Para quem não vê, circular pela cidade é uma aventura que não é fácil. Os obstáculos multiplicam-se, afetando todos, sobretudo quem tem mobilidade reduzida. Mas a mobilidade para os cegos é meio caminho para a autonomia. O DIÁRIO AS BEIRAS fez um pequeno percurso a partir da sede da ACAPO: pequeno, mas pejado de obstáculos.
Os arbustos mal aparados, com pontas a sobrarem para os passeios, por mais inofensivos que pareçam, transformam-se numa armadilha com um enorme potencial de perigo para cegos e transeuntes com um reduzido grau de visão.
A experiência de Joana Godinho – a jovem psicóloga a estagiar na delegação de Coimbra da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), que aceitou realizar com o DIÁRIO AS BEIRAS um pequeno percurso nas proximidades, entre as ruas dos Combatentes e General Humberto Delgado –, diz-lhe que sim, que as pontas dos arbustos a darem para os passeios podem ser muito perigosas: “eu já fiquei ferida” numa dessas experiências, recorda a jovem, assegurando ainda o imenso grau de “desconforto e incómodo” que uma destas situações implica para quem não vê.
José Carlos Regêncio, professor de Orientação e Mobilidade na Delegação de Coimbra da ACAPO, a acompanhar o percurso da jovem que também já tinha conduzido na “aprendizagem” da autonomia que se conquista muito pela possibilidade de circular pela cidade, fala de casos mais ou menos próximos e dá um exemplo: o de José Mário Albino – com quem trabalha na ACAPO –, que ficou ferido com alguma gravidade na Praça 8 de Maio, numa esquina de um “mupi”, exemplo de mobiliário urbano que tem mais de “estético” que de funcional e, estreitando ao fundo, não é detetável pela bengala dos cegos.
A este exemplo de responsabilidade que cabe às entidades autárquicas, junta-se, afirma José Carlos Regêncio, aqueles pelos quais todos devemos responder e que se tornam visíveis a quem passa e perceptíveis pela negativa a Joana Godinho: os automóveis estacionados nos passeios e os já citados arbustos a sobrarem para quem passa.
Numa resposta pronta, porque feita de experiência, a jovem diluiu um pouco a “indignação” dos repórteres causada pelos inúmeros postes semeados pelos passeios. “Os postes até nos servem de referência para os percursos na cidade que nós tentamos memorizar”, diz Joana. O problema são os obstáculos “móveis” que proliferam, sem que seja possível perceber atempadamente o perigo que representam.
Numa memória ainda muito viva e sistematicamente reavivada nos trajetos que, por via da independência que cultiva – com o apoio incondicional da mãe, destaca, visivelmente emocionada – ,e de que se orgulha, Joana Godinho lembra outras duas situações, ambas em passadeiras: nos semáforos da praça da República, junto aos correios, e na avenida Sá da Bandeira, dos dois lados do monumento a Camões.
Tratando-se de um percurso bem conhecido – por via do trajeto muitas vezes repetido a caminho da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, onde concluiu a licenciatura –, e ainda sem solução, Joana insiste na denúncia.
Sobretudo no que respeita à passadeira junto ao monumento a Camões, para o lado do Mercado D. Pedro V, onde o sinal se mantém amarelo, sem que os automobilistas parem.
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