Quando lhe pediam
na escola para passar a caneta vermelha, não sabia o que fazer.
Estendia ao colega qualquer caneta, o que lhe valia os epítetos de
preguiçoso ou embirrante. Hoje, passados 20 e poucos anos, o
norte-irlandês Neil Harbisson não só entregaria a caneta certa como
diria o nome da cor de uma forma mais rigorosa que os colegas.
Harbisson, artista plástico e músico – não forçosamente por esta ordem,
mas por fusão das duas artes numa só, já lá vamos – continua, no
entanto, a não distinguir as cores com a visão. Sofre de acromatopsia,
ou seja, não vê mais do que o preto, o branco e algumas tonalidades de
cinzento. É pior que o daltonismo.
Em 2004, fartou-se. Depois de ter estudado música desde os sete anos e –
numa espécie de fuga em frente estética – artes visuais desde os 16, o
artista ouviu uma palestra sobre cibernética e sobre a possibilidade de
ampliar os sentidos através da electrónica.
Foi uma epifania. Reuniu esforços e concebeu um aparelho que lhe havia
de dar cor ao mundo. Mas através dos sons e num contacto muito, mesmo
muito apertado com o seu corpo. Chamou-lhe eyeborg (junção de ‘olho’ e
‘ciborgue’ em inglês), uma pequena câmara situada à frente da testa que
detecta as cores e transforma-as, em tempo real, em ondas sonoras. Essa
‘tradução’ é feita por um chip encostado aos ossos da nuca e transmitida
ao cérebro. E é fácil verificar-lhe a eficácia. Harbisson reconheceu a
cor da parede da sala da Fundação Champalimaud, onde decorreu a pequena
entrevista que deu ao SOL: «É algo entre o sol e o lá, portanto é
amarela». Conferido.
O espanto aumenta quando o artista fala desta sua experiência de oito
anos com um sexto sentido. «No início era muito cansativo. Era demasiada
informação, tinha dores de cabeça e os ouvidos bloqueavam. Mas ao fim
de cinco semanas o meu cérebro habituou-se». Hoje, completa, já não
consegue viver sem o aparelho. Seria demasiado confuso, garante.
Harbisson percorre meio mundo com o eyeborg, expõe a pintura que os sons
lhe inspiram e dá concertos com a música que compõe a partir das cores.
Além, é claro, das palestras que dá em vários centros de investigação
científica. É um artista e, ao mesmo tempo, um maná para as
neurociências. Recebe muitos e-mails, sobretudo de pessoas que perderam a
visão, desde 2004. Criou, há dois anos, a Fundação Cyborg em Barcelona
(onde passou a infância e se fixou), onde trabalha com centros
científicos, da Espanha ao Brasil, a ajudar pessoas a conceber os seus
aparelhos tradutores das cores em sons e a devolver-lhes um mundo que já
não vêem. E não lhes vende essa tecnologia, ela é oferecida. «Seria
como vender uma parte do corpo», conclui.
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