quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Ana Sofia Antunes é a primeira secretária de Estado cega

Ana Sofia Antunes estava em 19.º lugar nas listas do PS pelo círculo de Lisboa. Foram eleitos só 18. Ficou à porta do Parlamento, mas entra agora para o Governo como secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência. Republicamos, com as devidas adaptações, um artigo publicado em Agosto.

Não gosta da expressão invisual, considera-a politicamente correcta. Prefere cega ou deficiente visual. Ana Sofia Antunes, 33 anos, é provedora do cliente da EMEL, presidente da ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal e integrou as listas de candidatos a deputados do PS por Lisboa. Estava em 19.º lugar, posição que em Agosto se considerava elegível, pelo que se pensava que poderia ser a primeira deputada cega a sentar-se no hemiciclo depois das legislativas. Dizia ter vontade de mudar o que já devia ter sido mudado e não teve medo das palavras: “Um país que não respeita os seus deficientes não tem respeito por si próprio.”
Nasceu com deficiência visual, frequentou uma escola especializada nos primeiros anos e depois fez todo o percurso escolar até à faculdade enfrentando e superando as dificuldades que existiam, e existem. Isso fê-la perceber o muito que ainda há por fazer em relação a pessoas com deficiência visual ou outras deficiências. É uma activista, com um longo caminho na ACAPO, de que é presidente desde Janeiro de 2014.
Quando foi convidada para integrar as listas do PS como independente, ficou surpreendida, mas “feliz”. Se tivesse sido eleita seria a primeira deficiente visual a sentar-se no Parlamento como deputada. Seria simbólico mas mesmo assim já vinha tarde, lamentava.
“Nós, ao contrário de outros países europeus, nunca tivemos pessoas com deficiência a ocupar cargos como deputados ou no Governo”, nota, considerando que essa lacuna, em termos de representação, “diz muito” sobre a própria sociedade e sobre o país. Por isso, não podia recusar o desafio: “Aceitei com muito orgulho. Mais do que a minha ida para o Parlamento, é uma abertura de portas para as pessoas com deficiência.”
Sabia que o que esperavam dela era que levasse as questões relacionadas com a inclusão e a igualdade para a Assembleia da República. Ainda assim, não pretendia fechar-se “numa espécie de gueto”, com apenas uma causa, uma bandeira. Não se é eleito apenas por um conjunto de cidadãos, mas “por todos”, ressalvou.
Apesar de ter essa ideia presente, quando questionada sobre o que pretendia fazer caso viesse a sentar-se no hemiciclo, Ana Sofia Antunes tinha as respostas todas na ponta da língua. Eram muitas as propostas. Dois exemplos apenas: queria bater-se pelas medidas compensatórias dos custos da deficiência e pela criação de uma lei de bases da vida independente. Terá agora mais poder para o fazer.
Sobre o primeiro ponto, dizia haver “estudos de entidades independentes que demonstram aquilo que é a realidade das pessoas com deficiência e o que significa a mais no orçamento familiar”.
“Obviamente que existem algumas medidas a nível fiscal que tentam minorar o impacto a nível do IRS, mas não são suficientes. O que temos é uma dedução à colecta um pouco superior às restantes pessoas”, explicou. E o que Ana Sofia Antunes defendia que deve ser estudado é a existência de “um complemento” que permita fazer face a despesas adicionais.
“Se tenho uma deficiência motora, não tenho culpa de ter nascido com esta característica”, argumentou, acrescentando que apoiar estas pessoas chama-se Estado Social. Se tal não acontece, “é um país que não respeita os seus deficientes”. E um país que não respeita os seus deficientes é “um país que não tem respeito por si próprio”.
Sobre a criação de uma lei de bases da vida independente, explicou que se pretende analisar “de que forma é que as verbas investidas pelo Estado a institucionalizar pessoas podem ser atribuídas directamente à pessoa para viver de uma forma autónoma, na sua habitação”, ou seja, os montantes podiam servir para pagar a assistentes que auxiliassem as pessoas com deficiência em casa.
Ana Sofia Antunes trabalhou na Câmara Municipal de Lisboa entre 2007 e 2013, era então presidente o actual secretário-geral socialista e primeiro-ministro indigitado, António Costa. Licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa, fazia assessoria jurídica no departamento da mobilidade.
Foi já depois de ter feito estágio, entrado na Ordem dos Advogados e exercido um ano de advocacia que recebeu o convite para ir para a câmara. Lá, começou a mexer-se, a querer fazer mais, a mostrar preocupação com as barreiras arquitectónicas em Lisboa, por exemplo. Fez parte de um grupo pequeno que começou um plano de acessibilidade pedonal na cidade.

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