História da EE em Portugal
Vou abordar, agora, a História da EE no nosso país. Para tal, é
fundamental lançar-se um olhar sobre o Passado, procurando perceber-se qual o
percurso realizado ao longo dos tempos, no que concerne à Educação e
desenvolvimento da criança com NEE. É claro que a nossa conjuntura (em termos
do assunto em tratamento) sofre influências internacionais, mas, Portugal teve,
tem e terá sempre, as suas especificidades, nesta, como em todas as questões.
Organizo em cinco grandes fases:
- Do Século XVIII ao Fim da Monarquia;
- Durante a 1ª República (1910-1926);
- O Estado Novo;
- Pós-Vinte e Cinco de Abril;
- Na Actualidade.
Assim se tenta dar uma visão alargada da evolução histórica da Educação
em geral e da EE, em interligação com as alterações políticas, económicas e
sociais, realçando as influências que tiveram as mudanças de mentalidade e
tomada de consciência, que se foram produzindo ao longo dos tempos.
1.5.1. – Do Século XVIII ao fim da
monarquia
A industrialização e o aparecimento de deficientes ilustres, nomeadamente
cegos, criam as pré-condições para a descoberta das facilidades que tornam
possível a organização da EE e a conquista legislativa de “cidadãos de pleno
direito”, para os deficientes. O novo interesse, criado pelo Renascimento em
estudar o Homem, leva ao estudo e Educação dos portadores de deficiências.
Salienta-se António Feliciano de Castilho (1800-1875), que tendo cegado
aos seis anos, consegue aprender Latim, com a ajuda dos dois irmãos mais
velhos. Apoiado por um deles, entra, como aluno, na Universidade de Coimbra,
onde será brilhante.
No Reinado de D. Maria I (1777-1816) cria-se a Casa Pia. Às crianças
pobres, órfãs e abandonadas, são aplicados os mais modernos e audaciosos
métodos pedagógicos, transformando-se esta no primeiro estabelecimento de
Educação de massas do País e na mais significativa instituição de assistência a
menores, segundo Medina (1997).
Em 1822, o problema da Educação de crianças deficientes vem pela
primeira vez a consagrar-se no âmbito das políticas educativas em Portugal. Tal
alteração pode ter origem na “proclamação da liberdade de Ensino” em 1820, que
consagra o princípio do Ensino gratuito para todos os cidadãos.
É, nesse ano, proposto nas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação
portuguesa, o início de cadeiras oficiais de instrução de crianças
surdas-mudas, por José António de Freitas Rego; assunto a que a Comissão de
Instrução Pública, não dá provimento, embora visse tal iniciativa como sendo
digna de interesse e atenção.
Na mesma ocasião, António Patrício manda publicar anúncios com o
objectivo de estabelecer uma escola para deficientes, tentativa, ao que se
julga, também fracassada.
Mas, José António Freitas Rego, em 1822, envia um pedido a D. João VI
para se educarem os surdos e os cegos, sendo este o primeiro passo para o
Ensino de deficientes em Portugal. O Monarca acede ao pedido e contrata o sueco
Aron Borg para que organize um Instituto de Surdos e de Cegos, que ficará
situado no palácio do Conde de Mesquitela no «Sítio da Luz».
Em 1827, é transferido para a tutela da Casa Pia. Este é visto como a
primeira experiência oficial no domínio do Ensino Especial, no nosso País, da
primeira metade do Século XIX.
A partir de 1834 (com D. Maria II no poder, após a investida absolutista
de D. Miguel), abrem-se as primeiras escolas residenciais de
cegos, surdos e débeis mentais, para que estes se comecem a adaptar à
sociedade.
Em 1860, o Instituto de Surdos e de Cegos é extinto, reaparecendo,
depois de outras iniciativas, em 1877, em Lisboa (no “Palácio Arneiro” com o
nome de “Instituto Municipal de Surdos-mudos”). Esta instituição virá, em 1905,
a ser reincorporada na Casa Pia.
Em 1863 cria-se o Asilo de Cegos de Nossa Senhora da Esperança, em
Castelo de Vide, para cegos idosos, que passa, posteriormente, a receber
crianças e adolescentes.
Em 1877, é criado em Lisboa, o Instituto Municipal de Surdos-mudos, que
será (vinte e oito anos depois), incorporado na Casa Pia, podendo ser
considerado o precursor do futuro Instituto Português de surdos-mudos e
Cegos.
A ocorrência de casos de cegueira em
algumas famílias de estrato social elevado, como as de Madame Sigaud Souto e de
Branco Rodrigues, é um poderoso factor de sensibilização, contribuindo
decisivamente para criar um núcleo fortemente motivado para apoio a esta causa.
A ela, prontamente aderem altas individualidades da administração pública e da
classe médica, expandindo-se rapidamente na procura da indispensável ajuda à
elaboração e implantação de alguns dos projectos necessários.
Madame Sigaud Souto, em 1887, com um
grupo de pessoas interessadas, funda a APEC, em Lisboa. Esta Associação
propõe-se «estabelecer escolas para cegos em Lisboa e nas principais terras do
reino».
Em 1888, é criado nesta cidade, o
Asilo-escola António Feliciano de Castilho. No início destina-se a crianças de
ambos os sexos, mas deixa de ser um estabelecimento misto em 1940 para ensinar
apenas raparigas. Após um período inicial, em que é ministrada alguma
preparação profissional, a Escola restringe a sua actividade à Instrução
Primária e à Educação Musical.
Em 1893 inaugura-se o Instituto
Araújo Porto, na cidade do Porto, por legado feito à Misericórdia desta cidade
e que ainda hoje existe, continuando a dedicar-se ao Ensino de raparigas
surdas, conforme desejo de seu fundador.
No Porto é criado a 12 de Novembro de 1899, o Asilo
de Cegos S. Manuel, graças à generosidade de beneméritos como Manuel António
Monteiro dos Santos. Este edifício, doado à Santa Casa da Misericórdia do
Porto, destina-se, inicialmente, à formação profissional de cegos adultos do
sexo masculino.
José Cândido Branco Rodrigues constitui em 1900, em
Lisboa, um Instituto de Cegos ao qual será dado o seu nome.
A 5 de Maio de 1903, o Governador Civil do Porto,
Adolpho da Cunha Pimentel, aprova o
alvará apresentado por José Cândido Branco Rodrigues referente à "Escola
de Cegos do Porto", destinada a educar crianças cegas de ambos os sexos.
Esta Escola está sediada na Rua Ferreira Cardoso.
É facto cada vez mais marcante, que a Educação de
crianças deficientes em Portugal começa a ganhar corpo a partir da 2ª metade do
Século XIX, com a criação de Asilos e Institutos, que correspondem, na época, a
uma perspectiva filosófica de base marcadamente assistencialista nos primeiros,
e numa perspectiva declaradamente pró-educativa, nos segundos.
Assim, estes estabelecimentos, quando os seus objectivos
são assistenciais, denominam-se asilos e, quando são expressos os fins
educativos designam-se institutos. Surgem, por legados feitos por beneméritos a
organizações de assistência com o fim de se destinarem a apoiar crianças e
jovens deficientes.
Esta primeira fase da EE vai completar-se em 1919,
com a criação, em Lisboa, do Instituto Dr. António Aurélio da Costa Ferreira,
que se propõe observar e ensinar os alunos da Casa Pia, que sofrem de
perturbações mentais e de linguagem. Isto lançará as bases, no princípio do
Século, para uma futura organização, das estruturas da EE ao nível da
iniciativa pública.
No início do século XX há, no país, dois asilos para cegos e dois
institutos para surdos.
1.5.2. – Durante a 1ª República
Com a primeira República (1910-1926), uma das prioridades dos vários
governos é o desenvolvimento e laicização do Ensino, verificando-se, a criação
de escolas.
Conforme a Proposta de Lei sobre a reorganização da Educação Nacional,
os cegos, surdos, atrasados mentais e atrasados escolares ficam fora do Ensino
Elementar.
A Misericórdia do Porto e a Casa Pia de Lisboa assumem grande relevância
na Educação de crianças cegas, sendo que a segunda envia professores bolseiros
para Paris, com o intuito de se especializarem no ensino de crianças cegas e
surdas. Cria, em Portugal, cursos para especialização de professores.
Em 1912 é instituída a Colónia Agrícola de S. Bernardino, com o
patrocínio do Dr. António Aurélio da Costa Ferreira, importante pedagogo que
dará um grande impulso à Educação dos surdos.
Organiza, em 1913, o Curso Normal Para a Especialização de Professores.
Segundo elementos contidos no preâmbulo do DL nº 31801, de 26 de
Dezembro de 1941, a primeira tentativa, no sentido de prestar Educação e
Assistência aos menores anormais, surge em 1915, com a criação de um Instituto
Médico-Pedagógico. Este vem, mais tarde,
a ter o nome do seu fundador (Instituto Dr. António Aurélio da Costa Ferreira).
Inicialmente serve para observar e ensinar os alunos da Casa Pia, que
apresentem deficiência mental, e observar crianças com perturbações mentais e
de linguagem, que recorram à consulta externa. Devido à Grande Guerra,
converte-se em centro de observação e selecção de mutilados e estropiados.
Em 1920 é restituído ao seu fim inicial, como refere Sampaio (1976).
São criadas – no sector
particular – várias instituições de atendimento, entre as quais (em 1926), o
Instituto Condessa Relvas. Este Instituto, a partir de 1933, passa a orientar a
sua acção como uma “escola de reeducação
de anormais mentais recuperáveis do sexo feminino”. Ali, funcionam classes
especiais de ensino primário elementar, classes sensoriais para o
desenvolvimento das faculdades de inteligência e classes-oficinas onde as
internadas aprendem serviços domésticos, Sampaio (1976).
Também em 1926, o Instituto
António Aurélio da Costa Ferreira passa para a tutela da Secretaria-Geral do
Ministério da Instrução.
Esta fase da EE lançou as bases, para uma futura organização a nível das
suas estruturas em termos estatais. É caracterizada, fundamentalmente, pela
criação de institutos e asilos (a nível privado e financiados pela Assistência
Social).
1.5.3. – O Estado Novo
Entre 1926-74 – em que vigoram no país governos de carácter autoritário –
são, imediatamente, definidas medidas drásticas para restringir o
dinheiro gasto com a Educação. Dá-se então a redução do Ensino Obrigatório a
quatro anos e substitui-se o regime de coeducação pelo da separação dos sexos
(DL 13.619 de 17 de Maio de 1927).
A par do retrocesso Político e Social que o regime ditatorial implica,
assiste-se a um bloqueio aos movimentos pedagógicos renovadores, a um ataque
aos conceitos da necessidade de Alfabetização e Cultura, que irão ser
apresentados como ideias perigosas e nocivas e a um combate à importância dada
ao Ensino Primário.
No entanto, vão surgindo associações
de apoio ao deficiente, a nível particular. Destaca-se, Associação Luís Braille
(ALB), fundada em 25 de Junho de 1927, a qual passou
a designar-se Associação de Beneficência Luís Braille, (ABLB), por força da
revisão de estatutos de 1935, e Associação de Cegos Luís Braille, (ACLB), na
sequência da alteração estatutária de 1977.
Durante o governo de Oliveira Salazar
(1933-1968), o Estado além de impedir uma formação de qualidade aos
professores, negar o acesso ao Ensino a um grande número de crianças, reduzir o
Ensino Obrigatório e procurar desresponsabilizar-se, ainda impõe que sejam as
povoações pobres a construir as escolas.
Toda a concepção de Homem, criada a partir da sua estrutura biológica
faz-se repercutir na expectativa concebida em torno da EE, defendendo-se que a
deficiência mental é transmitida hereditariamente. Por essa altura, Binet e
Simon concebem a primeira Escala de Inteligência encomendada para seleccionar
os alunos que não progridem, nem acompanham o ritmo de Ensino, ministrado nas
escolas públicas.
Procurando acompanhar o que se ia passando no estrangeiro ao nível da
Educação de cegos, o Asilo-escola António Feliciano
de Castilho edita a primeira Revista em Braille publicada no País – "A Revista dos Cegos” – entre 1933 a
1948. Na sua publicação utiliza-se equipamento de impressão oferecido pela
American Braille Press.
As funções previstas para o Instituto António Aurélio da
Costa Ferreira, não têm resultados práticos, já que este fica parado até 1942.
Neste ano, edita a notável Revista “Criança Portuguesa”, de renome
internacional.
Em 1945, é publicado o DL nº 35401, que considera o
Instituto como “Dispensário de higiene mental infantil, responsável por todo o
país”. Este DL autoriza a criação de
“classes especiais de crianças anormais”, que funcionarão sob a orientação
técnica do mesmo Instituto e a quem cabe formar os respectivos professores.
Também, em 1945, a Escola de Cegos do
Porto foi transferida da Rua Ferreira Cardoso, para as instalações do Asilo de
Cegos de S. Manuel, na Rua da Paz; surge assim o Instituto-asilo de Cegos de S.
Manuel, apoiando cerca de vinte e cinco alunos e alguns adultos. Aqui, para
além de os preparar para o Exame da 4ª Classe, privilegia-se, entre outras
matérias, o ensino da Música. Os mais velhos aprendem e realizam trabalhos
oficinais.
Neste mesmo ano acaba a Segunda Guerra Mundial e surge a ONU. O Mundo
abre-se, terminando o Fascismo em muitos países. Portugal adere à ONU em 1955:
fruto desta adesão e duma conjuntura internacional que exigia das pessoas mais
habilitações, Salazar fará ligeiras reformas em alguns sectores da Educação, de
acordo com Cortesão (1982).
Assim, há a realçar, em 1946, a publicação das disposições
regulamentares para a criação e funcionamento das classes especiais,
com a publicação do DL nº 35.801 de 13 de Agosto.
Para essas classes, a funcionarem nas Escolas do Ensino Primário vão os
deficientes mentais. A primeira dessas classes especiais começa a
funcionar em 1947, expandindo-se nas décadas seguintes em quantidade e a novos
locais. Os deficientes auditivos e visuais continuam
entregues às misericórdias ou outras Fundações Assistenciais. Sendo que a
autorização de funcionamento é dada pela Direcção Geral do Ensino Primário,
pode afirmar-se que o Estado assume a Educação dos deficientes em Portugal. Daí
que esteja criado o Ensino Especial Oficial Público no nosso país.
O Ensino Especial, na década de 50, cobre uma percentagem mínima da
população que por ele deveria ser abrangida, como refere Sampaio (1976).
Em 1956, a Liga dos
Deficientes Motores cria uma Escola para Reabilitação.
Nos anos 60, o posicionamento do
governo face aos deficientes começa a mudar, gradualmente. As instituições puramente assistenciais passam
a ser questionadas, e a tomada de consciência dos direitos das crianças, conduz
a uma evolução das ideias. Surge assim, por um lado, o conceito de
“Normalização” e de “Integração Social”, e por outro, as inovações no sector
pedagógico, educativo, terapêutico e médico.
E, devido à escassez de recursos do país, grupos de pais começam a
organizar-se em associações, procurando criar estruturas educativas para os
seus filhos.
Em 1960, realiza-se o I Congresso Nacional de Saúde Mental, em Lisboa.
Também, neste ano, um movimento de pais fundou a Associação Portuguesa
de Paralisia Cerebral. Esta Associação abre um centro de atendimento em Lisboa,
que se alarga, mais tarde, a Coimbra e Porto.
Em 1961, o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira passou à tutela do
Instituto de Assistência Psiquiátrica e, em 1963, fica dependente da Direcção
Geral do Ensino Superior. É este Instituto que lidera o processo de EE em
Portugal, embora começassem a surgir estruturas paralelas. É fundado o
Instituto de Assistência a Menores, sob a tutela da Direcção Geral da
Assistência, o qual, em 1964, cria os Serviços de Educação de Deficientes (para
deficientes mentais e, em 1968, para deficientes visuais e auditivos). Estes
serviços passam a ser responsáveis pela organização e gestão das acções
educativas dirigidas a crianças e jovens deficientes em todo o país. Cria e
remodela organizações privadas e oficiais, promove cursos de especialização,
face à carência de quadros devidamente habilitados.
Em 1962, um movimento social de índole
associativa, liderado por pais de crianças deficientes mentais, cria a
Associação Portuguesa de Pais e Amigos das Crianças Mongolóides, posteriormente
denominada APPACDM, com delegações em várias cidades do País.
Hoje, os centros de atendimento da APPACDM são mais de duas dezenas, tendo o
primeiro sido aberto em 1965.
Fruto das actividades do Instituto Costa Ferreira, reestruturam-se o
Instituto Adolfo Coelho e o Instituto Condessa de Relvas, destinados ao
atendimento de deficientes mentais.
Em 1967, é criado o COOMP, numa altura em que o modelo Médico-Pedagógico
do pós-guerra se encontra em crise profunda em alguns países ocidentais, face à
contestação social dos pais, começando-se a adoptar os princípios da Integração
dos deficientes mentais em meio escolar normal.
O Instituto de Assistência Social cria novos serviços, responsáveis pela
organização de meios educativos para crianças e jovens deficientes mentais,
visuais e auditivos. A sua acção vem a traduz-se na organização de
estabelecimentos educativos especiais, com internato e semi-internato, na
formação de professores e na organização de serviços de apoio precoce.
Em 1968, surgem, ainda, salas de apoio em Coimbra e no Porto, as quais
se generalizam por outras regiões, a partir de 1970. Dá-se o primeiro passo
para a Integração de crianças cegas, em regime de salas de apoio.
Pouco depois, é o próprio Ministério da Educação, quem inicia a
Integração dos alunos no Ensino Primário. Serve-se, para isso, do apoio dado
pela Direcção Geral da Assistência. Esta Direcção já tinha criado estruturas
regionais – os Centros de Educação Especial.
Em 1971, forma-se a Associação Portuguesa para Protecção de Crianças
Auditivas, com um centro especializado em Lisboa. A falta de educadores de
infância e professores especializados no ensino das deficiências visual e
auditiva leva a que o Centro de Preparação de Pessoal da Direcção Geral de
Assistência organize cursos de especialização.
É formada também uma Comissão Permanente de Braille, que posteriormente
será extinta. Para apoio aos pais de crianças cegas, entre os 0 e os 6 anos de
idade, cria-se um SOD. Este instituto funda oito estabelecimentos para
deficientes visuais, dez para deficientes auditivos e onze para deficientes
mentais.
Como reflexo do crescimento do contingente de deficientes oriundos
das guerras coloniais em África e sob pressão crescente da opinião pública
portuguesa, o Estado Novo publica, em Janeiro de 1971, a Lei nº 6/71, a qual
constitui a primeira “Lei de Bases da Reabilitação e Integração de pessoas
deficientes.” São reestruturados os serviços do Ministério da Educação e
do Ministério da Saúde e da Assistência. Passa a ser organizado o Centro de
Observação e Orientação Médico-Pedagógica.
Importa referir que, só em 1972, o
Ministério da Educação assume de uma forma clara, a Educação das crianças
deficientes, lançando um decreto que cria departamentos de EE e que define a
necessidade de consagrar um interesse particular à Integração das crianças
deficientes ou inadaptadas nas classes regulares.
Nesta altura em que Marcelo Caetano
está no poder e o seu Ministro Veiga Simão, na pasta da Educação. Este último
construirá grande número de escolas e tomará medidas tendentes a alargar a
Escolaridade dos portugueses.
De facto, na EE surgem novos horizontes: em 1973, é publicada a Lei
Orgânica do Ministério da Educação, que cria uma DEE para o Ensino Básico e
outra DEEP para o Ensino Secundário. As duas divisões orientam a sua actividade
no sentido da especialização de professores. Aparecem, pela primeira vez,
professores especializados em Deficiência Motora.
Há um assumir de maiores responsabilidades por parte do Ministério: a
extensão do Ensino Básico às crianças deficientes traduz o atendimento
educativo a estas crianças. É este trabalho que motiva a organização das novas
escolas especiais existentes. E, depois
da Reforma de 1973, segue-se uma reestruturação do Ministério da Educação,
criando-se as Divisões do Ensino Especial.
Apesar da Reforma de Veiga Simão não ter sido totalmente aplicada,
estavam criadas as condições, tanto a nível da doutrina, como administrativas,
para se iniciar um processo de transformação e modernização da EE em Portugal.
1.5.4. – Pós-Vinte e Cinco de
Abril
Com o 25 de Abril de 1974 – em termos de orgânica administrativa – o Sistema
de EE passa a entroncar em duas redes paralelas, ambas com muito poder formal e
institucional, dando origem a um modelo de EE, incapaz de criar
responsabilidades na Escola pública, devido ao seu desencontro com a Educação
nacional, em geral.
Em 1974, os sectores ligados à EE defendem a ideia de que cabe ao
Ministério da Educação a responsabilidade integral pela formação de professores
nas várias deficiências. Daí a reorganização dos cursos ministrados pelo
Instituto Aurélio António da Costa Ferreira, estando este vocacionado somente
para a especialização de professores em crianças com dificuldades de
aprendizagem.
Entretanto, cessa o Centro de Formação de Pessoal, dependente da
Direcção Geral da Assistência.
A crescente consciencialização dos direitos da criança e o crescente
movimento de opinião, no sentido da Integração das crianças deficientes nas
classes regulares leva a que as classes especiais se transformem em salas de
apoio.
Nessa base, a EE, ao longo de vários anos, fica tutelada por dois ministérios:
o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde e Assistência (mais tarde
denominado Ministério dos Assuntos Sociais). Esta estrutura paralela manteve-se
mesmo quando o Ministério dos Assuntos Sociais se desmembrou, sendo
substituído pelo Ministério do Emprego e Segurança Social.
Em 23 de Maio de 1974, um grupo de técnicos, ligados à EE elabora um
documento-base entregue em Julho desse ano, às entidades governamentais,
contendo um conjunto de princípios e medidas que devem orientar a educação especial.
Este será um “ponto de referência” para as acções do movimento social
emergente. O movimento CERCI é o resultado de um conjunto de possibilidades de
todos aqueles que, possuindo um sentimento comum, por se encontrarem
numa posição ideológica justificativa da sua actuação, foram movidos por razões
pragmáticas, por acreditarem que, aderindo a esse movimento, conseguiriam, em
conjunto, resolver os seus problemas (sobretudo pais a quem o Estado não dava o
devido encaminhamento aos seus filhos).
Esta vaga de liberdade sente-se também nas escolas, sendo realizadas
diversas experiências inovadoras, muitas delas nos meios rurais, visando uma
maior abertura e articulação com a vida das comunidades locais. Considerando
que a Educação das crianças não é apenas determinada pela Escola, defende-se a
necessidade de promover a melhoria do contexto sociofamiliar, assim mesmo
salienta Cardona (1997).
A Constituição de 1976, e mais tarde o DL 538/79, representam um marco
fundamental na nova política. O Estado assume os deficientes, consagrando na
Constituição de 1976, nos artigos 73º e 74º, o Direito ao Ensino e à igualdade
de oportunidades a todos os cidadãos. Em relação aos deficientes, o artigo 71º
estabelece uma política nacional de prevenção, tratamento, Reabilitação e
Integração.
Depois de 1976, deu-se a grande viragem: surgem as equipas de ensino
integrado e os primeiros professores de apoio itinerante e são publicadas
várias leis que deram um grande contributo à integração.
Em consequência dos princípios da Constituição e considerando a
necessidade de assegurar um efectivo cumprimento da Escolaridade Obrigatória,
em toda a sua amplitude, e relativamente a todas as crianças portuguesas, o DL
nº 538/79 de 31 de Dezembro determina que, «o Ensino Básico é universal, obrigatório
e gratuito», abrangendo os primeiros seis anos de Escolaridade, sendo a idade
escolar fixada entre os seis anos completos e os 14. Quanto aos alunos com NEE,
o Estado assegura o cumprimento da “Escolaridade Obrigatória”.
Mas, estas decisões não traduzem a realidade do país, continuando a não
existir estruturas de EE, de forma a dar resposta às necessidades educativas de
grande percentagem de crianças deficientes. Aliás, o mesmo DL, estabelece que
as crianças com incapacidade comprovada possam ser dispensadas da matrícula ou
da frequência até final da Escolaridade Obrigatória, embora exija que, para
tal, os encarregados de educação o requeiram formalmente e a Escola promova a
observação médica das crianças.
Já em 1980, é preparada pelo Governo, uma proposta da LBSE, presente à
Assembleia da República, em Abril. Esta será largamente distribuída para ser
objecto de discussão pública. Depois de analisada no Parlamento, é promulgada a
14 de Outubro de 1986.
A LBSE veio estabilizar e coordenar as decisões tomadas no campo
educativo. Os seus princípios orientadores visam: o desenvolvimento do ser
humano de forma plena, responsável e harmoniosa. Dá especial relevância à
expansão qualitativa do ensino, embora ainda fosse necessária a expansão
quantitativa.
Como aspectos essenciais com implicação directa na educação de crianças,
com necessidades educativas especiais, a LBSE:
- Propõe um alargamento da escolaridade
obrigatória para 9 anos (correspondente reorganização do período escolar,
considerado como Ensino Básico);
- Estabelece que a Educação Pré-Escolar
deve proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades
e promover a melhor orientação e encaminhamento da criança;
- Integra, nos objectivos do Ensino Básico,
a existência de condições adequadas ao desenvolvimento educativo de
crianças inadaptadas, deficientes e precoces.
Em relação à EE, em particular, é defendido o seu desenvolvimento em
moldes de integração. Podemos
verificar que os princípios orientadores desta política educativa promovem
sistematicamente o modelo da integração da criança deficiente no ensino
regular, ou seja, pretende a integração da educação especial no sistema
educativo nacional.
Decorrentes da LBSE, surgem, posteriormente, documentos fundamentais. Um
deles é o DL nº 286/89, de 29 de Agosto, que veio fundamentar a organização
curricular dos ensinos Básico e Secundário. Um outro, de referência
obrigatória, é o DL 319/91 de 23 de Agosto. É a consagração de um conjunto de medidas, cuja
aplicação deve ser ponderada de acordo com o princípio de que a Educação dos
alunos com NEE, deve processar-se no meio menos restritivo pos-sível, e cada
uma das medidas só deve ser adoptada quando se revele indispensável para
atingir os objectivos educacionais definidos.
São assim
definidas as medidas do REE: os equipamentos especiais de compensação, as
adaptações materiais, as adaptações curriculares, as condições especiais de
matrícula, entre outras. São, ainda, especificados os elementos que devem
constar obrigatoriamente do PEI e do Programa Educativo. Os Encarregados de
Educação devem manifestar sempre a sua opinião e participar na elaboração dos
documentos e os mesmos carecem da sua anuência. Todos os alunos, cujo Programa
Educativo se traduza num currículo alternativo, obtêm, no termo da sua
Escolaridade, um certificado que especifique as competências alcançadas.
A Portaria
611/93, de 29 de Junho, estabelece as normas técnicas de execução necessárias à
aplicação das medidas previstas no DL 319/91, destinadas a crianças com NEE,
que frequentam os Jardins de Infância na rede pública do Ministério da
Educação.
O Estado
Português, ao subscrever a Declaração de Salamanca (em 1994), assume as novas
concepções sobre a Educação dos alunos com NEE e expressa uma clara opção pela
Escola Inclusiva. Este Documento tem um papel fundamental na inclusão das
crianças/jovens com NEE – como já expliquei anteriormente.
Em 1997, é
publicado o Despacho Conjunto nº 105/97, que reconhece a importância primordial
da actuação dos professores com formação especializada e articula-se com outros
projectos em curso no âmbito do Ministério da Educação, nomeadamente, a
reorganização da rede escolar, a reestruturação da gestão pedagógica e
administrativa das escolas. Visa introduzir uma mudança significativa na
situação actualmente existente no âmbito dos apoios a crianças com NEE. Confere
clara prioridade à colocação de pessoal docente e de outros técnicos nas
escolas, consubstanciando as condições para a integração e o sucesso de todos
os alunos.
1.5.5. – Na Actualidade
Surgui, muito
recentemente, posteriormente o DL nº3/2008, que veio alargar o âmbito da aplicação ao pré-escolare ao ensino particular e
cooperativo. Introduz a definição da população alvo da educação especial bem
como dos objectivos desta última, circunscrevendo essa população às crianças e
jovens que apresentam necessidades educativas especiais decorrentes de
alterações funcionais e estruturais de carácter permanente que se traduzem em
dificuldades continuadas em diferentes domínios necessitando, por isso, da
mobilização de serviços especializados para a promoção do seu potencial de
funcionamento biopsicossocial.
Define os direitos e deveres dos pais/encarregados de educação no
exercício do poder paternal, nos aspectos relativos à implementação da educação
especial junto dos seus educandos e introduz os procedimentos a ter no caso em
que estes não exerçam o seu direito de participação neste domínio.
Quanto à organização das escolas, este documento, refere a necessidade das escolas incluírem
nos seus projectos educativos as adequações, relativas ao processo de ensino e
de aprendizagem, de carácter organizativo e de funcionamento, necessárias à
resposta educativa dos alunos que beneficiem de educação especial. Estabelece a
criação de uma rede de escolas de referência de ensino bilingue para alunos
surdos e para a educação de alunos cegos e com baixa visão. Estabelece a
possibilidade de os agrupamentos de escolas desenvolverem respostas específicas
diferenciadas através da criação de unidades de ensino estruturado para a
educação de alunos com perturbações do espectro do autismo e de unidades de
apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência e
surdocegueira congénita. Estabelece um processo de referenciação bem
estruturado o qual deverá ocorrer o mais precocemente possível, podendo a referenciação
ser efectuada aos órgãos de administração ou gestão das escola por iniciativa
dos pais ou encarregados de educação, do conselho executivo, dos docentes ou de
outros técnicos que intervêm com a criança ou jovem.
Quanto ao processo de avaliação, atribui ao departamento de educação
especial das escolas e aos serviços de psicologia e orientação a
responsabilidade da elaboração de um relatório técnicopedagógico relativo às
situações referenciadas. Refere que os resultados decorrentes da avaliação
constantes no relatório técnicopedagógico devem ser obtidos por referência à
CIF. Estabelece as regras relativas ao serviço docente no âmbito do processo de
referenciação e de avaliação.
Quanto à planificação e programação
educativa, estabelece um
único documento oficial denominado Programa Educativo Individual (PEI) o qual
fixa e fundamenta as respostas educativas e respectivas formas de avaliação
utilizadas, para cada aluno. Introduz nos itens do PEI os indicadores de funcionalidade,
bem como os factores ambientais que funcionam como facilitadores ou como
barreiras à participação e à aprendizagem, por referência à CIF. Estabelece que
o PEI deve ser elaborado, conjunta e obrigatoriamente, pelo docente do grupo ou
turma ou director de turma, o docente de educação especial e pelos serviços
implicados na elaboração do relatório acima referenciado. Introduz a figura do coordenador do PEI, na
pessoa do director de turma, professor do 1º ciclo ou educador. Estabelece um
prazo de 60 dias, após a referenciação, para elaboração do PEI. Estabelece que
o PEI deve ser necessariamente revisto no final de cada ciclo de escolaridade. Estabelece
a obrigatoriedade de se efectuar um relatório circunstanciado, no final do ano
lectivo, dos resultados obtidos por cada aluno no âmbito da aplicação das
medidas estabelecidas no PEI. Introduz um Plano Individual de Transição que
deve complementar o PEI no caso dos jovens cujas necessidades educativas os impeçam
de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo comum.
Estabelece as medidas educativas de educação especial que visam
promover a aprendizagem e a participação dos alunos no âmbito da adequação do
seu processo de ensino e de aprendizagem, a saber:
a) Apoio
pedagógico personalizado;
b)
Adequações curriculares individuais;
c)
Adequações no processo de matrícula;
d)
Adequações no processo de avaliação;
e) Currículo
específico individual;
f)
Tecnologias de apoio
Quanto ao encaminhamento de alunos para as
instituições de ensino especial, o referido documento, assunção clara de uma perspectiva de inclusão
que não dispensa a análise da singularidade de cada caso e uma lógica de
adequação das respostas educativas, para as quais se criaram condições de
especialização Para o bom desenvolvimento da educação especial nas escolas
regulares é definida a possibilidade de os agrupamentos de escolas
estabelecerem parcerias com as instituições públicas, particulares, de
solidariedade social e centros de recursos especializados.
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