segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A Comunicação e a Relação Interpessoal com o Aluno Deficiente Visual

  
Blind child & friend play with a broken kite in Kabul
Rapaz cego e amigo brincam com um papagaio partido em Kabul

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A visão é o mais importante canal de relacionamento do indivíduo com o mundo exterior. Pretendemos, com estas informações, esclarecer aos educadores, aos familiares e à sociedade em geral alguns tópicos sobre a deficiência visual, suas capacidades e limitações, ampliando nossos horizontes no relacionamento humano.

Considerações gerais
  • Não se refira à cegueira como desgraça. Ela pode ser assim encarada logo após a perda da visão, mas a orientação adequada, a educação especial, a reabilitação e a profissionalização conseguem minimizar os seus efeitos.
  • A cegueira não é contagiosa, razão pela qual cumprimente seu vizinho, conhecido ou amigo cego, identificando-se, pois ele não o enxerga.
  • A cegueira não restringe o relacionamento com as pessoas nem com o meio ambiente, desde que as pessoas com as quais o cego conviva não lhe omitam ou encubram fatos e acontecimentos, o que lhe trará muita insegurança ao constatar que foi enganado.
  • O cego não enxerga a expressão fisionómica e os gestos das pessoas. Por esse motivo, fale sobre seus sentimentos e emoções, para que haja um bom relacionamento.
  • Não trate a pessoa cega como um ser diferente porque ela não pode enxergar. Saiba que ela está sempre interessada nos acontecimentos, nas notícias, nas novidades, na VIDA.
  • O cego não tem a visão das imagens que se sucedem na TV, no cinema, no teatro. Quando ele perguntar, descreva a cena, a acção e não os ruídos e diálogos, pois estes ele escuta muito bem.
  • O cego organiza seu dinheiro com o auxílio de alguém de sua confiança, que enxerga.
  • Aqueles que aproximam o dinheiro do rosto são pessoas com baixa visão, que assim conseguem identificá-lo.
  • Não generalize aspectos positivos ou negativos de uma pessoa cega que você conheça, estendendo-os a outros cegos. Não se esqueça de que a natureza dotou todos os seres de diferenças individuais mais ou menos acentuadas. O que os cegos têm em comum é a cegueira, porque cada um tem sua própria maneira de ser.
  • Procure não limitar as pessoas cegas mais do que a própria cegueira o faz, impedindo-as de realizar o que elas sabem e devem fazer sozinhas.
  • Ao se dirigir a uma pessoa cega, chame-a pelo seu nome. Chamá-la de cego ou ceguinho é falta elementar de educação, podendo mesmo constituir ofensa chamar-se alguém pela palavra designativa de sua deficiência física, moral ou intelectual.
  • A pessoa cega não necessita de piedade e, sim, de compreensão, oportunidade, valorização e respeito, como qualquer pessoa. Mostrar-lhe exagerada solidariedade não a ajuda em nada.
  • O fato de a pessoa cega não ver não significa que não ouça bem. Não fale com a pessoa cega como se ela fosse surda. Ao procurar saber o que ela deseja, pergunte a ela e não a seu acompanhante.
  • O cego tem condições de consultar o relógio (adaptado), discar o telefone ou assinar o nome, não havendo motivo para que se exclame "maravilhoso!", "extraordinário!".
  • A pessoa cega não dispõe de "sexto sentido" nem de "compensação da natureza". Isto são conceitos errôneos. O que há na pessoa cega é simples desenvolvimento de recursos latentes que existem em todas as pessoas.
  • Conversando sobre a cegueira com quem não vê, use a palavra cego sem rodeios, sem precisar modificar a linguagem para evitar a palavra "ver" e substituí-la por "ouvir".
  • Ao ajudar a pessoa cega a sentar-se, basta pôr-lhe a mão no espaldar ou no braço da cadeira, que isto indicará sua posição, sem necessidade de segurá-la pelos braços, rodá-la ou puxá-la para a cadeira.
  • Cuide para não deixar nada no caminho por onde uma pessoa cega costuma passar.
  • Ao entrar no recinto onde haja uma pessoa cega, ou dele sair, fale para anunciar sua presença e identificar-se.
  • Quando estiver conversando com uma pessoa cega, necessitando afastar-se, comunique-a. Com isso, você evitará a desagradável situação de deixá-la falando sozinha, chamando a atenção dos outros sobre ela.
  • Ao encontrar-se com uma pessoa cega, ou despedir-se dela, aperte-lhe a mão. O aperto de mão cordial substitui para ela o sorriso amável.
  • Ao encontrar um cego que você conhece, vá logo lhe dizendo quem é, cumprimentando-o. Colocações como "sabe quem sou eu?"..., "Veja se adivinha quem está aqui...", "Não vá dizer que não está me conhecendo...", só o faça se tiver realmente muita intimidade com ele.
  • Apresente seu visitante cego a todas as pessoas presentes. Assim procedendo você facilitará a integração dele ao grupo.
  • Ao notar qualquer incorreção no vestuário de uma pessoa cega, comunique-a, para que ela não se veja na situação desagradável de suscitar a piedade alheia.
  • Muitos cegos têm o hábito de ligar a luz, em casa ou no escritório. Isso lhes permite acender a luz para os outros e, não raro, ela própria prefere trabalhar com luz. Os que enxergam pouco (baixa visão) beneficiam-se com o uso da luz.
  • Ao dirigir-se ao cego para orientá-lo quanto ao ambiente, diga-lhe: a sua direita, a sua esquerda, para trás, para frente, para cima ou para baixo. Termos como aqui ou ali não lhe servem de referência.
  • Encaminhe bebês, crianças, adolescentes ou adultos deficientes visuais, que não receberam atendimento especializado, aos serviços de Educação Especial.
  • O uso de óculos escuro para os cegos tem duas finalidades: de proteção do globo ocular e de estética, quando ele próprio preferir.
  • Quando se dispuser a ler para uma pessoa cega jornal, revista, etc., pergunte a ela o que deseja que seja lido.

Na Residência
  • Mudanças constantes de móveis prejudicam a orientação e a locomoção do cego. Ao necessitar fazê-lo, comunique-o para que ele se reorganize.
  • Pequenos cuidados facilitarão a vida do deficiente visual. Assim, as portas deverão ficar fechadas ou totalmente abertas. Portas entreabertas favorecem o choque do deficiente visual com elas. Portinhas de armários aéreos bem como gavetas deverão estar sempre fechadas; cadeiras fora do lugar e pisos engordurados e escorregadios são perigosos.
  • Os objetos de uso comum deverão ficar sempre no mesmo lugar, evitando, assim, que cada vez que o cego necessite de um objeto (tesoura, pente, lixeira, etc.) tenha de perguntar onde se encontra.
  • Os objetos pessoais do cego devem ser mantidos onde ele os colocou, pois assim saberá encontrá-los.
  • Na refeição, diga ao cego o que há para comer e, quando houver várias pessoas à mesa, pergunte a ele, chamando-o pelo nome, o que deseja.
  • O prato pode ser pensado como se fosse um relógio e a comida distribuída segundo as horas. Assim, nas 12 horas, que fica para o centro da mesa, será colocado, por exemplo, o feijão; nas 3 horas, à direita do prato, o arroz; nas 6 horas, próximo ao peito do cego, a carne, facilitando assim ser cortada por ele; e nas 9 horas, à esquerda do prato, a salada. Prato cheio complica a vida de qualquer pessoa.
  • O cego tem condições de usar garfo e faca, bem como prato raso, podendo, sozinho, cortar a carne em seu prato. Firmando a carne com o garfo, com a faca situa o tamanho da carne e o pedaço a ser cortado.
  • Ao servir qualquer bebida, não encha em demasia o copo ou a xícara, alcançando-os na mão do cego para que ele possa situar-se quanto a sua localização.
  • Não fique preocupado em orientar a colher ou garfo da pessoa cega para apanhar a comida no prato. Ela pode falhar algumas vezes, mas acabará por comer tudo. Ser-lhe-á penoso ter de dizer-lhe constantemente onde está o alimento.
  • Pequenas marcações em objetos de utilização do cego poderão ajudá-lo a identificar, por exemplo, sua escova de dentes, sua toalha de banho, as cores das latinhas de pasta de sapatos, a cor das roupas, as latas de mantimentos, etc. Estas marcações poderão ser feitas em Braille, com esparadrapo, botão, cordão, pontos de costura ou outros.
  • Objectos quebráveis (copos, garrafas térmicas, vasos de flores, etc.) deixados na beirada de mesas, pias, móveis ou pelo chão constituem perigo para qualquer pessoa e, obviamente, perigo maior para o cego.
  • Mostre a seu hóspede cego as principais dependências de sua casa, a fim de que ele aprenda detalhes significativos e a posição relativa dos cômodos, podendo, assim, locomover-se sozinho. Para realizar esta tarefa, devemos colocar o cego de costas para a porta de entrada e dali, com auxílio, ele mesmo fará o reconhecimento à direita, à esquerda, como é cada peça e qual é a distribuição dos móveis.

Na Rua
  • Ao encontrar uma pessoa cega na rua, pergunte se ela necessita de ajuda, tal como: atravessar a rua, apanhar táxi ou ônibus, localizar e entrar em uma loja, etc.
  • Ofereça auxílio à pessoa cega que esteja querendo atravessar a rua ou tomar condução. Embora seu oferecimento possa ser recusado ou mal recebido por algumas delas, esteja certo de que a maioria lhe agradecerá o gesto.
  • O pedestre cego é muito mais observador que os outros. Ele tem meios e modos de saber onde está e para onde vai, sem precisar estar contando os passos. Antes de sair de casa ele faz o que toda pessoa deveria fazer: procura saber bem o caminho a seguir para chegar a seu destino. Na primeira caminhada poderá errar um pouco, mas depois raramente se enganará. Saliências, depressões, quaisquer ruídos e odores característicos, tudo ele observa para sua boa orientação. Nada é sobrenatural.
  • Em locais desconhecidos, a pessoa cega necessita sempre de orientação, sobretudo para localizar a porta por onde deseja entrar.
  • Não tenha constrangimento em receber ajuda, admitir colaboração ou aceitar gentilezas por parte de uma pessoa cega. Tenha sempre em mente que solidariedade humana deve ser praticada por todos, e que ninguém é tão incapaz que não tenha algo para dar.
  • Ao guiar a pessoa cega, basta deixá-la segurar seu braço e o movimento de seu corpo lhe dará a orientação de que precisa. Nas passagens estreitas, tome a frente e deixe-a segui-lo com a mão em seu ombro. Nos ônibus e escadas, basta pôr-lhe a mão no corrimão.
  • Quando passear com um cego que já estiver acompanhado, não o pegue pelo outro braço, nem lhe fique dando avisos. Deixe-o ser orientado só por quem o guia.
  • Para indicar a entrada em um carro, faça a pessoa cega tocar com a mão na porta aberta do carro e com a outra mão no batente superior da porta. Avise-a se há assento na dianteira, em caso de táxi.
  • Ao atravessar um cruzamento, guie a pessoa cega em L, o que será de maior segurança para você e para ela. Cruzamento em diagonal pode fazê-la perder a orientação.
  • Ao fechar a porta do automóvel onde haja uma pessoa cega, certifique-se primeiro de que não vai lhe prender os dedos. Estes são sua maior riqueza.
  • Se você encontrar uma pessoa cega tentando fazer compras sozinha em uma loja ou supermercado, ofereça-se para ajudá-la. Para ela é muito difícil saber a exata localização dos produtos, assim como escolher marcas e preços.
  • Não "siga" o deficiente visual, pois ele poderá perceber sua presença, perturbando-se e desorientando-se. Oriente-o sempre que for necessário.
  • O deficiente visual, geralmente, sabe onde é o terminal de seu ônibus. Quando perguntar por determinada linha, é para certificar-se. Em um ponto de ônibus onde passam várias linhas, o deficiente visual necessita de seu auxílio para identificar o ônibus que deseja apanhar. Se passar seu ônibus, onde passa só uma linha, o deficiente visual o identificará pelo ruído do motor, abertura de portas, movimento de pessoas subindo e descendo, necessitando de sua ajuda apenas para localizar a porta. Em trajetos retos, sem mudança do solo, o cego não pode adivinhar o ponto onde irá descer e precisará de sua colaboração. Em trajetos sinuosos ou em que o solo se modifica, ele faz seu esquema mental e desce em seu ponto, sem precisar de auxílio. Quando você for descer de um ônibus e perceber que uma pessoa cega vai descer no mesmo ponto, ofereça sua ajuda. Ela necessitará de sua ajuda para atravessar a rua ou obter informações sobre algum ponto de referência.
  • Ajude a pessoa cega que pretende subir em um ônibus colocando a mão dela na alça externa vertical (balaústre) e ela subirá sozinha, sem necessidade de ser empurrada ou levantada.
  • Dentro do ônibus, não a obrigue a sentar-se, deixando esta decisão à sua escolha. Apenas a informe onde há lugar, colocando sua mão no assento ou no encosto, caso ela deseje sentar-se.
  • Constituem grande perigo para as pessoas com deficiência visual os obstáculos existentes nas calçadas, tais como lixeiras, carros, motos, andaimes, venezianas abertas para fora, jardineiras, árvores cujos troncos atravessam a calçada, tampas de esgotos abertas, buracos, escadas, etc.

No Trabalho
  • Em função adequada e compatível, a pessoa com deficiência visual produzirá igual ou mais que as pessoas de visão normal, pois seu potencial de concentração é mais bem utilizado.
  • Ao ingressar na empresa, a pessoa com deficiência visual, como qualquer outro funcionário, deve ser apresentada a todos os demais colegas e chefias, e ser orientado quanto à área física (distribuição das salas, máquinas, WC, refeitório, outros).
  • Todo cidadão tem direitos e deveres iguais perante a sociedade. Dessa forma, a pessoa com deficiência visual deve desempenhar, na íntegra, seu papel como trabalhador, cumprindo seus deveres no que se refere à pontualidade, assiduidade, responsabilidade, relações humanas, etc.
  • Se a pessoa com deficiência visual não corresponder ao que a empresa espera dela, não generalize os aspectos negativos a todos os deficientes visuais; lembre-se de que cada pessoa tem características próprias.
  • Pelo fato de ter-se tornado deficiente visual, o trabalhador ou funcionário não deve ser estimulado a buscar sua aposentadoria, mas a reabilitar-se, podendo continuar na empresa ou habilitar-se em outras funções e outros cargos. Algumas instituições têm como objetivo a reabilitação e reintegração do deficiente no trabalho, bastando, para tanto, contatá-las.

Na Escola  
  • Pessoas com olhos irritados e que esfregam as mãos neles, aproximam-se muito para ler ou escrever, manifestam dores de cabeça, tonturas, sensibilidade excessiva à luz ou visão confusa devem ser encaminhadas a um oftalmologista.
  • Toda pessoa com deficiência visual, por amparo legal, pode freqüentar escola da rede regular de ensino (público ou particular).
  • Se a pessoa enxerga pouco, deverá estar na primeira fila, no meio da sala ou com distância suficiente para ler o que está escrito no quadro negro.
  • A incidência de reflexo solar e/ou luz artificial no quadro negro deve ser evitada.
  • Trate a pessoa com deficiência visual normalmente, sem demonstrar sentimentos de rejeição, subestimação ou superprotecção.
  • Todos podem participar de aulas de Educação Física e Educação Artística. Use o próprio corpo do deficiente visual para orientá-lo.
  • Trabalhos de pesquisa em livros impressos a tinta podem ser feitos em conjunto com colegas de visão normal.
     

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Maria da Glória Batista Mota.
A comunicação e a relação interpessoal com o aluno deficiente visual.
Brasília: Secretaria de Educação Especial - MEC, 2003.
 

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