada para alcançar um objeto no alto são exemplos de adaptações feitas constantemente. A adaptação é uma condição normal às diversas circunstâncias da vida e especificamente em relação às pessoas com deficiências, é comum o uso de adaptações.
Qualquer sistema, equipamento, instrumento ou objeto que é adquirido comercialmente, modificado ou feito artesanalmente para melhorar as capacidades funcionais das pessoas com deficiência é chamado de Tecnologia Assistiva.
Tecnologia Assistiva é um termo ainda novo utilizado para identificar todo o arsenal de Recursos e Serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e conseqüentemente promover Vida Independente e Inclusão. (Bersch e Tonolli, 2008)
Utilizaremos a Tecnologia Assistiva para facilitar o aprendizado do violino, onde pequenas adaptações no instrumento musical poderão ser feitas. Por exemplo, no Método Suzuki, quando se está iniciando a arte de tocar violino é de costume o professor colocar quatro fitas adesivas no braço do violino para indicar ao aluno o lugar correto em que os dedos devem ser posicionados, facilitando assim ao aluno encontrar a afinação correta do instrumento. Para os professores que trabalham com alunos deficientes visuais, uma boa sugestão é colocar essas fitas adesivas em alto relevo para que através do tato possam posicionar seus dedos sobre elas corretamente.

Figura 6
O violino e suas partes
6. O violino e suas partes
 
Figura 77. As fitas adesivas e colocadas no braço do violino de forma tradicional
As fitas adesivas e colocadas no braço
do violino de forma tradicional

Figura 8. 
8. As fitas adesivas colocadas no braço do violino em alto relevo, adaptadas para o ensino de cegos
As fitas adesivas colocadas no braço do violino
em alto relevo, adaptadas para o ensino de cegos
 
Outra adaptação no violino que facilitará o aprendizado é a utilização do suporte para arcos, objeto que é adquirido em lojas especializadas, encaixado na borda do violino. Outro modo é utilizar dois lápis encaixados no chamado F do violino, sustentados por um elástico. As duas adaptações têm a mesma finalidade: impedem que o arco escorregue para a região do espelho e cavalete, limitando assim o espaço correto da região a ser tocada.

Figura 9 
Suporte para o arco:
9. Suporte para o arco

Figura 10
Suporte para o arco encaixado na borda do violino:
10. Suporte para o arco encaixado na borda do violino
 
Figura 11 
Utilização do suporte para o arco:
11. Utilização do suporte para o arco

As adaptações têm que ser feitas de forma criativa, funcional e prática, a fim de facilitar o aprendizado dos alunos com deficiência visual e fazer com que vençam no mais breve tempo as dificuldades técnicas do instrumento.
A falta de partituras transcritas para o Sistema Braille é outro obstáculo encontrado pelo professor para o complemento da metodologia proposta.
Mesmo que no início do aprendizado pelo Método Suzuki não seja necessários conhecimentos da teoria musical e a leitura de partituras, mais tarde essa se fará necessária. Quando a teoria musical for introduzida, o professor terá que substituir ou agregar às músicas do Método Suzuki, músicas que possuam a transcrição da partitura para o Sistema Braille.
É importante que professores que trabalham com deficientes visuais adquiram conhecimentos da Musicografia Braille, para que ao propor o estudo de uma peça, tenham noção da dimensão da tarefa a ser realizada pelo aluno e compreenda os desafios a serem enfrentados.
O aprendizado da Musicografia Braille exige muito empenho tanto da parte do professor como da parte do aluno. Tanto os professores como os alunos precisam de tempo e dedicação para conseguir os recursos adequados e para aprender o mecanismo da Musicografia Braille.
Deve-se notar que as dificuldades técnicas relativas a saltos, dedilhados e outros problemas técnicos em geral, não são enfrentadas exclusivamente pelas pessoas com deficiência visual. Ocorre que esses indivíduos precisam desenvolver um maior número de estratégias para lidar com esses obstáculos. (Bonilha, 2006, p. 85)
As adaptações envolvem um vasto leque de técnicas e sistemas de apoio que ajudam os alunos com deficiência trabalharem as limitações resultantes de sua deficiência.

3.3 Método Suzuki e a Musicografia Braille
De acordo com o Método Suzuki, primeiramente aprende-se a tocar o violino e aos poucos se introduz a teoria e a leitura musical. De acordo com Bonilha (2006), no ensino do instrumento para pessoas cegas o aprendizado da leitura de partituras é tão importante quanto para qualquer outra pessoa.
Existem outras ferramentas que são utilizadas na aprendizagem musical, como por exemplo: a memorização por repetição, a gravação das aulas de violino e a gravação falada das partituras feita pelo professor, onde o professor toca uma parte da peça e explica os aspectos da teoria musical de cada trecho tocado. Essas ferramentas deveriam ser um complemento e não recursos que venham a substituir a leitura musical. Devido à dificuldade de acesso à Musicografia Braille e à escassez de partituras em Braille, as pessoas acabam procurando esses meios para auxiliar o aprendizado da música mais rapidamente. Essas ferramentas funcionam muito bem no início, mas na medida em que as músicas atingem um grau maior de complexidade a leitura de partituras torna-se muito importante.
Uma vez que eu dominasse a notação musical em Braille, eu poderia ter acesso a todas as partituras já transcritas, e, assim, poderia progredir em conhecimento e aprimorar a técnica como instrumentista, através do contato com um repertório mais abrangente. (Bonilha, 2006, p.3)
Bonilha (2006), formada em bacharelado em piano na Unicamp, diz que o aprendizado da Musicografia Braille foi determinante para sua entrada na faculdade e para que seus estudos prosseguissem de maneira bem sucedida. A autora, devido à escassez de informação disponível, aprendeu a musicografia Braille de modo quase que autodidata. Aponta que a maior dificuldade não foi aprender a leitura, e sim, a falta de partituras transcritas e a demora na produção do material que se tinha solicitado (existem algumas instituições que, por encomenda, confeccionam as partituras para o Sistema Braille).
Muitas vezes, a impossibilidade de esperar tanto tempo pela vinda do material fazia com que eu mesma transcrevesse minhas partituras, a partir do ditado feito por professores ou colegas de classe.” (Bonilha, 2006, p. 4)
O domínio da Musicografia Braille é praticamente indispensável para alunos cegos que pretendem profissionalizar-se na área musical, visto que, no Brasil, para entrar em qualquer faculdade de música é preciso ter conhecimento de conceitos teóricos referentes à leitura e à escrita musical. Assim, o acesso a esse sistema torna-se quase que imprescindível para a inclusão de alunos com deficiência visual em faculdades de música.
O domínio desse sistema é importante também para que os alunos adquiram a sua independência para ler partituras. A leitura de uma música permite que o aluno faça a análise da peça e construa sua própria interpretação.
O uso simultâneo da partitura e da gravação me levou a desenvolver algumas habilidades ligadas à percepção musical, sobretudo aquelas ligadas ao reconhecimento auditivo.” (Bonilha, 2006, p. 4)
Bonilha (2006) afirma que a alfabetização musical de pessoas com deficiência visual é um fator imprescindível para a inclusão dessas no campo da Música. Porém há uma escassez de recursos que torna inviável a concretização desse princípio, visto que poucas entidades se dedicam ao ensino e a difusão da Musicografia Braille no Brasil.
A autora diz que a falta de partituras transpostas para o Sistema Braille muitas vezes causam nas pessoas o desânimo para o aprendizado da Musicografia Braille ou fazem com que elas desistam de estudar através desse sistema. Por outro lado, poucos materiais são produzidos devido à baixa demanda por essa produção, criando-se assim um ciclo vicioso que poderia ser rompido com a maior difusão do ensino e da divulgação da Musicografia Braille, junto com a consolidação de mais espaços para o estudo desse sistema. Para a transcrição de uma partitura para a partitura em Braille necessita-se de pessoas que tenham domínio da notação musical em tinta, do sistema Braille e da Musicografia Braille, desfavorecendo assim a produção de materiais, pois é muito difícil encontrar pessoas que tenham conhecimento nessas três áreas. Para que exista mais esforço na produção de materiais é importante a divulgação e a compreensão da Musicografia Braille.
Já existem recursos específicos que estão sendo desenvolvidos para que as pessoas cegas possuam total autonomia para transcrever suas partituras.
No campo da informática há muito trabalho investido, com progressos já bem visíveis e prosseguem diversas e afanosas investigações, visando a concretização dos meios para que os cegos possam digitalizar, escrever, tratar, imprimir, converter, exportar e importar ficheiros, compor, orquestrar, fazer alterações, isto é: ter a possibilidade de manejar e rentabilizar os softwares musicais disponíveis e usufruir das ferramentas que facilitam a vida aos músicos normovisuais [sic]. (Silva, 2003, p.5)
Tomé (2003) diz que há mais de uma década vem-se realizando em vários países buscas que pretendem obter a confecção de um software que permita dispor de partituras em Braille, mas ainda não foi alcançado um editor de partituras com resultados plenamente satisfatórios. A autora acrescenta que já existe um software que utiliza o reconhecimento óptico dos caracteres das partituras em Braille para passar para o computador. Esse avanço permite conservar muitas partituras manuscritas e as que hoje estão restritas somente às poucas bibliotecas, tornar-se-ão acessíveis a todos através da informática.
Bonilha (2006) diz que apesar de na informática já existirem algumas ferramentas para a transcrição de partituras para o Sistema Braille, esses softwares ainda não são muito usados no Brasil devido à falta de informação quanto à existência destes e a falta de cursos e de treinamentos nessa área.
No Método Suzuki não foi achada qualquer transcrição para o sistema Braille e considerando que esse método atua como um grande facilitador no aprendizado do violino por pessoas cegas, pois trabalha principalmente com a audição e a memorização, seria interessante desenvolver a produção das partituras do Método para partituras no Sistema Braille. Assim, mesmo depois de inserida a teoria musical no aprendizado do aluno, o professor poderá continuar o ensino do violino através do Método Suzuki e o aluno continuará a sua evolução no violino por um método que é comprovadamente eficaz, apresentando apenas o modo de leitura e escrita diferentes dos demais alunos.
 
Figura 12 
Primeira música do Método Suzuki em tinta
"Brilha, Brilha, Estrelinha":

12. Primeira música do Método Suzuki em tinta - Brilha, Brilha, Estrelinha
(Extraído de Suzuki, 1978, p. 14)

Figura 13 
Primeira Música do Método Suzuki
transcrita para o Sistema Braille

Brilha, Brilha, Estrelinha
13. Primeira Música do Método Suzuki transcrita para o Sistema Braille "Brilha, Brilha, Estrelinha"

 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como não foi encontrada qualquer metodologia de ensino para deficientes visuais voltada para o violino e sabendo da importância de recursos didáticos na educação de pessoas com deficiência, buscou-se nesse trabalho fornecer uma ferramenta didática aos professores de violino interessados em desenvolver um trabalho com deficientes visuais.
Durante a realização deste trabalho buscou-se o esclarecimento de termos que possuem diversas aplicações e que serão de grande utilidade na elaboração das aulas e no conteúdo passado aos alunos.
Tivemos a oportunidade de conhecer a história e a filosofia do Método Suzuki, buscando trazer os princípios de sua filosofia ao ensino de violino voltado para pessoas cegas, juntamente com o processo histórico da Musicografia Braille e a sua importância no aprendizado musical por essas pessoas. Para facilitar o aprendizado do violino por pessoas desprovidas de visão foram também apontadas algumas adaptações didáticas interessantes, chamadas de Tecnologia Assistiva.
Verificou-se a falta de disciplinas nos cursos de música, voltadas para a preparação de profissionais como futuros educadores de pessoas com deficiências e a escassez de informações disponíveis acerca do ensino da música para pessoas desprovidas de visão.
A partir das investigações realizadas nesse estudo, notou-se que muitos estudantes de Música não têm a oportunidade de acesso à Musicografia Braille, devido à escassez de meios e recursos através dos quais esse acesso seja possível. A música é uma linguagem universal. Se o "Novo Manual Internacional de Musicografia Braille" for respeitado, permitirá o intercâmbio de partituras entre todos os países, o que é um fato de grande importância nesse momento em que existe uma necessidade de pessoas que façam transcrições de música em Braille em todo o mundo.
Visto a importância da partitura no aprendizado musical, esse trabalho abre o caminho para que seja realizada a transcrição das partituras do Método Suzuki para o Sistema Braille, atuando assim como um complemento para o ensino de música para pessoas desprovidas de visão.
Os conhecimentos aqui apresentados poderão ser úteis aos professores de violino interessados em desenvolver um trabalho voltado a deficientes visuais, dando a esse público a oportunidade de desenvolver e aprimorar suas habilidades musicais.

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NOTAS1. Violinista e pedagogo que desenvolveu um método de ensino do violino, o Método Suzuki, que é reconhecido mundialmente.
2. Criada por Louis Braille, é um sistema que torna a escrita e leitura da música totalmente acessível e funcional aos cegos.3. Método de ensino do violino reconhecido mundialmente, desenvolvido por Shinichi Suzuki.4. Fato comprovado através de um levantamento feito por nós em algumas dessas escolas de música.

O Ensino de Violino voltado para Deficientes Visuais integrando o método Suzuki e a Musicografia Braille
Débora Flemming Bohn
Florianópolis, 2008
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Música - opção Violino, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Violino, do Centro de Artes, da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
CENTRO DE ARTES - CEART, DEPARTAMENTO DE MÚSICA

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