segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Estudos mostram que ler no ecrã nem sempre é o ideal

Numa era em que os mais novos crescem rodeados de cada vez mais tecnologia, esta semana a Amazon apresentou uma nova versão do leitor eletrónico Kindle pensado especificamente para crianças. Por cerca de 110 euros, o Kindle Kids dá acesso a uma biblioteca digital com mais de mil livros infantis, um dicionário para pesquisar palavras difíceis, crachás digitais para quem lê muito, e uma espécie de jogo de cartas para testar se o vocabulário novo é memorizado.

A capa exterior — disponível em várias cores — protege o ecrã de riscos e quedas e abre e fecha como um livro tradicional. Há também um painel de controlo onde os adultos podem consultar aquilo que os mais novos estão a ler e quantos minutos por dia dedicam à leitura. Os títulos variam entre aventuras da Patrulha Pata (para crianças entre os dois e os três anos) e livros da série Harry Potter para os mais graúdos.

A novidade chega com vários estudos que mostram que os livros eletrónicos podem estimular o interesse pela leitura junto dos mais novos devido às suas funcionalidades interactivas. Muitas crianças também preferem livros digitais por não terem de mostrar ao mundo o que estão a ler. O Kindle Kids “foi criado com três ideias em mente: os miúdos querem um dispositivo só para eles; os pais não querem ter preocupações sobre o conteúdo que os miúdos vêem, e querem ferramentas para controlar o uso do dispositivo”, justificou Kurt Beidler, responsável da secção de crianças e família da Amazon, em comunicado.

Só que também há estudos recentes que mostram que ler em papel estimula mais atenção ou que utilizar livros eletrónicos para motivar os mais novos a ler pode não ser ideal. “Quando os pais e as crianças leem livros impressos em conjunto, falam mais frequentemente sobre as histórias e as interações são mais ricas”, explicou Tiffany Munzer, uma pediatra no Hospital de Pediatria da Universidade de Michigan, nos EUA, nas conclusões de um pequeno estudo sobre a relação entre crianças e livros electrónicos que foi publicado este ano.

A equipa de Munzer acompanhou 37 crianças nos EUA em idade pré-escolar em atividades de leitura com os pais. Foram utilizadas três histórias em formatos diferentes: livro em papel, livro eletrónico sem multimédia, livro eletrónico com multimédia (por exemplo, vídeos, sons e jogos).

“As crianças verbalizam menos detalhes sobre a narrativa e não se lembram tão bem da ordem da história quando lêem em formato eletrónico”, conclui-se. Uma das hipóteses é que os pais interagem menos com as crianças quando há elementos multimédia, como gravações das personagens a falar. “Os pais fazem menos perguntas e menos comentários sobre a narrativa em livros electrónicos.”

Outra análise a 40 crianças com quatro anos publicada em 2018 no European Journal of Psychology of Education notou que livros eletrónicos podem ser uma distração, mesmo que não tenham muitos elementos multimédia. “Como as crianças coexistem com ecrãs de toque, têm o hábito de tocar no ecrã. Com isto, a experiência tinha de dedicar mais ênfase a manter a atenção das crianças”, lê-se no trabalho para avaliar a facilidade em ensinar crianças sobre o conceito de camuflagem em animais no ecrã ou em papel.

Dois anos antes, um artigo de revisão da literatura académica do tema — publicado no Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics — já tinha notado que livros eletrónicos com animações e sons podiam distrair as crianças, e que as conversas sobre esses livros eram mais sobre o formato do que sobre o conteúdo.

Para a pediatra Tiffany Munzer, responsável pelo estudo de 2019 sobre as primeiras experiências de leitura num ecrã, os livros eletrónicos não têm de ser ignorados, mas é importante não dar demasiada importância aos elementos interativos. “Os pediatras devem recomendar preferencialmente livros impressos a livros eletrónicos com funcionalidades que roubam atenção”, conclui a autora no estudo. “E os criadores devem reduzir os extras irrelevantes.”

Fonte: Público

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