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Entrevista à secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência
Ana Sofia Antunes, 38 anos, a primeira governante cega em Portugal, fala da sua experiência como mãe de Clara, de 16 meses, e das medidas de apoio aprovadas desde que, no final de 2015, assumiu a Secretaria de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência.
Muitas pessoas pensam que as mulheres cegas não conseguem cuidar de um bebé ou de uma criança pequena. Os seres humanos têm a capacidade de se adaptar e de desenvolver, ao longo da vida, mecanismos para substituir o que lhes falta. Uma mãe cega cuida de um bebé com as mãos e com os outros sentidos. O que não nos chega através da visão chega através do tato, do cheiro, do ouvido. Sou cega de nascença e não me sinto limitada em nada, como mãe. E também nunca senti preconceito. O que sinto, às vezes, é uma admiração fora do normal da parte das pessoas.
O que está a ser mais desafiante, para si? O mais desafiante tem sido conjugara maternidade como trabalho e uma agenda muito preenchida. A maternidade tem desafios próprios: é o primeiro filho e tudo assusta, mas nunca me senti incapaz. E, do ponto de vista médico, fui sempre tratada com absoluta normalidade. Às vezes, a pediatra da minha filha pergunta-me como vou fazer quando ela começar a andar, porque os miúdos são um "terror". De facto, tenho muito receio quando tiver de andar com ela na rua, porque se se afastar dois metros, deixo de a ver. Vou usar aquelas guias que ligam a mãe ao bebé, o que ainda não é muito bem visto em Portugal, mas nos países nórdicos usa-se muito e sei que me dará muita segurança.
Estas mães queixam-se muito do preço elevado da tecnologia de apoio. Os leitores autónomos, por exemplo, custam dois mil euros. O sistema de atribuição de produtos de apoio financia, na totalidade, a atribuição desses equipamentos a pessoas com deficiência. Têm de ir a um centro prescritor da Segurança Social e indicar o equipamento que lhes faz falta. Depois, a instituição elabora um relatório e uma prescrição, que a pessoa entrega à Segurança Social, acompanhados de três orçamentos possíveis. Ou seja, a pessoa vai a três lojas onde se vendem esses equipamentos e pede três orçamentos. Não é um processo imediato: há uma espera de, pelo menos, seis meses. Mas é 100% financiado. É difícil fazermos mais do que isso, porque não controlamos os preços.
Usa algum destes aparelhos no dia a dia? Sim. Tenho um identificador de cores, porque, com o avançar dos anos, perdi a capacidade de as distinguir; uma balança com voz, para preparara comida; um etiquetador com voz, para identificar medicamentos e produtos de higiene; seringas específicas, com várias marcações, para ser mais precisa na preparação dos biberões; um termómetro para medira temperatura da água do banho, que só usei duas ou três vezes, porque comecei a testar a olho. Algo que procurei muito, mas não existe - o que me angustia - é um conta-gotas, não há um equivalente para cegos. Em suma, tinha condições para comprar estes aparelhos, mas admito que são caros.
De que valores estamos a falar? O valor concreto do complemento depende do rendimento do agregado e pode atingir, no máximo, 700 euros. Outro recurso que lançámos recentemente: os Centros de Apoio à Vida Independente, para apoiar pessoas com todo o tipo de deficiência. Ao todo, são 35. Em fevereiro deste ano, estavam a ser apoiadas 831 pessoas com deficiência, das quais cerca de 37% afirmam ter limitações de visão. Estes centros são coordenados por diferentes instituições, como a ACAPO e a FENACERCI, e o financiamento é assegurado por nós, através de fundos comunitários (cerca de 35 milhões de euros).
Como funciona esse apoio, na prática? A pessoa candidata-se a umas horas de assistência e o centro disponibiliza um assistente, que a ajudará nas tarefas diárias, em regra, até 40 horas semanais (em casos excecionais, até 24 horas, sete dias por semana). Uma pessoa cega precisará de ajuda para organizara roupa, ver se o processo de lavagem e engomadoria correu bem, organizar as coisas na cozinha O assistente pode fazer tudo o que a pessoa sinta que lhe é difícil ou mesmo impossível fazer. A ideia é promover a sua autonomia.
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