Rui Batista é programador informático
foto NUNO FERREIRA SANTOS
foto NUNO FERREIRA SANTOS
Os smartphones ajudam os cegos na viagem casa-trabalho, dizem se as luzes da sala estão ligadas, e são capazes de distinguir entre um pacote de leite e um litro de vinho.
Cego desde os cinco anos, Rui Batista passa a viagem diária de autocarro para o trabalho, entre Algés e Alcântara, em Lisboa, com os dedos a deslizar pelo ecrã do telemóvel. Além de aceder a notícias (que são lidas por uma voz robótica com velocidade programada), ao email, e às redes sociais, o telemóvel avisa-o quando tem de sair.
“Programo a paragem do 751 em que quero sair na aplicação Ariadne GPS, e ela avisa-me cerca de 200 metros antes. Quando estou a andar a pé, uso o BlindSquare para confirmar a rua em que estou, ou o cruzamento em que tenho de virar”, diz ao PÚBLICO.
Aos 29 anos, divide o tempo entre o trabalho como programador e as responsabilidades na direcção da ACAPO, a associação portuguesa para pessoas com deficiência visual. “Os cegos podem perder facilmente a noção de onde estão. Antes eu pedia mais ajuda, ou evitava caminhos menos rotineiros, mas hoje em dia viajar é muito menos stressante."
Para quem vê bem, pode parecer difícil navegar pelo ecrã liso de olhos fechados – seja para escrever uma mensagem ou escolher a aplicação certa –, mas os aparelhos são considerados um dos maiores desenvolvimentos tecnológicos para a população cega.
“A qualidade e quantidade de acesso à informação é incrível, e é feita ao mesmo tempo dos outros utilizadores sem qualquer deficiência"
Patrícia Soares, cega desde a adolescência
“Programo a paragem do 751 em que quero sair na aplicação Ariadne GPS, e ela avisa-me cerca de 200 metros antes. Quando estou a andar a pé, uso o BlindSquare para confirmar a rua em que estou, ou o cruzamento em que tenho de virar”, diz ao PÚBLICO.
Aos 29 anos, divide o tempo entre o trabalho como programador e as responsabilidades na direcção da ACAPO, a associação portuguesa para pessoas com deficiência visual. “Os cegos podem perder facilmente a noção de onde estão. Antes eu pedia mais ajuda, ou evitava caminhos menos rotineiros, mas hoje em dia viajar é muito menos stressante."
Para quem vê bem, pode parecer difícil navegar pelo ecrã liso de olhos fechados – seja para escrever uma mensagem ou escolher a aplicação certa –, mas os aparelhos são considerados um dos maiores desenvolvimentos tecnológicos para a população cega.
“A qualidade e quantidade de acesso à informação é incrível, e é feita ao mesmo tempo dos outros utilizadores sem qualquer deficiência"
Patrícia Soares, cega desde a adolescência
Todos os smartphones (sejam os iPhone, Android, ou mesmo Windows Phone) vêm com leitores de ecrã já incluídos, que utilizam vozes sintetizadas para descrever os elementos. Quando se clica numa parte do ecrã, o telemóvel diz onde se está a carregar (“mensagens”, “calendário”, “73 por cento de bateria”). Ao deslizar o dedo, a voz enumera as várias aplicações naquela direcção e ao clicar duas vezes seguidas em qualquer parte do ecrã abre-se a última aplicação descrita.
“A qualidade e quantidade de acesso à informação é incrível, e é feita ao mesmo tempo dos outros utilizadores sem qualquer deficiência, o que não acontecia no passado”, diz Patrícia Soares, 26 anos, que perdeu a visão durante a adolescência. “Recordo-me dos meus primeiros telefones depois de cegar serem topos de gama, mas só me permitirem aceder aos contactos, chamadas, e pouco mais.”
Hoje tem o telemóvel recheado de aplicações sociais, lazer, e apoio. O LightDetector diz-lhe a luminosidade de uma sala (para perceber se tem as luzes ligadas), e o CamFind reconhece o tipo de objecto que está à sua frente. “Para quem não vê, um pacote de vinho ou leite parece igual”, explica Patrícia Soares, que antes só encontrava equipamentos para estas tarefas à venda por várias centenas de euros. “Estas aplicações vieram substituir produtos que geralmente são um balúrdio.”
Em Julho, a Microsoft também lançou a Seeing AI, uma aplicação gratuita que usa inteligência artificial para descrever o mundo à volta do utilizador, incluindo outras pessoas. A câmara do telemóvel serve para dizer ao utilizador a distância a que está de outras pessoas, bem como para dar uma estimativa da idade, o nome (se o aparelho reconhecer a pessoa a partir de fotografias), e uma descrição da expressão facial. Portugal ainda não faz parte dos mercados em que a aplicação está disponível. Já o projecto português CE4BLIND está a ser desenvolvido para ajudar à leitura de textos, ementas de restaurantes ou ao reconhecimento de embalagens.
Tecnologia de nicho
“A qualidade e quantidade de acesso à informação é incrível, e é feita ao mesmo tempo dos outros utilizadores sem qualquer deficiência, o que não acontecia no passado”, diz Patrícia Soares, 26 anos, que perdeu a visão durante a adolescência. “Recordo-me dos meus primeiros telefones depois de cegar serem topos de gama, mas só me permitirem aceder aos contactos, chamadas, e pouco mais.”
Hoje tem o telemóvel recheado de aplicações sociais, lazer, e apoio. O LightDetector diz-lhe a luminosidade de uma sala (para perceber se tem as luzes ligadas), e o CamFind reconhece o tipo de objecto que está à sua frente. “Para quem não vê, um pacote de vinho ou leite parece igual”, explica Patrícia Soares, que antes só encontrava equipamentos para estas tarefas à venda por várias centenas de euros. “Estas aplicações vieram substituir produtos que geralmente são um balúrdio.”
Em Julho, a Microsoft também lançou a Seeing AI, uma aplicação gratuita que usa inteligência artificial para descrever o mundo à volta do utilizador, incluindo outras pessoas. A câmara do telemóvel serve para dizer ao utilizador a distância a que está de outras pessoas, bem como para dar uma estimativa da idade, o nome (se o aparelho reconhecer a pessoa a partir de fotografias), e uma descrição da expressão facial. Portugal ainda não faz parte dos mercados em que a aplicação está disponível. Já o projecto português CE4BLIND está a ser desenvolvido para ajudar à leitura de textos, ementas de restaurantes ou ao reconhecimento de embalagens.
Tecnologia de nicho
Este é um mercado difícil. Como programador, Rui já trabalhou na criação de leitores de ecrã e outros produtos de acessibilidade. "É uma área em que não se consegue fazer muito dinheiro”, diz o informático, que actualmente só testa novas aplicações e serviços online para cegos em regime de voluntariado. “Felizmente, não há assim tantos cegos! E geralmente é só a malta mais nova que tem mais interesse em explorar as novas tecnologias.”
A Organização Mundial de Saúde diz que há cerca de 285 milhões de pessoas com problemas severos de visão em todo o mundo: 39 milhões são cegas e 246 milhões têm baixa visão. Equivale a menos de 4% da população mundial. Em Portugal, a percentagem é maior: cerca de 8%. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, referentes aos censos de 2011, existiam cerca de 920 mil pessoas com dificuldades de visão.
“Em termos comerciais a tecnologia para invisuais ainda é vista como um nicho, como algo que apenas se destina a uma pequena parte da população,” explica João Guerreiro, 31 anos, um investigador português a trabalhar na universidade de Carnegie Mellon, nos EUA. “Entre investir num produto que sirva para todas as pessoas, ou por um produto que só se destine a algumas, as empresas tendem a escolher aquilo que lhes vai dar mais lucro.”
Para o investigador, ainda é difícil “traduzir estudos e trabalhos académicos em produtos”. Um dos projectos que tem em mãos – uma parceria entre várias instituições, liderada pela universidade de Lisboa – é uma aplicação móvel para ajudar pessoas com problemas de visão a usar um smartphone pela primeira vez. “A adaptação inicial ao aparelho pode ser difícil”, diz Guerreiro. Com a “Hint me!”, as pessoas podem enviar dúvidas a utilizadores com visão (por exemplo, “O que é que faz aquele botão?”).
A aplicação é útil em aplicações que ainda não são completamente compatíveis com um leitor de ecrã. Se não houver preocupação em programar as aplicações acessíveis, os leitores de ecrã lêem toda a informação numa aplicação ou site online, o que inclui soletrar o endereço dos sites.
“A tecnologia pode derrubar barreiras, mas se não for criada da forma certa, vai criar novas barreiras”, diz Rodrigo Santos, 39 anos, um jurista especializado em direitos das pessoas com deficiência e que é cego de nascença. Recorda um caso de 2014, quando a autoridade nacional do medicamento, o Infarmed, lançou uma aplicação para consultar folhetos e preços de medicamentos que não era compatível com um leitor de ecrã. O problema foi resolvido, mas para o jurista, adaptar o produto não é solução: “O objectivo devia ser criar algo que à partida pudesse logo ser utilizado por todos."
Patrícia, Rui e Rodrigo estão confiantes que a tecnologia vai continuar a evoluir. Mesmo que seja devagar. Rodrigo ainda se lembra de considerar “uma enorme vitória” quando a tecnologia começou a permitir ler os jornais que os pais traziam do café na década de 1990, depois de os digitalizar com um scanner. Patrícia também passou pelo mesmo, mas com romances que digitalizava individualmente, antes do lançamento da plataformas de livros digitais da Apple.
“O advento do smartphone levou a que todas as tecnologias pudessem estar reunidas num só aparelho, e disponíveis a partir do bolso em qualquer instante”, frisa Rodrigo Santos. “Para todos.”
“Em termos comerciais a tecnologia para invisuais ainda é vista como um nicho, como algo que apenas se destina a uma pequena parte da população,” explica João Guerreiro, 31 anos, um investigador português a trabalhar na universidade de Carnegie Mellon, nos EUA. “Entre investir num produto que sirva para todas as pessoas, ou por um produto que só se destine a algumas, as empresas tendem a escolher aquilo que lhes vai dar mais lucro.”
Para o investigador, ainda é difícil “traduzir estudos e trabalhos académicos em produtos”. Um dos projectos que tem em mãos – uma parceria entre várias instituições, liderada pela universidade de Lisboa – é uma aplicação móvel para ajudar pessoas com problemas de visão a usar um smartphone pela primeira vez. “A adaptação inicial ao aparelho pode ser difícil”, diz Guerreiro. Com a “Hint me!”, as pessoas podem enviar dúvidas a utilizadores com visão (por exemplo, “O que é que faz aquele botão?”).
A aplicação é útil em aplicações que ainda não são completamente compatíveis com um leitor de ecrã. Se não houver preocupação em programar as aplicações acessíveis, os leitores de ecrã lêem toda a informação numa aplicação ou site online, o que inclui soletrar o endereço dos sites.
“A tecnologia pode derrubar barreiras, mas se não for criada da forma certa, vai criar novas barreiras”, diz Rodrigo Santos, 39 anos, um jurista especializado em direitos das pessoas com deficiência e que é cego de nascença. Recorda um caso de 2014, quando a autoridade nacional do medicamento, o Infarmed, lançou uma aplicação para consultar folhetos e preços de medicamentos que não era compatível com um leitor de ecrã. O problema foi resolvido, mas para o jurista, adaptar o produto não é solução: “O objectivo devia ser criar algo que à partida pudesse logo ser utilizado por todos."
Patrícia, Rui e Rodrigo estão confiantes que a tecnologia vai continuar a evoluir. Mesmo que seja devagar. Rodrigo ainda se lembra de considerar “uma enorme vitória” quando a tecnologia começou a permitir ler os jornais que os pais traziam do café na década de 1990, depois de os digitalizar com um scanner. Patrícia também passou pelo mesmo, mas com romances que digitalizava individualmente, antes do lançamento da plataformas de livros digitais da Apple.
“O advento do smartphone levou a que todas as tecnologias pudessem estar reunidas num só aparelho, e disponíveis a partir do bolso em qualquer instante”, frisa Rodrigo Santos. “Para todos.”
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