sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ainda há barreiras no acesso dos cidadãos com necessidades especiais aos serviços públicos

O acesso dos cidadãos com necessidades especiais aos serviços da Administração Pública (AP) ainda apresenta algumas barreiras. Para perceber quais são essas barreiras e como poderão ser superadas, o iGOV falou com Rodrigo Santos, membro da Direcção Nacional da ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal).
Que barreiras enfrentam os cidadãos com necessidades especiais, e em especial com deficiência visual, no relacionamento com a Administração Pública?
Eu acho que ao nível de tudo são barreiras de várias ordens. Começa porque ainda subsistem barreiras de acessibilidade física. Ou seja, ainda há instalações que não estão desenhadas tendo em conta todos os requisitos necessários para que as pessoas com qualquer tipo de deficiência se movimentem livremente e de forma autónoma nas respectivas instalações. Estou a falar, por exemplo, do caso das pessoas com deficiência visual e, no caso específico das pessoas com baixa visão, informação em caracteres ampliados ou mesmo sinalética Braille ou outro tipo de sinalética adequada para que as pessoas com deficiência se possam movimentar e aceder de uma forma livre e autónoma, e em igualdade de circunstâncias, aos sítios onde são disponibilizados os serviços. Seguem-se depois as barreiras atitudinais. Muitas vezes quem atende ao público na Administração não está preparado e não sabe como lidar ou contactar com uma pessoa com deficiência. Por exemplo, se a pessoa com deficiência é acompanha de outra não se fala com a pessoa com deficiência fala-se com o acompanhante, o que é profundamente errado. Ou muitas vezes não se consegue detectar e saber o que fazer e sinalizar quando está uma pessoa com deficiência, por exemplo, num atendimento ao público. Não é raro encontrar funcionários que ficam um pouco embaraçados, inclusive no contacto, porque não sabem como proceder nesse contacto. A necessidade de derrubar essas barreiras atitudinais, o que é muitas vezes conseguido através de formação específica, não tem sido devidamente acauteladas. Depois temos as barreiras ao nível da acessibilidade, quer dos serviços prestados quer da informação. Muitas vezes os formulários, quer electrónicos quer em papel não estão acessíveis às pessoas com os mais variados tipos de deficiência. Não podem ser preenchidos autonomamente, não há muitas vezes auxílio no seu preenchimento. Em suma, temos ainda um paradigma muito «papelizado» da própria Administração. É certo que tem vindo a mudar, mas que por si só muitas vezes colocam barreiras intransponíveis para que as próprias pessoas com deficiência possam usufruir e conhecer aquilo que a Administração tem para eles enquanto cidadãos.
Sente que essas barreiras se mantêm nos balcões de nova geração, como as «Lojas do Cidadão»?
Nós tivemos recentemente um caso de uma pessoa que se dirigiu a uma «Loja do Cidadão» a fim de efectuar um determinado serviço e que, ao contrário do que está explicitamente estipulado na lei, não foi garantida a prioridade do seu atendimento. Esta foi uma opção legislativa tomada já em 1999. Há doze anos que este Decreto-Lei existe. Espanta-nos como doze anos depois ainda não se percebe como funcionam as prioridades, ainda não se percebe que há uma prioridade em razão da deficiência, ainda não se percebe que há uma necessidade específica de acompanhamento destas pessoas e que, por isso mesmo, devem beneficiar de um atendimento prioritário e de um atendimento que efectivamente acautele as especificidades das pessoas com deficiência. Nas novas «Lojas do Cidadão», na sua maioria, este assunto tem sido devidamente acautelado, mas ainda há, em alguns aspectos, um trabalho importante para fazer. Este caso, que dizia, passou-se numa «Loja do Cidadão» e a própria responsável da «Loja do Cidadão» não sabia, e não soube, dar um encaminhamento devido em termos de prioridade de atendimento a esta situação.
A disponibilização de serviços electrónicos tem contribuído, de alguma forma, para dissipar essas barreiras?
Nós vemos com muito bons olhos a adopção, cada vez mais, por parte da Administração Pública e por parte das empresas públicas, de uma filosofia de serviços assentes em plataformas electrónicas. Com efeito, as pessoas com deficiência visual conseguem aceder autonomamente à informação disponibilizada num sítio de Internet, através de computadores com leitores de ecrãs que depois podem transformar a informação presente nesse sítio Web, ou num e-mail, entre outros, em voz sintética ou caracteres Braille através de uma linha Braille. A grande questão que se põem é que, não obstante esta ter sido uma das preocupações em que Portugal foi pioneiro, achamos que cada vez mais a adopção de soluções electrónicas coloca, ou pode colocar, também algum tipo de barreiras. É obrigatório para os serviços da Administração Pública disponibilizarem as informações e os seus sítios de Internet em sites totalmente acessíveis, cumprindo regras que estão estipuladas internacionalmente pelo consórcio W3C (The World Wide Web Consortium) para o efeito. Essa obrigatoriedade já vem desde 1999 e foi reforçada em 2007 através de uma resolução do Conselho de Ministros. Não obstante, ainda continuam a persistir exemplos sobretudo no domínio transaccional, mas também no domínio da prestação de informação, em que a Administração não adopta filosofias de desenho acessível, quer para os próprios sítios Web quer também para a informação que disponibiliza nos seus sítios Web.
Pode dar-nos alguns exemplos concretos?
É o caso de situações em que existem formulários disponibilizados em formato PDF, mas que esses formulários não são «preenchíveis» de forma autónoma por uma pessoa com deficiência. Requer-se a impressão do formulário em papel e o seu posterior preenchimento manual. É uma situação absolutamente desnecessária que, inclusive, só traz desperdício à actuação dos serviços e que, acima de tudo, coloca barreiras de acesso às pessoas com deficiência. É o caso também, por exemplo, no domínio da Administração fiscal em que há determinadas partes do sítio Web do «Portal das Finanças» em que contribuinte com deficiência visual não pode autonomamente inserir determinadas informações, porque as plataformas tecnológicas utilizadas não tiveram em conta os requisitos necessários de acessibilidade. E apesar do sítio Web estar, por si mesmo, acessível, muitas vezes as ferramentas transaccionais não estão. É também frequente encontrarmos sítios da Administração que disponibilizam simples folhetos informativos, por exemplo em formato PDF, mas em que esses folhetos informativos não estão em PDF formato texto. Ou seja, adopta-se uma imagem. Ora, se os leitores de ecrã instalados nos computadores das pessoas com deficiência visual transformam os caracteres que estejam no ecrã em voz sintética ou em Braille e se no ecrã estiver uma imagem é lógico que eles não conseguem adivinhar que naquela imagem estão caracteres. Colocar ou tornar um sítio Web acessível é muito mais que pôr links para vocalização de texto, muitas das vezes absolutamente redundantes e desnecessários. Quer-se um sítio que seja transversalmente acessível e que tenha tido essas preocupações de acessibilidade, não só na concepção do próprio sítio Web mas também na concepção de todos os materiais e de todas as ferramentas que são disponibilizadas nesse sítio.

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