terça-feira, 5 de agosto de 2014

INVISUAIS CONTINUAM À ESPERA ENTRE TRÊS A QUATRO ANOS POR UM CÃO-GUIA

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Quando chegou à concentração do Arraial Popular de comemoração do Dia do Cão Guia, na sede da única escola portuguesa destes animais de ajuda aos invisuais, em Mortágua, Tiara mostrou que não esquece facilmente os locais por onde passou e com quem conviveu. Reconheceu os elementos da família que a acolheu durante cerca de um ano e não se cansou de demonstrar isso. Saudou-os à sua maneira. Mostrou algo como carinho. Esta cadela é agora uma companhia inseparável de Nuno Gomes, um ourives de Celorico da Beira que no dia 25 de Janeiro de 2008 regressava da feira semanal de Trancoso quando foi baleado em andamento e assaltado. Roubaram tudo e deixaram o proprietário em estado grave. Salvou a vida, mas a medicina não foi suficiente para lhe preservar a visão. A Tiara é agora os seus olhos. Muitos outros invisuais continuam numa espera que pode ir de três a quatro anos, porque a escola não tem capacidade para dar resposta a todas as solicitações.
“É isto que nos deixa orgulhosos. É muito bom saber que ajudou uma pessoa a tornar-se mais independente. Deixou muitas saudades, mas sentir que fazemos parte de um processo que está a ajudar é muito gratificante”, conta Isilda Santos que faz este tipo de voluntariado. A Tiara foi o segundo cão-guia que esta família acolheu, para uma das fases de treino fundamentais nestes animais. “Agora já temos outro”, continua Isilda. “Estamos sempre dispostos a ajudar”.
Pelo espaço da escola, pessoas com deficiências visuais vão convivendo. Sempre com o cão ao lado. Tal como a Tiara não são cães vulgares. Os eleitos são normalmente pelas suas qualidades de raça Labrador Retriever. São treinados para guiar pessoas cegas ou com deficiência visual grave, tendo como objectivo guiar em segurança o proprietário até ao destino, seja ele qual for, oferecendo-lhe uma maior autonomia e segurança. São os olhos de quem não tem a faculdade de ver. Tem a capacidade de discernir eventuais perigos como postes, trânsito, obstáculos suspensos, bermas de passeio, como desviar de obstruções, perceber o movimento do trânsito e encontrar a entrada e a saída de diferentes locais. Tudo isto requer cães de inteligência bastante elevada e treino avançado, daí a escolha pela raça Labrador Retriever. Mais, embora seja um cão extremamente obediente, está também preparado para aquilo que é designado por desobediência selectiva, ou seja, desobedece a qualquer comando que coloque o acompanhante em perigo. “Foi quase como renascer e já me é impossível imaginar sem ela”, explica Nuno Gomes que agora não se vê sem a sua inseparável amiga. “É uma ajuda que só quem está nesta situação pode dar o devido valor. Com a Tiara passei a fazer muitas coisas de forma autónoma que me estavam vedadas”, conta Nunes, que até tem contado com a colaboração da autarquia e das pessoas por forma a minimizar um dos maiores perigos para estes animais: os cães soltos na rua. “Tem existido compreensão”, frisa.
A Tiara foi entregue a Nunes no início de Março. E só agora começa a atingir o máximo das duas potencialidades de auxilio que devem aumentar até ao fim de um ano com o utente. “Estimamos que demore entre seis a um ano para que atinjam o auge”, conta a educadora Marta Ferreira, salientando que um invisual com um cão, além das vantagens de locomoção, tem a vantagem de ter uma interacção social muito maior. “Têm mais tendência para sair e o facto de ter um cão-guia faz também com que as pessoas os olhem de outra forma. As pessoas gostam de perguntar pelo cão e passa a existir uma interacção muito maior”, remata.
Nunes continua a lamentar e a não compreender as dificuldades financeiras da escola, muito por culpa, no seu entender, do Estado que deveria ter outra atitude para com esta instituição. “Eles têm de andar a pedir quando o Estado entrega tanto dinheiro a diversas fundações sem que se saiba para que servem. Se dessem mais a este tipo de instituições, se calhar não estava tanto tempo à espera”, critica ainda este ourives que tem na sua posse uma animal que para ficar apto a ajudá-lo custou, entre treinos e tudo mais, aproximadamente, em 17500 euros.
A capacidade de treinamento e entrega aos utilizadores por parte da escola não vai além dos 16 ou 17 animais por ano. A lista de espera é longa. Sempre para cima de três anos. Neste momento existem cerca de 50 invisuais a aguardar uma oportunidade. “Vamos até onde podemos com a nossa capacidade de financiamento. Temos um subsídio da Segurança Social que cobre cerca de 60 por cento do nosso orçamento, mas o restante temos de o conseguir nós. Ou seja temos de encontrar 100 mil euros”, explica o director da escola, João Fonseca, referindo que um dos passos mais complicados do processo prende-se com a quantidade de educadores. Estes precisam de tirar um curso de três anos em França, o que torna o projecto deveras dispendioso. “Mais um elemento iria permitir entregar mais cinco cães por ano. Mas não temos capacidade financeira para colocar uma pessoa em França a tirar o curso”.
A escola vai procurar diversificar a oferta, criando uma forma de ampliar os recursos. O objectivo é começar a adestrar cães para auxiliar crianças autistas. A exigência neste caso é menor em termos de treino, mas segundo João Fonseca, será de enorme importância para as crianças e família. “Vai ajudar a criança no dia-a-dia, permitindo-lhe comunicar. Ao mesmo tempo possibilita aos pais reaverem mais tempo para eles próprios”, explica, adiantado que este é um projecto ainda em estudo. “Não queremos entrar de cabeça, primeiro temos de ter os pés bem assentes no chão”, frisa.
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