Professora Especializada na área da deficiência visual
Independentemente da sua natureza, a existência de um défice visual significativo condiciona o processo de aprendizagem dos alunos que o manifestam. A inclusão sócio-educativa dos mesmos exige um trabalho concertado por parte da família, dos professores ou educadores e outros agentes educativos que possam, de uma forma ou de outra, encontrar-se envolvidos no contexto escolar dos alunos, no sentido de verem minimizadas as consequências decorrentes dos problemas de visão que lhes possam vir a limitar as oportunidades de um desempenho académico desejável.
Com o objetivo de regulamentar a organização da Educação Especial nas escolas portuguesas, teve lugar a publicação do Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de janeiro. O diploma em vigor dedica um artigo à Educação de alunos cegos e com baixa visão, onde é consagrado um conjunto de medidas aplicáveis aos alunos portadores de deficiência visual, de cuja articulação depende a qualidade da resposta educativa que as escolas de referência para estes alunos estariam, à partida, habilitadas a oferecer, sendo múltiplos os fatores que para esse fim concorrem. Os recursos humanos e materiais que são colocados à disposição, a constituição das turmas, a adaptação do currículo e as atitudes, as práticas e as competências do pessoal docente constituem aspetos que condicionam a eficácia das medidas enunciadas, na promoção do sucesso escolar e inclusão social.
Fazendo uma retrospetiva relativamente ao acompanhamento de alunos com deficiência visual na última década, é-nos dado a perceber que a modernização das tecnologias em muito beneficiou o esforço que o Ministério da Educação tem vindo a desenvolver, no sentido de proporcionar aos alunos que a escola em si acolhe, as respostas mais adequadas às suas especificidades.
Por outro lado, através de uma desconstrução criteriosa da realidade que os nossos alunos vivem nas escolas da Grande Lisboa, concluímos que esse investimento não é, de todo, suficiente para assegurar que princípios como a promoção da igualdade de oportunidades pelos quais se rege a Escola Inclusiva estejam a ser respeitados.
Com efeito, é do conhecimento comum que um número significativo de medidas enunciadas na lei não encontra, frequentemente, a correspondência desejada na escola pública. É este o caso da sobejamente conhecida falta de equipamentos informáticos e materiais didáticos adequados, bem como a total ausência de preocupação com a acessibilidade dos alunos dentro da escola e nas suas imediações. De facto, a conceção arquitectónica da maioria dos espaços escolares que integram a rede de escolas de referência em nada difere dos demais estabelecimentos de ensino, não se verificando sequer a utilização de recursos alternativos, tais como pisos tácteis, placas sinalizadoras em braille, etc.
Ainda no vasto campo das acessibilidades, um outro aspeto que importa aqui sublinhar, é a escandalosa falta de acesso que os alunos cegos têm aos manuais escolares quando os mesmos são disponibilizados em formato digital, à luz de um protocolo que o M.E. celebrou com um número considerável de editoras. O formato que os alunos recebem via e-mail não é compatível com os leitores de ecrã que utilizam. E, mesmo após várias chamadas de atenção junto das entidades competentes, nenhuma posição foi ainda tomada no sentido de resolver uma situação inaceitável que compromete seriamente a garantia da igualdade tão apregoada pelo referido diploma.
Por outro lado, a abordagem das questões que se relacionam com os recursos humanos e sua preparação para o desempenho das funções que lhes estão designadas obriga, irremediavelmente, à análise refletida da sua formação. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a oferta formativa na área da deficiência visual é extremamente escassa na zona da Grande Lisboa.
Acresce ainda o facto de os programas curriculares dos cursos de especialização se encontrarem, regra geral, desajustados relativamente às necessidades da prática educativa.
Áreas de importância central como a orientação e mobilidade, a avaliação visual e funcional, a aplicação de programas de estimulação visual, a utilização de meios informáticos específicos, o treino de atividades de vida diária e a promoção de competências sociais estão, habitualmente, ausentes do currículo.
Mesmo um professor especializado no domínio da visão, sem ter ainda acumulado alguns anos de experiência, chega à escola com uma preparação deficitária, uma vez que os conhecimentos adquiridos não satisfazem, em larga medida, as necessidades das suas funções.
Tendo em conta o atual cenário acerca do qual nos foi possível enunciar apenas um número reduzido de situações exemplificativas, parece-nos fundamental deixar claro que a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo sistema educativo depende, em primeira instância, de um processo de consciencialização coletiva, em que o respeito inadiável pelo aluno com deficiência visual se impõe de forma perentória. Trata-se de uma realidade que implica, essencialmente, uma outra conceção de organização escolar, ultrapassando a via da uniformidade e reconhecendo o direito à diferença.
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