sexta-feira, 25 de abril de 2014

História da EE em Portugal


História da EE em Portugal


Vou abordar, agora, a História da EE no nosso país. Para tal, é fundamental lançar-se um olhar sobre o Passado, procurando perceber-se qual o percurso realizado ao longo dos tempos, no que concerne à Educação e desenvolvimento da criança com NEE. É claro que a nossa conjuntura (em termos do assunto em tratamento) sofre influências internacionais, mas, Portugal teve, tem e terá sempre, as suas especificidades, nesta, como em todas as questões.

Organizo em cinco grandes fases:

  • Do Século XVIII ao Fim da Monarquia;
  • Durante a 1ª República (1910-1926);
  • O Estado Novo;
  • Pós-Vinte e Cinco de Abril;
  • Na Actualidade.

Assim se tenta dar uma visão alargada da evolução histórica da Educação em geral e da EE, em interligação com as alterações políticas, económicas e sociais, realçando as influências que tiveram as mudanças de mentalidade e tomada de consciência, que se foram produzindo ao longo dos tempos.


1.5.1. – Do Século XVIII ao fim da monarquia


A industrialização e o aparecimento de deficientes ilustres, nomeadamente cegos, criam as pré-condições para a descoberta das facilidades que tornam possível a organização da EE e a conquista legislativa de “cidadãos de pleno direito”, para os deficientes. O novo interesse, criado pelo Renascimento em estudar o Homem, leva ao estudo e Educação dos portadores de deficiências.

Salienta-se António Feliciano de Castilho (1800-1875), que tendo cegado aos seis anos, consegue aprender Latim, com a ajuda dos dois irmãos mais velhos. Apoiado por um deles, entra, como aluno, na Universidade de Coimbra, onde será brilhante.

No Reinado de D. Maria I (1777-1816) cria-se a Casa Pia. Às crianças pobres, órfãs e abandonadas, são aplicados os mais modernos e audaciosos métodos pedagógicos, transformando-se esta no primeiro estabelecimento de Educação de massas do País e na mais significativa instituição de assistência a menores, segundo Medina (1997).

Em 1822, o problema da Educação de crianças deficientes vem pela primeira vez a consagrar-se no âmbito das políticas educativas em Portugal. Tal alteração pode ter origem na “proclamação da liberdade de Ensino” em 1820, que consagra o princípio do Ensino gratuito para todos os cidadãos.

É, nesse ano, proposto nas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação portuguesa, o início de cadeiras oficiais de instrução de crianças surdas-mudas, por José António de Freitas Rego; assunto a que a Comissão de Instrução Pública, não dá provimento, embora visse tal iniciativa como sendo digna de interesse e atenção.

Na mesma ocasião, António Patrício manda publicar anúncios com o objectivo de estabelecer uma escola para deficientes, tentativa, ao que se julga, também fracassada.

Mas, José António Freitas Rego, em 1822, envia um pedido a D. João VI para se educarem os surdos e os cegos, sendo este o primeiro passo para o Ensino de deficientes em Portugal. O Monarca acede ao pedido e contrata o sueco Aron Borg para que organize um Instituto de Surdos e de Cegos, que ficará situado no palácio do Conde de Mesquitela no «Sítio da Luz».

Em 1827, é transferido para a tutela da Casa Pia. Este é visto como a primeira experiência oficial no domínio do Ensino Especial, no nosso País, da primeira metade do Século XIX.

A partir de 1834 (com D. Maria II no poder, após a investida absolutista de D. Miguel), abrem-se as primeiras escolas residenciais de cegos, surdos e débeis mentais, para que estes se comecem a adaptar à sociedade.

Em 1860, o Instituto de Surdos e de Cegos é extinto, reaparecendo, depois de outras iniciativas, em 1877, em Lisboa (no “Palácio Arneiro” com o nome de “Instituto Municipal de Surdos-mudos”). Esta instituição virá, em 1905, a ser reincorporada na Casa Pia.

Em 1863 cria-se o Asilo de Cegos de Nossa Senhora da Esperança, em Castelo de Vide, para cegos idosos, que passa, posteriormente, a receber crianças e adolescentes.

Em 1877, é criado em Lisboa, o Instituto Municipal de Surdos-mudos, que será (vinte e oito anos depois), incorporado na Casa Pia, podendo ser considerado o precursor do futuro  Instituto Português de surdos-mudos e Cegos.

            A ocorrência de casos de cegueira em algumas famílias de estrato social elevado, como as de Madame Sigaud Souto e de Branco Rodrigues, é um poderoso factor de sensibilização, contribuindo decisivamente para criar um núcleo fortemente motivado para apoio a esta causa. A ela, prontamente aderem altas individualidades da administração pública e da classe médica, expandindo-se rapidamente na procura da indispensável ajuda à elaboração e implantação de alguns dos projectos necessários.

            Madame Sigaud Souto, em 1887, com um grupo de pessoas interessadas, funda a APEC, em Lisboa. Esta Associação propõe-se «estabelecer escolas para cegos em Lisboa e nas principais terras do reino».

            Em 1888, é criado nesta cidade, o Asilo-escola António Feliciano de Castilho. No início destina-se a crianças de ambos os sexos, mas deixa de ser um estabelecimento misto em 1940 para ensinar apenas raparigas. Após um período inicial, em que é ministrada alguma preparação profissional, a Escola restringe a sua actividade à Instrução Primária e à Educação Musical.

            Em 1893 inaugura-se o Instituto Araújo Porto, na cidade do Porto, por legado feito à Misericórdia desta cidade e que ainda hoje existe, continuando a dedicar-se ao Ensino de raparigas surdas, conforme desejo de seu fundador.

No Porto é criado a 12 de Novembro de 1899, o Asilo de Cegos S. Manuel, graças à generosidade de beneméritos como Manuel António Monteiro dos Santos. Este edifício, doado à Santa Casa da Misericórdia do Porto, destina-se, inicialmente, à formação profissional de cegos adultos do sexo masculino.

José Cândido Branco Rodrigues constitui em 1900, em Lisboa, um Instituto de Cegos ao qual será dado o seu nome.

A 5 de Maio de 1903, o Governador Civil do Porto, Adolpho da Cunha Pimentel, aprova  o alvará apresentado por José Cândido Branco Rodrigues referente à "Escola de Cegos do Porto", destinada a educar crianças cegas de ambos os sexos. Esta Escola está sediada na Rua Ferreira Cardoso.

É facto cada vez mais marcante, que a Educação de crianças deficientes em Portugal começa a ganhar corpo a partir da 2ª metade do Século XIX, com a criação de Asilos e Institutos, que correspondem, na época, a uma perspectiva filosófica de base marcadamente assistencialista nos primeiros, e numa perspectiva declaradamente pró-educativa, nos segundos.

Assim, estes estabelecimentos, quando os seus objectivos são assistenciais, denominam-se asilos e, quando são expressos os fins educativos designam-se institutos. Surgem, por legados feitos por beneméritos a organizações de assistência com o fim de se destinarem a apoiar crianças e jovens deficientes.

Esta primeira fase da EE vai completar-se em 1919, com a criação, em Lisboa, do Instituto Dr. António Aurélio da Costa Ferreira, que se propõe observar e ensinar os alunos da Casa Pia, que sofrem de perturbações mentais e de linguagem. Isto lançará as bases, no princípio do Século, para uma futura organização, das estruturas da EE ao nível da iniciativa pública.

No início do século XX há, no país, dois asilos para cegos e dois institutos para surdos.


1.5.2. – Durante a 1ª República


Com a primeira República (1910-1926), uma das prioridades dos vários governos é o desenvolvimento e laicização do Ensino, verificando-se, a criação de escolas.

Conforme a Proposta de Lei sobre a reorganização da Educação Nacional, os cegos, surdos, atrasados mentais e atrasados escolares ficam fora do Ensino Elementar.

A Misericórdia do Porto e a Casa Pia de Lisboa assumem grande relevância na Educação de crianças cegas, sendo que a segunda envia professores bolseiros para Paris, com o intuito de se especializarem no ensino de crianças cegas e surdas. Cria, em Portugal, cursos para especialização de professores.

Em 1912 é instituída a Colónia Agrícola de S. Bernardino, com o patrocínio do Dr. António Aurélio da Costa Ferreira, importante pedagogo que dará um grande impulso à Educação dos surdos.

Organiza, em 1913, o Curso Normal Para a Especialização de Professores.

Segundo elementos contidos no preâmbulo do DL nº 31801, de 26 de Dezembro de 1941, a primeira tentativa, no sentido de prestar Educação e Assistência aos menores anormais, surge em 1915, com a criação de um Instituto Médico-Pedagógico.  Este vem, mais tarde, a ter o nome do seu fundador (Instituto Dr. António Aurélio da Costa Ferreira). Inicialmente serve para observar e ensinar os alunos da Casa Pia, que apresentem deficiência mental, e observar crianças com perturbações mentais e de linguagem, que recorram à consulta externa. Devido à Grande Guerra, converte-se em centro de observação e selecção de mutilados e estropiados.

Em 1920 é restituído ao seu fim inicial, como refere Sampaio (1976).

São criadas –  no sector particular – várias instituições de atendimento, entre as quais (em 1926), o Instituto Condessa Relvas. Este Instituto, a partir de 1933, passa a orientar a sua acção como uma  “escola de reeducação de anormais mentais recuperáveis do sexo feminino”. Ali, funcionam classes especiais de ensino primário elementar, classes sensoriais para o desenvolvimento das faculdades de inteligência e classes-oficinas onde as internadas aprendem serviços domésticos, Sampaio (1976).

            Também em 1926, o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira passa para a tutela da Secretaria-Geral do Ministério da Instrução.

Esta fase da EE lançou as bases, para uma futura organização a nível das suas estruturas em termos estatais. É caracterizada, fundamentalmente, pela criação de institutos e asilos (a nível privado e financiados pela Assistência Social).



1.5.3. –  O Estado Novo


Entre 1926-74 – em que vigoram no país governos de carácter autoritário – são, imediatamente, definidas medidas drásticas para restringir o dinheiro gasto com a Educação. Dá-se então a redução do Ensino Obrigatório a quatro anos e substitui-se o regime de coeducação pelo da separação dos sexos (DL 13.619 de 17 de Maio de 1927).

A par do retrocesso Político e Social que o regime ditatorial implica, assiste-se a um bloqueio aos movimentos pedagógicos renovadores, a um ataque aos conceitos da necessidade de Alfabetização e Cultura, que irão ser apresentados como ideias perigosas e nocivas e a um combate à importância dada ao Ensino Primário.

            No entanto, vão surgindo associações de apoio ao deficiente, a nível particular. Destaca-se, Associação Luís Braille (ALB), fundada em 25 de Junho de 1927, a qual passou a designar-se Associação de Beneficência Luís Braille, (ABLB), por força da revisão de estatutos de 1935, e Associação de Cegos Luís Braille, (ACLB), na sequência da alteração estatutária de 1977.

Durante o governo de Oliveira Salazar  (1933-1968), o Estado além de impedir uma formação de qualidade aos professores, negar o acesso ao Ensino a um grande número de crianças, reduzir o Ensino Obrigatório e procurar desresponsabilizar-se, ainda impõe que sejam as povoações pobres a construir as escolas.

Toda a concepção de Homem, criada a partir da sua estrutura biológica faz-se repercutir na expectativa concebida em torno da EE, defendendo-se que a deficiência mental é transmitida hereditariamente. Por essa altura, Binet e Simon concebem a primeira Escala de Inteligência encomendada para seleccionar os alunos que não progridem, nem acompanham o ritmo de Ensino, ministrado nas escolas públicas.

Procurando acompanhar o que se ia passando no estrangeiro ao nível da Educação de cegos, o Asilo-escola António Feliciano de Castilho edita a primeira Revista em Braille publicada no País –  "A Revista dos Cegos” – entre 1933 a 1948. Na sua publicação utiliza-se equipamento de impressão oferecido pela American Braille Press.

As funções previstas para o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, não têm resultados práticos, já que este fica parado até 1942. Neste ano, edita a notável Revista “Criança Portuguesa”, de renome internacional.

Em 1945, é publicado o DL nº 35401, que considera o Instituto como “Dispensário de higiene mental infantil, responsável por todo o país”. Este DL autoriza a criação de “classes especiais de crianças anormais”, que funcionarão sob a orientação técnica do mesmo Instituto e a quem cabe formar os respectivos professores.

Também, em 1945, a Escola de Cegos do Porto foi transferida da Rua Ferreira Cardoso, para as instalações do Asilo de Cegos de S. Manuel, na Rua da Paz; surge assim o Instituto-asilo de Cegos de S. Manuel, apoiando cerca de vinte e cinco alunos e alguns adultos. Aqui, para além de os preparar para o Exame da 4ª Classe, privilegia-se, entre outras matérias, o ensino da Música. Os mais velhos aprendem e realizam trabalhos oficinais.

Neste mesmo ano acaba a Segunda Guerra Mundial e surge a ONU. O Mundo abre-se, terminando o Fascismo em muitos países. Portugal adere à ONU em 1955: fruto desta adesão e duma conjuntura internacional que exigia das pessoas mais habilitações, Salazar fará ligeiras reformas em alguns sectores da Educação, de acordo com Cortesão (1982).

Assim, há a realçar, em 1946, a publicação das disposições regulamentares para a criação e funcionamento das classes especiais, com a publicação do  DL nº 35.801 de 13 de Agosto. Para essas classes, a funcionarem nas Escolas do Ensino Primário vão os deficientes mentais. A primeira dessas classes especiais começa a funcionar em 1947, expandindo-se nas décadas seguintes em quantidade e a novos locais. Os deficientes auditivos e visuais continuam entregues às misericórdias ou outras Fundações Assistenciais. Sendo que a autorização de funcionamento é dada pela Direcção Geral do Ensino Primário, pode afirmar-se que o Estado assume a Educação dos deficientes em Portugal. Daí que esteja criado o Ensino Especial Oficial Público no nosso país.

O Ensino Especial, na década de 50, cobre uma percentagem mínima da população que por ele deveria ser abrangida, como refere Sampaio (1976).

            Em 1956, a Liga dos Deficientes Motores cria uma Escola para Reabilitação.

            Nos anos 60, o posicionamento do governo face aos deficientes começa a mudar, gradualmente.  As instituições puramente assistenciais passam a ser questionadas, e a tomada de consciência dos direitos das crianças, conduz a uma evolução das ideias. Surge assim, por um lado, o conceito de “Normalização” e de “Integração Social”, e por outro, as inovações no sector pedagógico, educativo, terapêutico e médico.

E, devido à escassez de recursos do país, grupos de pais começam a organizar-se em associações, procurando criar estruturas educativas para os seus filhos.

Em 1960, realiza-se o I Congresso Nacional de Saúde Mental, em Lisboa.

Também, neste ano, um movimento de pais fundou a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral. Esta Associação abre um centro de atendimento em Lisboa, que se alarga, mais tarde, a Coimbra e Porto.

Em 1961, o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira passou à tutela do Instituto de Assistência Psiquiátrica e, em 1963, fica dependente da Direcção Geral do Ensino Superior. É este Instituto que lidera o processo de EE em Portugal, embora começassem a surgir estruturas paralelas. É fundado o Instituto de Assistência a Menores, sob a tutela da Direcção Geral da Assistência, o qual, em 1964, cria os Serviços de Educação de Deficientes (para deficientes mentais e, em 1968, para deficientes visuais e auditivos). Estes serviços passam a ser responsáveis pela organização e gestão das acções educativas dirigidas a crianças e jovens deficientes em todo o país. Cria e remodela organizações privadas e oficiais, promove cursos de especialização, face à carência de quadros devidamente habilitados.

            Em 1962, um movimento social de índole associativa, liderado por pais de crianças deficientes mentais, cria a Associação Portuguesa de Pais e Amigos das Crianças Mongolóides, posteriormente denominada APPACDM, com delegações em várias cidades do País. Hoje, os centros de atendimento da APPACDM são mais de duas dezenas, tendo o primeiro sido aberto em 1965.

Fruto das actividades do Instituto Costa Ferreira, reestruturam-se o Instituto Adolfo Coelho e o Instituto Condessa de Relvas, destinados ao atendimento de deficientes mentais.

Em 1967, é criado o COOMP, numa altura em que o modelo Médico-Pedagógico do pós-guerra se encontra em crise profunda em alguns países ocidentais, face à contestação social dos pais, começando-se a adoptar os princípios da Integração dos deficientes mentais em meio escolar normal.

O Instituto de Assistência Social cria novos serviços, responsáveis pela organização de meios educativos para crianças e jovens deficientes mentais, visuais e auditivos. A sua acção vem a traduz-se na organização de estabelecimentos educativos especiais, com internato e semi-internato, na formação de professores e na organização de serviços de apoio precoce.

Em 1968, surgem, ainda, salas de apoio em Coimbra e no Porto, as quais se generalizam por outras regiões, a partir de 1970. Dá-se o primeiro passo para a Integração de crianças cegas, em regime de salas de apoio.

Pouco depois, é o próprio Ministério da Educação, quem inicia a Integração dos alunos no Ensino Primário. Serve-se, para isso, do apoio dado pela Direcção Geral da Assistência. Esta Direcção já tinha criado estruturas regionais – os Centros de Educação Especial.

Em 1971, forma-se a Associação Portuguesa para Protecção de Crianças Auditivas, com um centro especializado em Lisboa. A falta de educadores de infância e professores especializados no ensino das deficiências visual e auditiva leva a que o Centro de Preparação de Pessoal da Direcção Geral de Assistência organize cursos de especialização.

É formada também uma Comissão Permanente de Braille, que posteriormente será extinta. Para apoio aos pais de crianças cegas, entre os 0 e os 6 anos de idade, cria-se um SOD. Este instituto funda oito estabelecimentos para deficientes visuais, dez para deficientes auditivos e onze para deficientes mentais.

Como reflexo do crescimento do contingente de deficientes oriundos  das guerras coloniais em África e sob pressão crescente da opinião pública portuguesa, o Estado Novo publica, em Janeiro de 1971, a Lei nº 6/71, a qual constitui a primeira “Lei de Bases da Reabilitação e Integração de pessoas deficientes.”  São reestruturados os serviços do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde e da Assistência. Passa a ser organizado o Centro de Observação e Orientação Médico-Pedagógica.

            Importa referir que, só em 1972, o Ministério da Educação assume de uma forma clara, a Educação das crianças deficientes, lançando um decreto que cria departamentos de EE e que define a necessidade de consagrar um interesse particular à Integração das crianças deficientes ou inadaptadas nas classes regulares.

            Nesta altura em que Marcelo Caetano está no poder e o seu Ministro Veiga Simão, na pasta da Educação. Este último construirá grande número de escolas e tomará medidas tendentes a alargar a Escolaridade dos portugueses.

De facto, na EE surgem novos horizontes: em 1973, é publicada a Lei Orgânica do Ministério da Educação, que cria uma DEE para o Ensino Básico e outra DEEP para o Ensino Secundário. As duas divisões orientam a sua actividade no sentido da especialização de professores. Aparecem, pela primeira vez, professores especializados em Deficiência Motora.

Há um assumir de maiores responsabilidades por parte do Ministério: a extensão do Ensino Básico às crianças deficientes traduz o atendimento educativo a estas crianças. É este trabalho que motiva a organização das novas escolas especiais existentes. E,  depois da Reforma de 1973, segue-se uma reestruturação do Ministério da Educação, criando-se as Divisões do Ensino Especial.

Apesar da Reforma de Veiga Simão não ter sido totalmente aplicada, estavam criadas as condições, tanto a nível da doutrina, como administrativas, para se iniciar um processo de transformação e modernização da EE em Portugal.


1.5.4. – Pós-Vinte e Cinco de Abril


Com o 25 de Abril de 1974 – em termos de orgânica administrativa – o Sistema de EE passa a entroncar em duas redes paralelas, ambas com muito poder formal e institucional, dando origem a um modelo de EE, incapaz de criar responsabilidades na Escola pública, devido ao seu desencontro com a Educação nacional, em geral.

Em 1974, os sectores ligados à EE defendem a ideia de que cabe ao Ministério da Educação a responsabilidade integral pela formação de professores nas várias deficiências. Daí a reorganização dos cursos ministrados pelo Instituto Aurélio António da Costa Ferreira, estando este vocacionado somente para a especialização de professores em crianças com dificuldades de aprendizagem.

Entretanto, cessa o Centro de Formação de Pessoal, dependente da Direcção Geral da Assistência.

A crescente consciencialização dos direitos da criança e o crescente movimento de opinião, no sentido da Integração das crianças deficientes nas classes regulares leva a que as classes especiais se transformem em salas de apoio.

Nessa base, a EE, ao longo de vários anos, fica tutelada por dois ministérios: o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde e Assistência (mais tarde denominado Ministério dos Assuntos Sociais). Esta estrutura paralela manteve-se mesmo quando o Ministério dos Assuntos Sociais  se desmembrou, sendo substituído pelo Ministério do Emprego e Segurança Social.

Em 23 de Maio de 1974, um grupo de técnicos, ligados à EE elabora um documento-base entregue em Julho desse ano, às entidades governamentais, contendo um conjunto de princípios e medidas que devem orientar a educação especial. Este será um “ponto de referência” para as acções do movimento social emergente. O movimento CERCI é o resultado de um conjunto de possibilidades de todos aqueles que, possuindo um sentimento comum,   por se encontrarem numa posição ideológica justificativa da sua actuação, foram movidos por razões pragmáticas, por acreditarem que, aderindo a esse movimento, conseguiriam, em conjunto, resolver os seus problemas (sobretudo pais a quem o Estado não dava o devido encaminhamento aos seus filhos).

Esta vaga de liberdade sente-se também nas escolas, sendo realizadas diversas experiências inovadoras, muitas delas nos meios rurais, visando uma maior abertura e articulação com a vida das comunidades locais. Considerando que a Educação das crianças não é apenas determinada pela Escola, defende-se a necessidade de promover a melhoria do contexto sociofamiliar, assim mesmo salienta Cardona (1997).

A Constituição de 1976, e mais tarde o DL 538/79, representam um marco fundamental na nova política. O Estado assume os deficientes, consagrando na Constituição de 1976, nos artigos 73º e 74º, o Direito ao Ensino e à igualdade de oportunidades a todos os cidadãos. Em relação aos deficientes, o artigo 71º estabelece uma política nacional de prevenção, tratamento, Reabilitação e Integração.

Depois de 1976, deu-se a grande viragem: surgem as equipas de ensino integrado e os primeiros professores de apoio itinerante e são publicadas várias leis que deram um grande contributo à integração.

Em consequência dos princípios da Constituição e considerando a necessidade de assegurar um efectivo cumprimento da Escolaridade Obrigatória, em toda a sua amplitude, e relativamente a todas as crianças portuguesas, o DL nº 538/79 de 31 de Dezembro determina que, «o Ensino Básico é universal, obrigatório e gratuito», abrangendo os primeiros seis anos de Escolaridade, sendo a idade escolar fixada entre os seis anos completos e os 14. Quanto aos alunos com NEE, o Estado assegura o cumprimento da “Escolaridade Obrigatória”.

Mas, estas decisões não traduzem a realidade do país, continuando a não existir estruturas de EE, de forma a dar resposta às necessidades educativas de grande percentagem de crianças deficientes. Aliás, o mesmo DL, estabelece que as crianças com incapacidade comprovada possam ser dispensadas da matrícula ou da frequência até final da Escolaridade Obrigatória, embora exija que, para tal, os encarregados de educação o requeiram formalmente e a Escola promova a observação médica das crianças.

Já em 1980, é preparada pelo Governo, uma proposta da LBSE, presente à Assembleia da República, em Abril. Esta será largamente distribuída para ser objecto de discussão pública. Depois de analisada no Parlamento, é promulgada a 14 de Outubro de 1986.

A LBSE veio estabilizar e coordenar as decisões tomadas no campo educativo. Os seus princípios orientadores visam: o desenvolvimento do ser humano de forma plena, responsável e harmoniosa. Dá especial relevância à expansão qualitativa do ensino, embora ainda fosse necessária a expansão quantitativa.

Como aspectos essenciais com implicação directa na educação de crianças, com necessidades educativas especiais, a LBSE:

  • Propõe um alargamento da escolaridade obrigatória para 9 anos (correspondente reorganização do período escolar, considerado como Ensino Básico);
  • Estabelece que a Educação Pré-Escolar deve proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades e promover a melhor orientação e encaminhamento da criança;
  • Integra, nos objectivos do Ensino Básico, a existência de condições adequadas ao desenvolvimento educativo de crianças inadaptadas, deficientes e precoces.

Em relação à EE, em particular, é defendido o seu desenvolvimento em moldes de integração. Podemos verificar que os princípios orientadores desta política educativa promovem sistematicamente o modelo da integração da criança deficiente no ensino regular, ou seja, pretende a integração da educação especial no sistema educativo nacional.

Decorrentes da LBSE, surgem, posteriormente, documentos fundamentais. Um deles é o DL nº 286/89, de 29 de Agosto, que veio fundamentar a organização curricular dos ensinos Básico e Secundário. Um outro, de referência obrigatória, é o DL 319/91 de 23 de Agosto. É a consagração de um conjunto de medidas, cuja aplicação deve ser ponderada de acordo com o princípio de que a Educação dos alunos com NEE, deve processar-se no meio menos restritivo pos-sível, e cada uma das medidas só deve ser adoptada quando se revele indispensável para atingir os objectivos educacionais definidos.

São assim definidas as medidas do REE: os equipamentos especiais de compensação, as adaptações materiais, as adaptações curriculares, as condições especiais de matrícula, entre outras. São, ainda, especificados os elementos que devem constar obrigatoriamente do PEI e do Programa Educativo. Os Encarregados de Educação devem manifestar sempre a sua opinião e participar na elaboração dos documentos e os mesmos carecem da sua anuência. Todos os alunos, cujo Programa Educativo se traduza num currículo alternativo, obtêm, no termo da sua Escolaridade, um certificado que especifique as competências alcançadas.

A Portaria 611/93, de 29 de Junho, estabelece as normas técnicas de execução necessárias à aplicação das medidas previstas no DL 319/91, destinadas a crianças com NEE, que frequentam os Jardins de Infância na rede pública do Ministério da Educação.

O Estado Português, ao subscrever a Declaração de Salamanca (em 1994), assume as novas concepções sobre a Educação dos alunos com NEE e expressa uma clara opção pela Escola Inclusiva. Este Documento tem um papel fundamental na inclusão das crianças/jovens com NEE – como já expliquei anteriormente.

Em 1997, é publicado o Despacho Conjunto nº 105/97, que reconhece a importância primordial da actuação dos professores com formação especializada e articula-se com outros projectos em curso no âmbito do Ministério da Educação, nomeadamente, a reorganização da rede escolar, a reestruturação da gestão pedagógica e administrativa das escolas. Visa introduzir uma mudança significativa na situação actualmente existente no âmbito dos apoios a crianças com NEE. Confere clara prioridade à colocação de pessoal docente e de outros técnicos nas escolas, consubstanciando as condições para a integração e o sucesso de todos os alunos.


1.5.5. – Na Actualidade


Surgui, muito recentemente, posteriormente o DL nº3/2008, que veio alargar o âmbito da aplicação ao pré-escolare ao ensino particular e cooperativo. Introduz a definição da população alvo da educação especial bem como dos objectivos desta última, circunscrevendo essa população às crianças e jovens que apresentam necessidades educativas especiais decorrentes de alterações funcionais e estruturais de carácter permanente que se traduzem em dificuldades continuadas em diferentes domínios necessitando, por isso, da mobilização de serviços especializados para a promoção do seu potencial de funcionamento biopsicossocial.

Define os direitos e deveres dos pais/encarregados de educação no exercício do poder paternal, nos aspectos relativos à implementação da educação especial junto dos seus educandos e introduz os procedimentos a ter no caso em que estes não exerçam o seu direito de participação neste domínio.

Quanto à organização das escolas, este documento,  refere a necessidade das escolas incluírem nos seus projectos educativos as adequações, relativas ao processo de ensino e de aprendizagem, de carácter organizativo e de funcionamento, necessárias à resposta educativa dos alunos que beneficiem de educação especial. Estabelece a criação de uma rede de escolas de referência de ensino bilingue para alunos surdos e para a educação de alunos cegos e com baixa visão. Estabelece a possibilidade de os agrupamentos de escolas desenvolverem respostas específicas diferenciadas através da criação de unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espectro do autismo e de unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência e surdocegueira congénita. Estabelece um processo de referenciação bem estruturado o qual deverá ocorrer o mais precocemente possível, podendo a referenciação ser efectuada aos órgãos de administração ou gestão das escola por iniciativa dos pais ou encarregados de educação, do conselho executivo, dos docentes ou de outros técnicos que intervêm com a criança ou jovem.

Quanto ao processo de avaliação, atribui ao departamento de educação especial das escolas e aos serviços de psicologia e orientação a responsabilidade da elaboração de um relatório técnicopedagógico relativo às situações referenciadas. Refere que os resultados decorrentes da avaliação constantes no relatório técnicopedagógico devem ser obtidos por referência à CIF. Estabelece as regras relativas ao serviço docente no âmbito do processo de referenciação e de avaliação.

Quanto à planificação e programação educativa, estabelece um único documento oficial denominado Programa Educativo Individual (PEI) o qual fixa e fundamenta as respostas educativas e respectivas formas de avaliação utilizadas, para cada aluno. Introduz nos itens do PEI os indicadores de funcionalidade, bem como os factores ambientais que funcionam como facilitadores ou como barreiras à participação e à aprendizagem, por referência à CIF. Estabelece que o PEI deve ser elaborado, conjunta e obrigatoriamente, pelo docente do grupo ou turma ou director de turma, o docente de educação especial e pelos serviços implicados na elaboração do relatório acima referenciado.  Introduz a figura do coordenador do PEI, na pessoa do director de turma, professor do 1º ciclo ou educador. Estabelece um prazo de 60 dias, após a referenciação, para elaboração do PEI. Estabelece que o PEI deve ser necessariamente revisto no final de cada ciclo de escolaridade. Estabelece a obrigatoriedade de se efectuar um relatório circunstanciado, no final do ano lectivo, dos resultados obtidos por cada aluno no âmbito da aplicação das medidas estabelecidas no PEI. Introduz um Plano Individual de Transição que deve complementar o PEI no caso dos jovens cujas necessidades educativas os impeçam de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo comum.

Estabelece as medidas educativas de educação especial que visam promover a aprendizagem e a participação dos alunos no âmbito da adequação do seu processo de ensino e de aprendizagem, a saber:

a) Apoio pedagógico personalizado;

b) Adequações curriculares individuais;

c) Adequações no processo de matrícula;

d) Adequações no processo de avaliação;

e) Currículo específico individual;

f) Tecnologias de apoio

Quanto ao encaminhamento de alunos para as instituições de ensino especial, o referido documento, assunção clara de uma perspectiva de inclusão que não dispensa a análise da singularidade de cada caso e uma lógica de adequação das respostas educativas, para as quais se criaram condições de especialização Para o bom desenvolvimento da educação especial nas escolas regulares é definida a possibilidade de os agrupamentos de escolas estabelecerem parcerias com as instituições públicas, particulares, de solidariedade social e centros de recursos especializados.

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